Sô 27/11/2015A primeira parte do livro consegue ser absurdamente espetacular, a segunda parte esfria um pouco, a terceira volta a ficar mais interessante e aí vem a quarta parte que foi o que estragou tudo pra mim. Não, exagero, vai. Não estragou TUDO, mas perdeu a possibilidade de ser ótimo.
São capítulos intercalados por duas personagens, Ruth e Nao. E devo confessar que na mesma intensidade que amei os capítulos da Nao, eu odiei os da Ruth. Percebi isso ao longo da leitura porque toda vez que começava o da Ruth eu folheava para ver quanto tempo duraria a tortura. E eu nem vou mencionar o marido botânico pé no saco dela, que ficava falando nome científico de árvore e acrescentando em NADA na história.
Ruth mora numa ilha isolada junto com o seu marido, e certo dia andando pela praia, encontra um saco plástico e dentro dele, uma lancheira que contém um diário e algumas cartas, que ela desconfia serem provenientes do tsunami e do terremoto que devastou a região de Sendai no Japão em 2011.
A escritora do diário é a Nao, uma adolescente japonesa que acabou de se mudar para Tóquio depois que seu pai perdeu o emprego na Califórnia. É através dela que a autora vai criticar vários aspectos da sociedade japonesa e traz informações riquíssimas acerca da cultura deste país. A questão do bullying – bem detalhados - entre os jovens e até mesmo entre os adultos. A noção de honra e orgulho que faz com que o pai suicida dela finja que conseguiu um emprego, mas na verdade vai todos os dias para o banco de um parque com sua roupa social esperando o dia passar. A diferente visão acerca do suicídio. O budismo, já que a bisavó de Nao é uma monja de 104 anos e é a partir do contato com essa bisavó que a vida da Nao irá mudar por completo.
Budismo é um tema forte aqui. A todo o momento é trabalhada a ideia do agora – com direito a um trocadilho em inglês com o nome da protagonista - de que para que você seja uma pessoa completa, você tem que ter noção de cada segundo da sua existência. Tudo muito legal, mas confesso que tinha partes que me irritava um pouco essas frases enigmáticas de sabedoria, típicas de calendário budista. A segunda parte do livro, que eu disse no começo ter esfriado um pouco a leitura, é justamente essa quando Nao vai para o templo de sua bisavó monja, e eu já não via a hora dela ir embora de lá.
Paralelamente a essas duas personagens, há também o tio-avô de Nao que tem um papel importante para a história. Ele foi um piloto camicase durante a Segunda Guerra Mundial e as cartas que Ruth encontra na praia são os últimos relatos dele. E é a partir daqui que a coisa desanda. Eu adorei a história dele como um personagem do passado, e também de descobrir com a Ruth e a Nao quem ele foi realmente. O problema é que enquanto ela estava no templo, o espírito dele aparece pra ela. E até achei que fosse coisa da cabeça dela, ou pra parecer poético, mas não. É isso mesmo.
Durante a leitura do diário, a Ruth vira a página e vê que não tem mais nada escrito e várias folhas em branco, sendo que ela tinha certeza de que quando folheou pela primeira vez, estava tudo escrito até o fim e aqui começa a segunda coisa bizarra. Ela, autora, dá a entender que a história pode ser modificada. A história que já estava ESCRITA lá no diário que ela achou na praia. Como se as letras tivessem fugido do papel mesmo e a história sendo reescrita. Nessa noite, ela dorme e sonha que ajudou a evitar o suicídio do pai da Nao e que devolveu o diário do tio-avô à caixa onde deveria constar seus restos mortais. E aqui vem a bizarrice final. O pai da Nao realmente acaba não se suicidando, e eles encontram o diário do tio-avô dentro da caixa, sendo que a Nao abriu essa caixa antes e não tinha nada a não ser um pedacinho de papel. É pra tirar qualquer dúvida que você ainda tenha de que aquilo realmente aconteceu.
Enfim, não é que essa parte foi mal executada. Muito pelo contrário, acho que funcionaria bem em um livro de fantasia ou um realismo mágico. Não senti que a proposta desse livro era essa e por isso acabou parecendo muito maluca e desconexa com o restante do que foi contado. No finalzinho ela tentou botar uma discussão acerca da mecânica quântica para justificar essa parte, com o lance de mundos paralelos e etc. Ou seja, nesse mundo o pai sobreviveu, mas em outro ele pode ter se suicidado; a Nao nesse mundo conseguiu encontrar as cartas reveladoras do tio, mas em outro não e por aí vai. Se isso tivesse sido trabalhado desde o início, você não ficaria com aquela interrogação na testa e até acharia brilhante.
Mas apesar de todas essas partes, o resto faz valer a pena e entendo perfeitamente porque ele foi indicado ao Man Booker Prize em 2013.