Steph.Mostav 24/05/2021Um romance sutilMemorial de Aires é um livro de sutilezas. Sutilezas quando ao seu narrador, o Conselheiro Aires, que é sarcástico, como Brás Cubas; rabugento, como Dom Casmurro; e bastante ácido, como Félix, o protagonista do primeiro romance de Machado, Ressurreição; mas tudo de maneira velada, por trás da "civilidade" ensaiada de um diplomata. Até as qualidades de Aires são insinuadas, como sua paciência, seu humor um tanto mórbido, seu amor pela irmã Rita. Sutil também são os temas desse livro, porque sob o disfarce de um mero memorial de diplomata que acompanha a vida de outros para compensar a pouca agitação da própria, se esconde a observação crítica de um momento crucial para a história do país: a abolição da escravidão, em 1888. E essa observação crítica já começa pelo fato de que um diplomata escreve tão pouco sobre a situação política de seu país e quando o faz é sempre nas entrelinhas, como quando comenta sobre a situação dos antes escravizados na fazenda do pai de uma das protagonistas. Inclusive, a metáfora a respeito do destino dessas pessoas libertas é de um otimismo incomum na obra de Machado, pois após a recusa do pai em libertá-los, é com a morte dele, que representa os antigos regimes, que a filha, viúva, presa ao passado mas com olhos para o futuro (um novo pretendente, republicano), entrega as terras a quem as cultivou e deveriam ser proprietários dela por direito. Apesar dessa resolução feliz, o final do livro é um dos mais tristes da obra de Machado, ainda que faça total sentido com a visão pessimista que ele tinha da vida e da história. Além disso, são caprichados os "requintes de estilo" da prosa de Aires e é uma delícia ler um texto tão bem escrito. Um final muito bom para uma carreira excelente deste que foi nosso maior escritor.