spoiler visualizarThais Lima 16/12/2019
A incoerência de um casamento tóxico rotulado como final feliz
E finalmente chegamos à conclusão da Trilogia Minha. Depois de muito relutar se leria a sequência após finalizar o primeiro livro, acabei decidindo ceder à curiosidade de leitora que não se sente bem em deixar sagas pela metade e embarquei nesse final de semana em uma leitura direta da trilogia para conclui-la de vez e não precisar mais aturar Adrian Miller sempre que eu ligava o Kindle. Finalmente, eu estou livre desse embuste. Mas não antes sem resenhar minhas impressões sobre o livro.
O terceiro livro acompanha também o spin-off da trilogia (que se torna necessário de qualquer jeito caso você não queira um final incompleto). Sequestrada por Charles, Verônica vive um inferno e os dias mais aterrorizantes de sua vida. Após ver Sônia ser morta friamente diante de si, a jovem ainda precisa sobreviver ao seu captor e seus capangas, já que um deles em específico também começa a aterroriza-la. Verônica precisa decidir entre lutar contra as investidas de Charles e ser punida duramente por isso, ou aceitá-las a contragosto para sobreviver e também não condenar seu filho que, no momento, é apenas um embrião frágil de três meses. Paralelo a isso, Adrian está numa busca incessante por sua amada e ainda precisa lidar com todos os problemas envolvendo o acidente aéreo que matou sua esposa Sara, grávida de seis meses.
Devo registrar aqui que houve uma melhora significativa na trama. Os dois livros anteriores foram desinteressantes e nada acontecia de verdade. Era um ciclo de sexo, ciúmes, palavras de amor e umas intrigas que ninguém liga de verdade. O terceiro livro coloca o leitor em um cativeiro onde um psicopata tem o poder e, além disso, há outro maníaco a espreita. Verônica precisa sobreviver não só a Charles, mas também a Sérgio, seu capanga que fica responsável por ser o carcereiro dela.
Os momentos de terror da personagem são convincentes. Ela aceitar se submeter a ele para proteger a ela e a seu filho também, e me senti compadecida de sua situação e esperando que logo alguma coisa acontecesse para que ela pudesse fugir, ou que a polícia a encontrasse. A trama desse livro me envolveu me me manteve entretida, embora ainda não seja um livro realmente bom, nesse ponto aqui a autora conseguiu acertar.
Mais uma vez, Brooke J. Sullivan não sabe que estupro não é só penetração. Sérgio estupra Verônica na história três vezes, mas no momento da penetração era interrompido de alguma maneira e precisava deixá-la ir. De qualquer forma, esses estupros deixam Verônica apavorada (mesmo que ela não se refira a eles como estupros, mas tentativas), a ponto de até mesmo aceitar se submeter a Charles para não ser deixada sozinha com Sérgio.
Quando Verônica finalmente consegue escapar das mãos de seu algoz e finalmente retorna para casa, é o momento que novamente Adrian voltou a me estressar como ninguém nesse livro consegue além dele. Você espera que Adrian seja compreensivo, dê tempo a Verônica, a deixe curar suas feridas e esteja do lado dela a apoiando… Mas não é bem isso que acontece, embora em diálogos e mais diálogos a autora tente te convencer que sim quando Verônica fica agradecendo igual uma idiota por ele amar tanto ela, cuidar dela, por ficar do lado dela e etc. Mas não é bem assim que acontece.
É óbvio que ele não abandona Verônica, é obcecado demais pra isso. Mas Adrian é um cara explosivo e sem paciência, e claro que logo que a frieza, apatia e distância de Verônica começam a incomodá-lo. É claro que seria normal se incomodar com isso, mas o natural é engolir tudo isso e dar espaço para a pessoa traumatizada se recuperar.
Mas não Adrian, nunca Adrian. Porque ele não é um cara compreensivo, né? Pelo contrário, é egoísta e só pensa o tempo todo em como ele tá se sentindo e como a Verônica é injusta em se distanciar dele já que ele não teve culpa de nada! E também exige que ela fale tudo que ela passou e está sentindo, como se isso fosse algo a se EXIGIR! Nem um profissional da área da psicologia ou psiquiatria de obriga a falar, eles sempre tentam conquistar a confiança primeiro e são pacientes até que você tenha condições e queira, por si só, compartilhar a experiência traumática. Mas o Adrian ACHA que por ser marido dela, ela é OBRIGADA a contar tudo pra ele. E não, ela não é! Se ela não sente vontade de falar daquilo, sente medo e ainda a machuca, ela não tem contar!
