spoiler visualizarRonaldo Thomé 18/04/2021
O Brasil não é Para Principiantes
Nossa! Extraordinário! Livro altamente recomendado pelo historiador e comunicador Icles Rodrigues!
Marcos Napolitano conseguiu, aqui, um feito incrível: compilou, com didatismo, uma obra simples, acessível e, ao mesmo tempo, densa e detalhada sobre o tão comentado, mal compreendido e sombrio Governo Militar Brasileiro.
Aqui, Napolitano inicia a obra perto do aniversário de 50 anos do 31 de Março de 1964, ano em que tudo começou. O início do livro traça a linha que o historiador deseja seguir: uma análise tanto política e histórica quanto social, econômica e cultural do nosso país. Além disso, destrincha várias teorias conspiratórias e sensos comuns que são comentados sobre esse período até hoje.
Napolitano nos mostra que, pelo menos desde o ano de 1946, crescia certa insatisfação das Forças Armadas em relação aos rumos que o País estava tomando. Essa insatisfação cresce com a eleição de Getúlio Vargas, em 1954, dessa vez também entre setores da população civil, como o empresariado, a elite financeira e a mídia liberal.
Após a renúncia de Jânio Quadros e as polêmicas do governo de João Goulart, iniciou-se um período tenso e aflitivo, em que uma polarização aparentemente ditou a tendência da opinião e a ação social. Mas Marcos Napolitano deixa claro que, de certa forma, havia muita divergência de atitude e pensamento, principalmente na oposição. Enquanto alguns partidos insistiam na conciliação de classes, outros apelavam para uma espécie de "nacionalismo", em que buscavam uma espécie de identidade pátria e cultural como resistência às influências de potências capitalistas.
Napolitano é breve em demonstrar que a paranóia da Guerra Fria fez com que os americanos cooptassem e conseguissem ser bem sucedidos ao unir interesses de políticos, civis e militares em preparação para o golpe que ocorreu. É inclusive irônico que o grupo que saiu em protesto era o de Minas Gerais, capitaneado por expoentes vistos como duvidosos na época. No entanto, isso foi suficiente para uma onda de ações que, com precisão, conseguiram agir às costas de João Goulart e derrubar seu poder - de maneira totalmente inconstitucional, é verdade.
A partir daí, a história é bastante conhecida. Sucederam-se 21 anos de um regime em que o poder ficou nas mãos das Forças Armadas. A sociedade civil começou a se ver traída, e a partir de 1968, com Costa e Silva e o AI - 5, começou um longo período de terror. Isto só mudou no final dos anos 70, e prosseguiu até a eleição indireta de Tancredo e Sarney, em 1985.
O livro de Napolitano tem seu (excelente) diferencial ao recuperar o contexto social e cultural dos anos da ditadura. Ele mostra a efervescência que atingiu o Brasil nos anos 60, e a forma como o governo militar reagiu (com virulência) a tudo isso. Nos anos 70, a relação das casernas com a sociedade e a cultura se tornou ambígua, pois os militares tinham profundo interesse em manter a cultura como item econômico.
O projeto econômico da ditadura foi profundamente excludente em quase todas as suas etapas- o mito do milagre econômico é um dos que o historiador demole nesta obra. Além disso, os anos anteriores ao AI-5 (apelidados de "ditabranda" por revisionistas) são desnudados: Castelo Branco lançou mão de infinitos recursos jurídicos, válidos ou não, para encarcerar e torturar pessoas, ainda que buscando legitimação social. Da mesma forma Geisel, um general que assumiu depois de 1969 e é conhecido como o responsável pelo início da abertura, é mostrado como o mais autoritário dos ditadores que tivemos.
A abertura dos anos 70 não tinha, como interesse, a volta da democracia, e sim uma flexibilidade que lhe daria legitimação, pelo menos assim achavam os generais. O que, obviamente, não funcionou, porque deu brecha para a sociedade civil começar a reivindicar, com força, seu direito social e político novamente. Aqui aparecem personagens como o sindicalista Luis Inácio Lula da Silva, que apesar de não ser necessariamente vinculado às esquerdas tradicionais, encontrou legitimidade entre as causas operárias por sua luta em prol dos direitos do trabalhador. Aliás, para os que acham Lula comunista, ou algo que o valha, a leitura do livro é esclarecedora.
O final do livro expõe a visão paralela que a memória coletiva desenvolveu da ditadura, e como ela é desencontrada da história oficial. A abertura ocorreu em base de negociações políticas, muita vezes escusas, e que não buscaram reparação histórica, como nos casos de prisioneiros, mortos e desaparecidos do regime. O autor sugere que, inclusive, não houve preocupação por parte das esquerdas, na época, para reparar essa distorção histórica. Isso só começou a se tornar visível durante - ironicamente - o governo Lula.
Há muito mais que esse livro nos traz, o que o faz uma leitura imprescindível nesse época, em que temos novamente uma democracia ameaçada e homenagens explícitas a um governo tão discutível e execrável, em todos os aspectos. Definitivamente, até agora a melhor leitura desse ano!
Recomendado para: quem quer conhecer de verdade o que foi a Ditadura, Militar Brasileira, sem farsas ou más intenções.
Nota: 10 de 10,0 (também daria 11!)
Dica: leia ouvindo isso - https://youtu.be/Y2rzsnxyggY