Blog MDL 11/01/2015
Amanda é uma garota de dezesseis anos com uma inteligência acima da média e uma tendência a não conseguir se enturmar com as pessoas da sua idade. Filha do inspetor Bob Martín, desde cedo ela aprendeu a conviver com crimes, apesar dos seus pais terem se separado quando ela ainda era criança. Por estudar em um colégio interno, ela pouco convivia com a sua família, mas isso não a impedia de ter laços profundos com os seus parentes, já que encontrando no seu avô, Blake Jackson, o seu melhor amigo, ela divide com ele todos os segredos que envolve o jogo do Ripper – um RPG do qual ela é mestra. No começo, ela e os participantes que ela comandava não analisavam crimes reais, mas quando uma astróloga e amiga da família fala no seu programa de TV que em São Francisco terá um banho de sangue, e logo após isso crimes assustadores começam a ocorrer, ela e seus amigos decidem fazer uma investigação a sua maneira. Ela só não imaginava que as coisas fossem sair do controle o suficiente para que alguém que ela ama se tornasse uma das vítimas do perigoso assassino.
Uma das coisas que sempre gostei nos romances policiais mais complexos, é a capacidade que determinados autores tem de incluir em meio as cenas trágicas, um toque de humanidade através do aprofundamento dos seus personagens principais. Esse é um dos pontos que considero mais importantes se o livro for o primeiro de uma série e muito atencioso por parte do autor se for um livro único. No entanto, Isabel Allende se perdeu em meio a apresentação dos seus personagens, ainda mais quando ela fez questão de escrever a história de vida de praticamente todos os personagens que rodeiam a protagonista da história. Ela perdeu tanto tempo com isso que quando alcancei mais da metade do livro eu não sabia quase nada sobre os crimes e sabia muito sobre personagens que eu sequer tinha curiosidade de conhecer.
Esse foi um dos maiores erros que encontrei em "O Jogo do Ripper". A autora se preocupou demais em humanizar os seus personagens ao invés de buscar mostrar os aspectos dos crimes, as cenas de cada um deles, a investigação e outras coisas que são tão necessárias para envolver um leitor do gênero policial. O pouco que ela explora sobre esse aspecto nas primeiras duzentas páginas fica restrito aos relatos dos jogadores do RPG Ripper. E é aí onde está concentrado um dos aspectos mais estranhos do livro, já que deixando quase que exclusivamente a cargo dos adolescentes que participam o jogo a missão de resolver os assassinatos ocorridos na cidade de São Francisco, a polícia em si parece não servir para nada mais que fornecer detalhes dos crimes aos jogadores através do inspetor Bob Martín, que é o pai de Amanda e ex-sogro de Blake Jackson.
Esse vazamento de informações foi algo tão absurdo que eu continuei a leitura embasbacada em como os pais de Amanda criticavam o fato dela gostar de coisas mórbidas sendo que um deles continuava alimentando isso através do fornecimento de detalhes dos casos em que estava trabalhando. É certo que o Martín fornecia certas informações apenas ao Blake, mas ele sabia que o avô da menina também jogava Ripper e querendo ou não, tudo ia parar nas mãos de Amanda. Essas contradições me incomodaram bastante, ainda mais quando penso que mesmo com todo o acesso privilegiado que a garota tinha, ela não era o verdadeiro cérebro por trás das descobertas, mas sim os demais participantes do jogo. O papel dela parecia ser apenas conseguir as informações para o grupo e não participar ativamente das pesquisas e consequentemente das descobertas. Entretanto, mesmo assim era ela quem colhia todos os louros pela luz que os participantes lançavam aos casos e que ela contava ao seu pai. Achei injusto.
Particularmente eu achei a Amanda uma personagem muito chatinha. Ela não despertou nenhum pouco da minha simpatia e as passagens com ela só eram bacanas por causa dos jogadores do Ripper. No entanto, o que a autora economizou em boas características para essa personagem, ela foi generosa com o Ryan Miller. De longe, ele foi o personagem que mais gostei da história, com um estilo bem durão de ser, o ex navy seal e seu leal cachorro de guerra, Átila, me conquistaram do início ao fim. Toda vez que ele aparecia em cena, eu me concentrava mais ainda na leitura porque sabia que coisa boa viria. Ele não me decepcionou em nenhum momento e foi o responsável pelo meu misto de amor e ódio pela mãe de Amanda, a Indiana. De verdade, nunca vi alguém tão no mundo da lua quanto ela. Se ela não tivesse a tendência de escolher os caras errados, teria adorado o jeitinho louco dela de quem acredita em medicina alternativa e rega uma pé de maconha que ganhou de presente.
E é diante de tantos aspectos dispares que se eu pudesse definir esse livro em uma palavra eu diria, contraditório. A verdade é que Isabel Allende tem uma escrita muito gostosa de acompanhar e muita sensibilidade, porém, apesar da ideia de "O Jogo de Ripper" ser boa, esse foco nas emoções que parecem ser uma característica da autora, acabou atrapalhando e muito a construção do livro como um todo. Ao final, senti que ela estava perdida em um gênero que definitivamente não é para ela. Faltou explicações a respeito de personagens que desapareceram subitamente da trama e não foram mais mencionados e faltou uma maior abordagem acerca do vilão que apesar de ser muito interessante, só passa a fazer parte da narrativa de maneira mais notória nas páginas finais do livro. Sinceramente, não é um livro ruim, mas é preciso ter muita boa vontade para classificá-lo como policial.
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