Claire Scorzi 13/04/2021
Sob o Olhar de um Sartoris: A Guerra e Depois
Os Invencidos é segundo alguns um dos livros mais acessíveis de William Faulkner. Composto como um romance-móvel, com contos que são instantâneos de diversos momentos na vida de um grupo de personagens, formando assim "capítulos" - pode ser considerado um romance histórico, cobrindo os anos da Guerra Civil Americana e o pós-guerra no Sul dos EUA. Ele se detém primordialmente na família Sartoris, John Sartoris, seu filho Bayard, a avó Rosa Millard, alguns primos e tias, escravos, vizinhos. Além dos Sartoris, também o ramo das famílias Sutpen e Snopes aparecem aqui, e todas são ramos de famílias criadas pela ficção de Faulkner. Em "Sartoris" (1929), como o título já diz, a família irá reaparecer, então enfocando os descendentes de John Sartoris à época da Primeira Guerra. Sutpen é uma das principais figuras de "Absalão, Absalão!" e o ramo dos Snopes será retomado numa trilogia dedicada toda a essa família, das origens à decadência, em O Povoado - A Cidade - A Mansão.
Aqui, em Os Invencidos, Sartoris é a família a exemplificar a nobreza do Sul, que luta, sofre, empobrece e sai derrotada da guerra. Embora não possa ser considerado um painel abrangente desse período e da vida de então, este não é o objetivo de Faulkner: ele usa uma família, um microcosmo desse mundo sulista, e seus parentes e vizinhos imediatos, para radiografar / fotografar o Sul de então. Faz um belíssimo trabalho.
Narrado pelo jovem Bayard, cuja narrativa vai mudando a medida que o menino de doze anos vai amadurecendo e chegando aos vinte e quatro anos, o enxuto volume de 165 páginas (nesta tradução) dá conta de muito: hábitos, formas de pensar e de se expressar, preconceitos, valores, estruturas sociais, economia, procedimentos militares e de guerra (Faulkner jamais toma partido nem é maniqueísta: os sulistas, como nos nortistas, tem méritos e defeitos), alimentação, relações familiares, a convivência de brancos e negros (e como uns internalizam os modos de pensar de outros); vemos o menino e depois adolescente e depois jovem adulto Bayard Sartoris crescer mental e emocionalmente sem que Faulkner nos chame a atenção para isso; como observa o tradutor, Waltensir Dutra, numa curta mas boa introdução, a idealização do olhar de criança vai desaparecendo. Chega a hora em que Bayard deve decidir em que acredita. E este não será um momento fácil.
Enquanto ia relendo "Os Invencidos" e reencontrando personagens e famílias de outros livros, pensei que deveria fazer um desenho minucioso de árvores genealógicas criadas por Faulkner. Isso com certeza ajudaria. Algumas situações e menções aqui serão retomadas em outros livros, de forma que dificilmente temos acesso a "toda" a história num livro único. O universo amplo do autor se espalha por mais de quinze livros.