Coruja 09/07/2020Já tinha encontrado esse título em diversas listas de clássicos fora do eixo anglófono, e outras tantas de literatura sobre guerra; mas não foi até a viagem que fiz no final de 2018, estando na Europa em meio às celebrações e memoriais do centenário de armistício da Primeira Guerra Mundial, que coloquei-o na minha lista pessoal. Demorei um pouco para começar, mas coloquei-o como prioridade esse ano, depois de descobrir que Remarque perdeu a cidadania alemã no governo nazista por causa desse livro.
Nada de Novo no Front - tanto o livro quanto o filme inspirado na obra - eram detestados por gente como Goebbels e Hitler, que os queimaram na literal fogueira de sua intolerância por apresentar uma “visão antigermânica” da guerra.
Não precisei chegar sequer à metade do livro para entender exatamente a razão deles. Ou a fama de romance pacifista. Nada de Novo no Front é um livro brutal na forma como expõe a vida nas trincheiras, os horrores vivenciados em nome de algum conceito abstrato que nenhum dos soldados realmente é capaz de explicar. Pelo que eles estão estudando afinal? Pela pátria? Pelo imperador? Remarque lutou na guerra; presenciou, viveu tudo aquilo que Paul, seu narrador, nos conta. O elemento pessoal, genuíno, confere uma carga ainda maior a essas palavras, a tantas mortes lentas e agonizantes, a espera, angústia, fome.
Lembrei-me muito de quando assisti
1917 no início do ano porque, embora cada um mostre o ponto de vista de um lado oposto da guerra, esse ponto de vista em ambos os casos é de soldados comuns, jovens, cansados, tentando sobreviver. Eles são parte daquela que ficou conhecida como “a geração perdida”. Paul, o narrador de
Nada de Novo no Front, observa que os soldados mais velhos que deixaram para trás família, trabalho, um rumo, podem ter algo para o que voltar ao final da guerra; mas que futuro aguarda ele e seus amigos, jovens que apenas deixaram de ser crianças para se tornarem soldados?
Como voltar a normalidade, importar-se com a escola, com uma formação ou qualquer coisa parecida depois de matar e viver nas trincheiras? Jovens que foram convencidos por seus pais e professores da máxima
dulce et decorum est pro patria mori, gente que nunca viveu a realidade do front, mas que acha perfeitamente razoável enviá-los para a morte - e que depois serão incapazes de entender o pesadelos, o trauma, o horror de quem sobreviveu.
Para um livro tão curtinho (minha edição tem duzentas páginas),
Nada de Novo no Front é bem pesado e engloba uma miríade de reflexões: busca de identidade, custo social da guerra, consciência de mortalidade, inocência, patriotismo, a saúde mental dos veteranos que retornam para um lar em que não conseguem mais se encaixar. Curiosamente, a despeito do peso desses temas, a prosa limpa no fluxo de consciência muitas vezes filosófico de Paul é de uma beleza simples que ecoa na gente.
Há boas razões para considerar esse livro um clássico pacifista e, embora nem sempre seja uma narrativa fácil - não pela linguagem, mas pelas imagens que apresenta -, é um daqueles livros mais que necessários, essenciais para entendermos nossa História. Os dilemas até podem não ser mais os mesmos, mas os sentimentos e lições de Paul Bäumer continuam verdadeiros.
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