Jonathas 14/03/2011"Vocês nem ao menos sabem o nome dela"As Ruínas acompanha minha vida de leitor há cinco anos, quando li a história pela primeira vez. Desde então assisti a adaptação cinematográfica por diversas vezes, li muita coisa, conheci vários autores admiráveis e acompanhei aventuras marcantes na Literatura, no entanto, sempre que me lembrava de As Ruínas conseguia evocar as sensações que a leitura me causava em 2011. Constantemente planejava a releitura da obra, mas sempre com a dúvida se o livro venceria o tempo e permaneceria tão impactante quanto a primeira leitura. Após a releitura possa afirmar sem duvidas: ele foi melhor do que eu conseguia me lembrar.
“Ela e Eric passaram o tempo inteiro falando, sem parar, como se pressentissem algum perigo até mesmo no mais breve dos silêncios. O perigo de pensar, supôs Amy, de parar e avaliar onde estavam, com o que estavam lidando. Tinha a sensação de que estavam sentados à beira de algum precipício perigosamente alto, sentindo a terra muito longe lá embaixo, mas tentando não baixar os olhos para vê-la. Falar parecia mais seguro do que pensar, mesmo que acabassem falando justamente do que estava ocupando seus pensamentos. Porque, com o falar, havia pelo menos uma chance de reconforto, uma chance de animarem e incentivarem um ao outro de uma forma impossível de se fazer sozinho. E havia também a possibilidade de mentir, caso fosse necessário.” (pág. 118)
Na primeira leitura eu acreditava que o livro tratava de sobrevivência, agora, no entanto, creio que o livro é mais sobre morte do que qualquer outra coisa. A narrativa apresenta quatro amigos de férias em Cancún, os jovens se divertem e conhecem outras pessoas por lá. Os primeiros capítulos apresentam esses personagens pouco a pouco, e embora haja uma descontração que costuma rodear as férias há também algo a espreita. É claro que o leitor, nesse ponto, não sabe o que é, mas o desconforto só vai aumentando a cada página. Pode parecer o enredo daqueles filmes de terror clichês que infestaram os cinemas entre os anos 90 e 2000, mas conforme a leitura avança essa percepção muda.
“Era assim que a morte sempre funcionava, pensou Eric; os vivos faziam todo o possível para eliminar da sua frente qualquer vestígio dela.” (pág. 106)
O autor nos apresenta esses jovens, numa narrativa em terceira pessoa que alterna entre cada um, aprofundando-os cada vez mais, além de explorar a dinâmica das relações entre eles. Os jovens vão explora as ruínas e é lá que o terror toma forma, mas o perigo já se apresenta nas primeiras páginas, o que espreita esses jovens é a própria morte.
“Amy havia chegado à conclusão de que era isso que as pessoas faziam enquanto esperavam a morte; ficavam ali lutando para se lembrar dos detalhes de suas vidas, de todos os acontecimentos que pareciam tão impossíveis de esquecer enquanto estavam acontecendo, das coisas saboreadas, cheiradas e ouvidas, dos pensamentos que pareciam revelações, e agora Jeff também estava fazendo isso.” (pág. 127)
A morte é um dos maiores mistérios que a humanidade não cansa de especular. É também um dos medos mais primitivos do ser humano, e por mais que ela esteja sempre a espreita, Scott Smith nos mostra de uma forma cruel o destino desses jovens, depois de nos apresentá-los e nos contar seus segredos e sonhos a narrativa já indica o desfecho: “Tá vendo esse jovem promissor que quer ser médico? E aquele ali que quer casar? Eles vão todos morrer.” O autor não perde a oportunidade de deixar indícios no texto sobre o gran finale.
