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Poemas Paulo Mendes Campos




Resenhas - Poemas de Paulo Mendes Campos


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Arsenio Meira 28/01/2014

Abrir Janelas para o tempo, a memória e a morte

Poeta de produção considerável, Paulo Mendes Campos (Belo Horizonte, 1922 – Rio de Janeiro, 1991) é certamente lembrado como prosador, sobretudo como cronista. Vários são os livros de crônicas que o fazem figurar em nossa literatura como um dos maiores escritores do gênero, disputando com Rubem Braga o posto de maior cronista brasileiro (a maioria defende Rubem; a minoria, vota em Paulo, rsrs). Só o fato de duelar com o velho Braga já um feito digno de nota. De toda sorte, em face do prestígio da escrita em prosa, sua poesia não logrou amplo reconhecimento, em semelhança ao ocorrido – guardadas as devidas proporções – com Machado de Assis, cuja obra poética permanece ainda pouco propalada, diante da consagração e da excelência de sua narrativa.

Neste sentido, a a poesia de Paulo Mendes Campos se apresenta como a segunda lacuna objeto deste trabalho, a ser investigada a partir de suas relações com o movimento estético-literário em que se insere. Vista deste ângulo, a obra do poeta aparece duplamente eclipsada, obliterada a um só tempo pela magnitude de sua produção em prosa e pela conexão com a geração de 45. Tais razões parecem insuficientes para explicar o espesso silêncio que confina seus versos,considerada a qualidade que lhes é própria. Resta, então, buscar os motivos do esquecimento. No volume de crônicas "Cisne de feltro", o organizador do reedição, Flávio Pinheiro deu algumas pistas:

"O extraordinário dom da palavra de Paulo Mendes Campos devassa perplexidades humanas com poesia, prosa de penetrante originalidade, bom humor e doses benignas e aceitáveis de compaixão. É difícil explicar por que uma literatura de qualidades raras foi tão clamorosamente esquecida. [...] As suspeitas para o esquecimento recaem primeiro sobre ele mesmo – tinha aversão a tudo quecerca a notoriedade literária. Depois, porque esse finíssimo estilista [...] não fazia concessões ao fácil. [...]"

Isto posto, a poesia de Paulo Mendes Campos aborda a noção de um “sentimento ilusório de que a vida tem um sentido” e sugere, em contrapartida, uma consciência real que nega sentido à existência, ou seja, um conhecimento da realidade oposto ao “jogo-do-faz-de-conta” que orienta a lírica do poeta. Permeada pelo lirismo brotado da idéia (vã) de que a vida tem um sentido, a poesia de Mendes Campos é também inoculada pela consciência do real, na medida em que encerra questionamentos sobre a precariedade da condição humana, captada pelo olhar sensível lançado sobre o curso inelutável da vida. Num aforismo o poeta dá a justa medida da importância que atribui ao lirismo e à morte – tema recorrente em sua obra, aproxi mando-os com os quatro elementos representativos da natureza: “são seis os elementos: ar, terra, fogo, água, sexo e morte. Não, são sete: e lirismo”.

A um só tempo lírica e emparedada, sua poesia se equilibra entre o “sentimento ilusório de que a vida tem um sentido” e uma percepção efetiva que o desdiz: seu verso se define nesta tensão. Disso resulta uma profundidade psicológica que, somada a uma assimilação
peculiar do real, na qual se fundem ilusórios percursos e o “sentimento do mundo”, frustra a enunciação meramente “estetizante” da qual são acusados os poetas de 45. Esta poesia, então, consiste num labirinto de regras indefinidas e resultado imprevisível, assim como o ato criativo e a própria existência humana.

Travar contato com os poemas de Paulo Mendes Campos é abrir janelas, das quais se descortinam vários caminhos, cada qual com suas paisagens, nuanças, surpresas. Embora apontem para diferentes direções, algumas dessas trilhas parecem partir de um ponto comum, um marco inicial do qual se desdobram temas essenciais de sua obra.Esta origem simbólica parece firmada num exercício contínuo de reflexões e questionamentos formulados em torno do tempo , que surge não só como leitmotiv, mas como centro temático do qual derivam, em rumos diversos, tópicos que assumem significação especial na poesia do grande escritor mineiro.

Nela, o fluxo temporal insinua-se não apenas em sentido único, mas em movimentos de ida e volta, opostos e complementares, que afluem a dois outros componentes capitais na obra do poeta: a memória,imersa dum deslocamento retrospectivo, evocatório do passado;a morte vislum brada a partir duma visada prospectiva incidente sobre dúvidas e mistérios do porvir. Assim, a concepção do poeta de que “tudo no mundo é trindade”, referenda em sua lírica a articulação destas três categorias: tempo, memória e morte.

Ele soube cantar como poucos essa dinastia (tempo, memória e morte) que paira soberana sobre nós. Eis sua "Litogravura", pintada sob a égide dessa dinastia implacável, por esse Poeta definitivo:

"Eu voltava cansado como um rio.
No Sumaré altíssimo pulsava
a torre de tevê, tristonha, flava.
Não: voltava humilhado como um tio
bêbado chega à casa de um sobrinho.
Pela ravina, lento, lentamente,
feria-se o luar, num desalinho
de prata sobre a Gávea de meus dias.
Os cães quedaram quietos bruscamente.
Foi no tempo dos bondes: vi um deles
raiar pelo Bar Vinte, borboleta
flamante, touro rútilo, cometa
que se atrasa no cosmo e desespera:
negra, na jaula em fuga, uma pantera.

Passei a mão nos olhos: suntuosa,
negra, na jaula em fuga, ia uma rosa."
Catharina 28/01/2014minha estante
O livro é realmente inesquecível. Compartilho de suas impressões.


Arsenio Meira 28/01/2014minha estante
Obrigado pelo comentário, principalmente porque é importante difundir o Grande Poeta que o Paulo Mendes Campos é; a maioria das pessoas só conhece o excelente, exímio cronista. Sua obra poética, praticamente condensada neste livro, é bem superior a de tantos "poetas" que existem por aí... Abraços


Renata CCS 29/01/2014minha estante
Arsenio,
Sua resenha é um convite à leitura desta obra! Li algumas crônicas de Paulo Mendes Campos mas, vergonhosamente, confesso que não conheço seus poemas. Este me parece um ótimo livro para começar!
Abraços.


Arsenio Meira 29/01/2014minha estante
Renata, obrigado. Mas a grande maioria das pessoas só conhece as crônicas do Paulo. Ele próprio admitiu, no fim da vida, uma parcela de "culpa nisso", pois ele conhecia todo mundo e não fez questão de reeditar seus poemas em vida. Uma vida de boemia e no, fim, a tristeza da doença chamada alcoolismo. Abraços




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