Luis 23/03/2014
O “Quase Memória” de José Trajano.
O veterano jornalista José Trajano Reis Quinhões é um homem apaixonado. Quem acompanha a sua trajetória, principalmente nos últimos anos, à frente dos canais ESPN, emissora do qual deixou o cargo de diretor há dois anos, testemunhou reações que exemplificam a veemência na defesa de sua opiniões, muitas vezes gerando até mesmo atritos com os membros da equipe, vide o famoso entrevero com Paulo Soares, no “Linha de Passe”, em 2006.
A mesma chama o leva a torcer intensamente pelo América do Rio, o simpático “segundo time” de todo carioca, e que há anos vem pelejando pra manter a sua existência, quanto mais disputar títulos. Segue também comprando brigas homéricas em defesa do que acha justo e ético, se contrapondo a um leque de figuras polêmicas, como o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira e o apresentador de TV, Milton Neves.
É famoso ainda o caso relatado por Mário Sérgio Conti no excelente “Notícias do Planalto”, em que , exasperado após uma reunião, Trajano mandou Otávio Frias, dono da folha de São Paulo, à merda. Anos mais tarde, precisando reformular a editoria de esportes, Frias o recontrataria.
“Procurando Mônica” (Paralela, 2014) é o relato da paixão platônica de Trajano pela moça do título. A jovem Mônica encantou o menino Zezinho , seis anos mais velho, no começo dos anos 60, quando ele frequentava a cidade de Rio das Flores, interior do Rio, durante as férias de verão. A verdadeira obsessão que o acometeu é pano de fundo para um desfile das memórias de sua juventude, vividas em meio à efervescência política do período, coincidindo com o seu começo de carreira (50 anos em 2013), iniciada no “Jornal do Brasil.”
Alguns anos mais tarde, em 68, o autor cometeria a sua maior loucura : embarcaria em um cruzeiro para a Europa, exclusivamente para encontrar “por acaso” a sua amada, que também estava embarcada. Sonhava em finalmente engatar um romance. Ficou no sonho. Mas viveu inúmeras aventuras no velho continente, onde inclusive chegou ser preso, ao lado de figuras que pareciam saídas da ficção como o inesquecível Hélio Palavrão. São as páginas mais valiosas da obra.
No todo, o pequeno volume, em sua viagem ao tempo emoldurado, lembra muito o clima da obra prima de Cony, lançada em 96, em que a memória é recriada em sua esfera mais lúdica, verdadeira, mas não necessariamente realista. Nesse aspecto é reveladora a epígrafe de Garcia Marques escolhida pelo autor : “ A vida não é a que a gente viveu, mas sim a que a gente recorda, e como recorda para conta-la.”
Nas idas e vindas da eterna procura por Mónica, Trajano seguiu nos últimos 50 anos uma das carreiras mais significativas do jornalismo esportivo brasileiro. Depois da estreia no JB, passaria ainda por Correio da Manhã, Jornal dos Sports, Última hora, Diário de Notícias, O Globo, Placar, Folha Isto É, Veja, Jornal da Tarde, TV Bandeirantes, TV Globo, TV Cultura (onde participou do mítico “Cartão Verde”, ao lado de Flávio Prado e Juca Kfouri), até desembarcar na então TVA Sports, embrião da ESPN. Tudo isso intercalados por um retiro em Rio das Ostras, quando pensava em abandonar o jornalismo e pela participação intensa na campanha de Darcy Ribeiro para governador do Rio, em 1986. Nesse período, Trajano passou mais de 30 anos sem falar ou ver Mônica. Não a esqueceria.
Após um infarte, a vida de Trajano deu uma reviravolta. Saiu da direção da ESPN, passou a ter uma vida mais saudável, sem fumo, com pouco álcool e com dieta saudável baseada em peixes e saladas. Esse momento de calmaria suscitou a criação do livro e, de em busca do tempo perdido, procurar Mónica mais uma vez.
Os dois então jovens hoje são sessentões e já com netos. O reencontro, partindo de uma consulta de Trajano na internet, é relatado com riqueza de detalhes. Tanto Zezinho quanto Mônica são separados e, em tese, poderiam finalmente consumar a paixão (só de Trajano) de outrora, mas nem tudo é tão fácil assim. A Mônica de Rio das Flores, tão procurada pelo jornalista, só existe agora em suas recordações. Os anos mudam as pessoas e, às vezes, também os sentimentos. Só o tempo passado, congelado nas mais doces lembranças, permanece.
Apesar da longa estrada já percorrida e das rugas do caminho, José Trajano segue na procura.