Leandro Matos 11/08/2014A MENINA SUBMERSA | MERGULHE NO OCEANO DE PALAVRAS E IMAGENS DE UMA MENTE ESQUIZOFRÊNICA“Fantasmas são essas lembranças fortes demais para serem esquecidas, ecoando ao longo dos anos e se recusando a serem apagados pelo tempo.”
Com seu padrão meticuloso de qualidade, a editora carioca DarkSide Books entrega aos leitores brasileiros mais uma bela edição, recheada com detalhes precisos e curiosos para o nono romance da excêntrica escritora Caitlín R. Kiernan. O livro A Menina Submersa foi indicado em seis premiações e levou duas, dentre elas uma das mais relevantes para o gênero da fantasia, o Bram Stoker de 2013.
Durante a leitura encontramos os relatos, as impressões e os sentimentos da mente conflituosa de India Morgan Phelps, ou Imp, como ela prefere que seja chamada. Em pouco mais de 300 páginas somos imersos em um verdadeiro oceano de imagens e acontecimentos, que vão construindo um mosaico da vida de Imp. Não é possível apontar uma posição clara com relação a narrativa não-linear. Ora em primeira, ora em terceira pessoa, há trechos que somos meros observadores, passíveis diante de fatos tão estranhos. O que por sua vez deixa a leitura pautada pelo interesse contínuo em entender sobre essa mente tão perturbada. Imp utiliza de improvisos, analogias e correções para relatar a sua história de fantasmas com sereias e lobos.
O carisma com a personagem é captado em poucas páginas. Tudo é muito subjetivo. A incerteza é presente e sobra espaço para interpretações daquilo que é apresentado. A personagem afirma, nega, se contradiz e se interrompe entre linhas. Tudo isso, é oriundo de um corpo que sofre com a ação dos medicamentos para o tratamento de uma esquizofrenia hereditária e que carrega, além disso, o pesado fardo de um fatídico drama familiar, uma maldição como Imp cita em suas memórias. Curioso observar que algumas particularidades pessoais da autora foram inseridas nas memórias de Imp e serviram como base, para uma melhor apropriação sobre alguns temas, como por exemplo, uma relação homossexual, a afirmação de gêneros contra uma transsexualidade latente, além do paganismo e da localidade utilizada na história.
Imp tem transtornos e obsessões. Algumas delas são direcionadas para músicas, números e principalmente para obras de arte. Existe toda uma simbologia e uma compreensão própria para Imp, no quadro Fecunda Ratis, onde se vê uma mulher vestida de vermelho (Chapeuzinho Vermelho?) ao chão cercada por criaturas da noite (ou lobos?) e na tela A Menina Submersa, uma mulher nua, observa de dentro de um rio uma floresta negra. Todas essas e outras além, são canalizações que Imp faz para dar algum sentido a sua verdade dos fatos. Interessante falar em fatos para com o livro, pois nem tudo é factual durante a narrativa. Essas obras citadas e seus respectivos pintores são coadjuvantes ficcionais do enredo, mas que denotam em sua criação, toda a inventividade da escrita de Caitlín. Por meio da metalinguagem, sua escrita é admirável e espantosamente instigante. É difícil apontar como Caitlín pôde escrever um livro estranhamente fascinante.
Lembro-me que na contracapa de um determinado livro do britânico Neil Gaiman, existe uma nota do consagrado escritor Stephen King, afirmando que Neil é “uma arca do tesouro de histórias. É uma sorte tê-lo em qualquer meio de comunicação.” Essa afirmação é plenamente aplicável a Caitlín, pois no desenrolar da obra, vão surgindo referências a lendas, mitos, contos de fadas, lugares estranhos e criaturas de diversas culturas, que nos impõe a obrigação de anotá-los para uma exploração mais detalhada. Dessa vez com menção do próprio Neil destacando justamente a escrita de Caitlín, entendo o quanto ele foi conciso em afirmar que “poucos escrevem como ela”. Uma declaração apropriada para a toda excelência da escrita apresentada nessas páginas.
“Nenhuma história tem começo e nenhuma história tem fim. Começos e fins podem ser entendidos como algo que serve a um propósito, a uma intenção momentânea e provisória, mas são, em sua natureza fundamental, arbitrários e existem apenas como uma ideia conveniente na mente humana.”
A Menina Submersa é um caleidoscópio de imagens. Um labirinto experimental de palavras sequenciadas. Uma metaficção forte e intrincada, que exige atenção e cuidado, daqueles que propuserem se aventurar em suas páginas. Uma vez iniciada a leitura, saiba que sua mente será tragada para um mar de lendas e criaturas, onde todo o engajamento será recompensado.
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