mpettrus 11/12/2022
O Resgate da Mulher no Cânone Literário
??Um Teto Todo Seu? foi lançado em 1929, e traz a necessidade de se pensar a história das mulheres na escrita literária. Faz-se aqui uma interpretação com viés histórico em que a autora propõe explicações para as condições de vida intelectual das mulheres de seu tempo, e no mesmo passo, refletindo soluções que poderiam reverter o quadro pouco favorável às mulheres enquanto escritoras.
? Esse livro não é um romance; ele é um ensaio com a temática ?A Mulher e a Ficção?, tendo como narradora uma personagem criada, a Mary Benton, pela Woolf para demonstrar como era a percepção de uma mulher ao visitar um Campus universitário na Inglaterra do início do século XX.
?O interessante aqui é que a autora faz um panorama histórico de como as mulheres escreviam no passado, levando-se em consideração a importância da história como lugar de tradição, ou seja, basicamente, Woolf atenta ao fato de que as mulheres do seu tempo não recebiam ?educação? tal como os homens a recebiam. E isso deveria mudar para que elas possam escrever ficção ativamente no presente e no futuro.
? Enquanto Mary Benton passeia nos cascalhos das universidades, pois os gramados pertencem aos homens, a autora expõe as disparidades de privilégios e condições destinadas aos diferentes gêneros, refletindo sobre as estruturas sociais heteropatriarcais fazendo perguntas e questionamentos em busca de respostas dela mesma ou de nós leitores.
? Outra reflexão feita pela Woolf de extrema relevância é sobre a posição masculina hegemônica na literatura que é justamente marcada pela exclusão ou estereotipação da posição feminina. E como busca de soluções sobre esses fatos, a autora traz a denúncia da ideologia patriarcal que permeia todo o cânone literário e também o desenvolvimento de uma arqueologia literária que resgatasse os trabalhos das mulheres que, de algum modo, foram silenciados ou excluídos da história da literatura.
? Ao longo da história da literatura, as mulheres testemunharam dificuldades e tentativas para serem consideradas escritoras e, assim, integrarem o cânone literário. Woolf então discorre que muitas fizeram uso de pseudônimos masculinos, como forma de driblar a crítica e, ao mesmo tempo, se protegerem da opinião pública.
Muitas filhas, mães, esposas ou amantes escreveram à sombra de grandes homens e se deixaram sufocar por essa sombra. As relações familiares, hierarquizadas e funcionais, não incentivavam o surgimento de um outro escritor na família, principalmente se a concorrência vinha de uma mulher. Ela cita então exemplos como a ?irmã de Balzac? ou a ?esposa de Musset? em que mal se conhecem seus nomes e seus escritos.
? E para exemplificar esse seu argumento, Woolf se utiliza brilhantemente de um exemplo de simulação: ?e se Shakespeare tivesse uma irmã incrivelmente talentosa que nem ele foi? ? E ela discorre sobre o que teria acontecido a essa irmã. Sabemos que na época do gênio teatral, mulheres não podiam frequentar escolas.
Portanto logo no início uma diferença importante apareceria entre os irmãos. Enquanto que um gênio seria alimentado e incentivado, sua irmã seria largada às práticas dos afazeres domésticos. Enquanto que o masculino leria diversos autores e exercitaria a escrita, a feminina aprenderia a bordar, cozinhar, cuidar de crianças, etc. Mesmo que ela fosse um prodígio e acompanhasse as aulas particulares de seu irmão escondida e conseguisse aprender alguma coisa, não conseguiria se sobrepor às condições sociais de uma mulher.
? Vale comentar também, o que para mim é o ponto central do ensaio da autora e também o norte de toda a discussão por ela levantada, que é sobre a independência financeira da mulher do início do século XX. A autora alega que para escrever, a mulher precisaria de uma renda fixa, um teto todo seu e um tempo de ócio para se concentrar em seu texto. Ainda em 1929, para as mulheres era difícil ter esse momento com as obrigações matrimoniais e os cuidados com os filhos.
A autora afirma que a renda fixa seria necessária para garantir a tranquilidade da mulher, porém, naqueles tempos, esse privilégio só era possível, em geral, através do matrimônio, excluindo assim a possibilidade do tempo de ócio. Ela também diz que essa renda fixa é de suma importância no temperamento da mulher para poder ter condições de escrever influenciando também na sua condição psicológica.
?? Por fim, Woolf também discute outra dificuldade de a mulher escrever ficção que é a falta de vivência no mundo. Ela aponta isso, dizendo que falta às mulheres noção da realidade e, portanto, assunto para escrever. Sem vivências ficaria mais difícil ter material para escrever, uma vez que as mulheres não tinham autoridade sobre si, sobre seus corpos e muito menos o próprio dinheiro, que eram controlados pelos maridos.
?O livro é dividido em seis capítulos, com tempo narrativo não linear, tanto no presente da ação da narradora/autora como no tempo histórico em que ela traz os dados do passado, os analisa no presente, e projeta futuros, mas num jogo, em que passado, presente e futuro vão servindo à narrativa e a tentativa de responder as questões que ela vai elaborando.
?A leitura desse livro é atualíssima, levantando questões importantes nos dias de hoje ao se perceber ainda a relação direta entre a forma que a mulher é criada e as opções dela em seu futuro. É preciso dá condições para a sua formação de desenvolvimento propiciando a possibilidade de ela vir a escrever. Tendo educação formal e experiência de vida, assim como os homens, poderá escrever tão bem quanto eles, se já não o fazem no nosso tempo, no nosso século, o XXI.