Jean297 11/04/2024
O nordeste como movimento
Se tem uma coisa que me fascina é a capacidade humana de se adaptar. Nos adaptamos ao abatimento, a ausência, ao que viria ser na permanência de um não vivente. Adaptar é morrer um pouco, depois entender que permanecer traz consigo a capacidade de trazer à mente um pouco do que partiu, rachou, quebrou, mas em meio as frestas, arrobou em luz o assoalho da memória. Permanecer é antes de mais nada dançar com os signos que constituem nossa identidade, seja ela particular ou o que adquirimos do coletivo.
Quando Socorro Acioli iniciou o processo de desenvolvimento do livro, ela estava participando de uma oficina de literatura ministrada pelo Gabriel García Márquez. Ele, inclusive, a incentivou a continuar a história. E que bom que ela continuo. É perceptível ao decorrer da narrativa a influência do realismo mágico, trazido, é claro, para o espaço do nordeste, das vivências do sertão, da desesperança que traz a fome com seu saco de esmola. Porém, acima de tudo está a fé, essa que move os indivíduos com seus símbolos e totens.
A autora consegue condensar o que há de mais bonito nos nordestinos - em especial às populações dos interiores do nordeste: a fé. A seca, a fome, a água escassa. O carcará que canta no alto; o gado que deglute o próprio estômago, masca a fome na esperança de uma melhora que nunca vem. Todos esses aspectos unem as populações ao redor de um panteão de santos que enfeitam as casas, que brotam nas paredes das igrejas, que se reverberam no cantar das bocas secas, das vidas secas, do talo do rosário, que desbotado ainda se abre na esperança da chuva.
Da desesperança, a dor. E com todos esses aspectos reunidos, Acioli consegue nos entregar uma história messiânica, de uma população sem esperança, que aceitou o pior, que se evade da cidade, atribuindo o fracasso e a morte à construção nunca finalizada do Santo Antônio. Candeia é sepulcro, mas também é vida. Candeia é solo rachado, mas é um verdemar, igual caatinga, basta chover. A cidade se reergue com a chegada de um forasteiro. Ele, alimentado pelo ódio que nutre pelo pai, chegará à cidade com uma finalidade, mas descobrirá que consegue ouvir as rezas das mulheres através da cabeça do santo caída. É a partir dessa descoberta que a trama do livro gira. Os pontos se conectarão em espiral, trazendo não só segredos do passado, mas o entendimento sobre o lugar no mundo ao qual o personagem principal pertence.