“Verificou quantas fotos ainda lhe restavam: três das trinta e seis. [...] E, caso o que ela sentia agora estivesse correto, caso os maias estivessem corretos, caso Jeff estivesse correto, então era possível que lhe restassem apenas mais três fotos a tirar em toda sua vida. Amy tentou decidir quais seriam. Deveria haver uma foto de grupo, imaginou, tirada com o timer, de todos eles reunidos em volta de Pablo e sua maca. E uma dela com Stacy, é claro, de braços dados, a última da série. E depois...” (pág. 195)
Ao chegar às ruínas, os jovens são ameaçados pelos maias que os impedem de partir, eles são obrigados a ficar nas ruínas, embora não saibam o que há de errado eles sabem que um pesadelo acaba de começar. O autor, mais uma vez, mostra toda sua criatividade e audácia ao criar a ameaça que habita as ruínas. Sua escolha, que a princípio pode parecer duvidosa, vai convencendo o leitor através da narrativa sedutora do autor. Assim como a minha primeira leitura, a releitura foi rápida, há uma urgência no livro que faz com que o leitor avance desenfreadamente, sentindo-se desconfortável em fechar o livro e abandonar os personagens aquele perigo.
" - Então, pra você, o que quer dizer morrer?
- Nada. O fim. E pra você?
- Sei lá. Parece estúpido, mas eu na verdade nunca pensei no assunto. Não para valer.
- O que tiver que acontecer vai acontecer, né? Nada, alguma coisa... o fato de a gente acreditar nisso ou naquilo não vai fazer diferença nenhuma no final." (pág. 321)
O mais incrível é que o terror físico que a ameaça apresenta não é tão importante quanto a terror psicológico vivenciado pelas personagens. Scott Smith é um autor que gosta de explorar a complexidade de suas personagens, por isso, a situação em que elas se encontram não é o foco do autor, ele quer saber como elas vão reagir à situação. Seu livro de estreia “Um Plano Simples” é a prova disso: um homem encontra 4 milhões de dólares, e o autor explora como o personagem reage a isso. Não importa a causa, Scott Smith quer saber das escolhas que suas personagens fazem e as consequências que elas trazem.
“Amy se mexeu de leve, soltando a mão de dentro da de Jeff. Ninguém deveria pronunciar aquelas palavras, mas mesmo assim ele fizera isso, e de forma muito casual, como alguém que espanta uma mosca. Se ele morrer aqui." (pág. 131)
Como se não bastasse todos essas qualidades do livro há também um capítulo em que os personagens imaginam como seria o filme que poderia ser feito sobre a experiência deles nas ruínas. A sátira a Hollywood é tão autentica, que ironicamente acontece na adaptação cinematográfica do romance. Algumas das mudanças radicais entre o livro e o filme acabam se revelando tudo aquilo que os personagens discutem enquanto estão bêbados – o filme é bom apesar de tudo, ele sim é mais sobre sobrevivência do que sobre morte, recomendo!
"- Eles vão fazer um filme a nosso respeito? – perguntou Stacy.
- Isso.
- Quem vai fazer o meu papel?
- Primeiro você precisa decidir quem você é.
- Quem sou eu?
- Porque eles vão ter que mudar a gente um pouco, sabe como é. Transformar a gente em personagem. Vão precisar de um herói, de um vilão... esse tipo de coisa. Tá entendendo o que estou dizendo?
- E qual desses sou eu?
- Bom, tem dois papeis femininos, certo? Então uma de vocês vai ter que ser a menina boazinha, recatada, e a outra vai ter que ser a piranha. Eu acho que a Amy seria recatada, você não acha? Então você seria, sabe como é... você seria a piranha." (pág. 236)
O leitor termina a leitura com as dúvidas de Stacy ecoando: “Quem sou eu? Será que eu ainda sou eu mesma?”. Quem somos frente a morte? No filme um personagem indaga os maias numa cena emocionante que não acontece no romance, após a morte de seus amigos: “Vocês nem ao menos sabem o nome dela. Não sabem o nome de nenhum de nós.” Ele se apresenta, diz de onde veio, sua idade e seu sonho que nunca se concretizará, e eu não consegui escapar dessa pergunta após a leitura: Quantas pessoas morreram hoje e eu nem ao menos sei os nomes delas?
“Mas talvez não houvesse um mais tarde. Porque também havia essa possibilidade, não havia? Não haveria um mais tarde, não haveria nada depois daquele lugar, e Amy seria apenas a primeira, e ele e os outros logo a seguirem. [...] Será que não poderia até ser uma benção, como qualquer outra abreviação de um sofrimento?" (pág. 277)