E claro, o pobrezinho também tá incomodado porque eles não transam mais, porque não foi ele que fez tudo isso com ela né. Foda-se se ela teve traumas sexuais pra caramba durante o cativeiro. Que se dane que ela estava psicologicamente destruída e não consiga contar porque, além de tudo, sente que Adrian ficaria nervoso e se consideraria traído (já que em uma relação com Charles, Verônica chega a gozar e se condena o tempo todo por isso). Considerando o histórico de ciúmes doentio de Adrian e sua falta de controle, pensar assim não é tão absurdo. Eu entendo totalmente o medo dela de compartilhar tudo o que aconteceu com ele.
O tempo todo eles brigam porque Verônica não consegue se abrir com ele, ou porque ele acha que ela já teve tempo suficiente pra se recuperar e não se recuperou ainda. Adrian é um babaca total e Verônica ainda agradece por uma paciência com ela que ele nunca teve. Durante o spin-off Charles sai da cadeia e ela fica completamente paranóica, amedrontada, e Adrian se mostra compreensivo? Em um dos diálogos ele ainda solta que não sabe se ela o ama de verdade.
Entendo que seja difícil lidar com traumas das pessoas, somos humanos e também temos nosso limite, mas Adrian simplesmente passa dos limites! Em um momento de crise de pânico dela ela sugere que os dois saiam do país e ele diz que não, que não é o caminho. Ok até aí, até o momento que ela diz que não foi com ele e ele fica puto dizendo que sofreu tanto quanto ela.
Adrian não viu uma pessoa levar um tiro e morrer na frente dele. Não foi obrigado a defecar em cima de um jornal. A dormir numa jaula minúscula nu com o cheiro da própria urina impregnada, até mesmo ficando coberto do próprio vômito em um momento. Adrian não foi tratado como um animal, recebendo comida em potes de cachorro e sem talheres, bebendo água como um cachorro. Não foi estuprado. Não foi obrigado a se submeter a alguém que odeia para sobreviver, incluindo dormir nu e ter relações sexuais para poder salvar a própria vida e o filho dentro do ventre. Não foi amordaçado, amarrado e jogado dentro de um baú. Não precisou cortar as próprias amarras pra poder fugir no meio da mata escura, sozinho. Verônica passou por isso, GRÁVIDA DE TRÊS MESES, e ele compara o sofrimento dele ao dela?! Óbvio que ele passou por uma agonia terrível enquanto ela estava desaparecida, mas Verônica viveu um verdadeiro filme de terror. Não tem nem mesmo comparação.
Por mais que a autora queira me fazer engolir que Adrian foi um marido compreensivo, carinhoso e amoroso durante todo o processo de recuperação de Verônica, não dá. Não quando ela coloca o protagonista dela agindo como um egoísta babaca e sem empatia o tempo todo.
Um casamento como o de Adrian de Verônica na vida real jamais funcionaria. Mesmo que fosse um casal que acabasse se acomodando a estarem juntos e jamais se separassem, mesmo assim seria um relacionamento conturbado onde haveria mais infelicidade do que qualquer coisa: brigas constantes, ciúmes infundados completamente fora de controle, falta de compreensão e companheirismo… Com o tempo se desgastaria e se tornaria uma relação com mais ódio do que amor. É claro que no final de Brooke J. Sullivan tudo é rosas e dá certo, eles tem seus felizes para sempre e são aquela família linda da propaganda de margarina… Mas isso é uma total incoerência.
Felizmente, estou me separando de Adrian Miller nesse momento. E não, Verônica: nem toda mulher seria feliz em ter um homem como o seu marido. Apenas aquelas como você que infelizmente ainda não sabem que merecem coisa melhor, um tratamento melhor. Adrian Miller pode ser bonito e rico, mas fora isso não passa de um homem abusivo, egoísta e sem um pingo de empatia.