Meridiano de sangue

Meridiano de sangue Cormac McCarthy




Resenhas - Meridiano de Sangue


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Rosangela Max 14/01/2024

Cavaleiros do inferno.
?O que une os homens não é a partilha do pão, mas a partilha dos inimigos.?

Miséria, seca, massacres?. A história parece se passar no inferno. Se era a intenção do autor passar essa imagem, ele teve êxito.
Basicamente é a história de um grupo de homens que vai se aventurando por terras sem lei, sem esperança, sem Deus. Causando o terror.
No final, tudo se resume a um embate entre 2 homens: Um rapaz chamado de ?Kid? e um homem conhecido como ?o Juíz?. Uma das testemunhas deste embate é Tobin (um ex padre). Mais figurativo e representativo que isso, impossível!
O que não me agradou é que tudo parece girar em torno de uma violência ?gratuita?, sem sentido. E o final ficou a deriva. Mas gostei do conceito geral.
Recomendo a leitura.
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Angelo 29/06/2011

Vida e Morte, Bem e Mal
Cormac McCarthy disse certa vez que não conseguia gostar de autores que não escrevessem sobre os temas de vida e morte. Para ele, somente assim, consegue-se produzir um grande livro. Fiel à sua afirmação, Meridiano de Sangue é um livro sobre a vida e a morte, e também sobre o bem e o mal, juntando-se a uma lista de obras de tirar o fôlego que exploraram essa temática, como Coração das Trevas, Moby Dick e Grande Sertão: Veredas.

Em resumo, neste livro, acompanhamos a saga de um jovem, sem nome e referenciado apenas como 'kid', que se junta a um grupo de caçadores de escalpos em operação na fronteira entre Estados Unidos e México. Entre os vários personagens marcantes do grupo, sobressai a figura do Juiz Holden, um homem albino e sem pelos, de mais de 2 metros de altura, extremamente violento, mas também muito culto e cativante. Embora grande parte da crítica literária, enxerga, na sua criação, inspirações que McCarthy colheu do Capitão Ahab de Moby Dick ou do próprio Satan de Paraíso Perdido, recordou-me ele igualmente Kurtz de Coração das Trevas.

Muito já foi dito sobre o excesso de violência na história e sobre a dificuldade do estilo de escrita de McCarthy. De fato, o livro é extremamente violento; com certeza, o mais violento dos que já li. Também seu estilo seco, a falta de utilização de vírgulas e travessões e uma ambiguidade proposital tornam a leitura um pouco mais difícil, mas nada que se compare a um Faulkner por exemplo. Meridiano de Sangue é um livro que pode ser lido por praticamente todos os leitores adultos com o mínimo de bagagem literária.

Outro aspecto do livro que pode causar alguma exasperação no leitor é a aparente ausência de uma trama ou argumento pelo qual a história pudesse evoluir. Durante a maior parte do livro, acompanhamos os principais personagens, membros de um grupo de caçadores de escalpos, em sua jornada pelo oeste americano e norte do México, enquanto atacam agrupamentos indígenas e mexicanos, cavalgam, acampam, embebedam-se, voltam a galopar... Ao leitor mais desatento, pode parecer que não há um objetivo ou "ponto" em todo o enredo.

Parece-me, contudo, que onde o livro realmente se mostra é nos detalhes da história, todos recheados de significados mais profundos esperando para serem descobertos. Há claras e obscuras referências à Bíblia, a Moby Dick, a Paraíso Perdido e a várias outras obras de literatura.

Por fim, para aqueles com algum conhecimento de inglês, recomendo duas 'lectures' disponíveis gratuitamente no youtube sobre a obra, e partes de um curso sobre Literatura Americana da Universidade de Yale. Para achá-las, basta pesquisar no youtube pela expressão "Blood Meridian (engl 291)".
Douglas 26/09/2013minha estante
Que show de resenha




joaoggur 03/02/2024

Aridez da morbidez.
É sempre triste quando nos deparamos com um livro/autor aclamado e não o julgamos tão bom tal como a maioria. Creio que é o meu caso com Cormac McCarthy.

Vou fazer um Mea Culpa; entendo a relevância do autor para a prosa estado-unidense da segunda metade metade do século XX, e estou disposto a acreditar que minha falta de entrosamento com a leitura é oriunda da minha falta de maturidade literária. Entretanto, não consegui achar nenhum fato a me prender, nenhuma ponta para eu sentir vontade de continuar a história.

Entendendo que não faz sentido falar que ?não senti simpatia? em uma obra em que acompanhamos um grupo de bandidos que massacraram tudo que veem pela frente (em especial grupos originários da América do Norte, - sei que não foi gratuito). Este fato, por mais que tenha importância para a obra (e por ser um retrato mordaz do que ocorria no centro-oeste estado-unidense no meio do século XIX), é percalço para continuarmos a leitura; o livro pode ser resumido no bando em questão em um ciclo de cavalgar, acampar, massacrar e voltar a cavalgar, para novamente tudo se repetir.

Não posso ignorar os pontos positivos, - tentarei não ser parcial, mesmo paradoxalmente isso sendo uma resenha contendo minha opinião. O autor é marcado por sua linguagem marcante, sucinta, dispensando a prolixidade, e não posso falar que sua escrita não combinara com o estilo do livro; o Western casa bem com as-poucas-palavras, trazendo a aridez do solo para as palavras. Também irei destacar as conversas entre os personagens, - Kid, o sanguinário Juiz Holden , Glanton , Toadvine, - que mesmo não tendo muita influência narrativa, conseguem tirar leite de pedra; por alguns momentos, é o mais próximo de adentrarmos a narrativa que conseguimos.

A ideia do dualismo também é sempre marcante na literatura do autor. Em ?A Estrada? temos o dualismo entre o Pai (um ser que tende ao racional, a desconfiança excessiva, a estar na retaguarda dos fatos) e o filho (um ser esperançoso, que crê na bondade humana, que confia nos forasteiros), tal como aqui temos entre Kid (que não pode ser julgado como bom, mas é racional em um sentido moralmente aceito) e o Juiz (que usa da racionalização para a perversao).

Cormac McCarthy; odeie-o ou ame-o, tem sua influencia. Só não foi para mim. Mas não é de todo o ruim.
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Luiz Roberto Silva 20/03/2022

“A lei moral é uma invenção da humanidade..."
Brutal. Um dos romances mais violentos já escritos. É uma história de horror sobre a maldade que emerge do homem quando ele não se impõe qualquer sanção moral quando livre entre outros homens dispostos ao mesmo e em um ambiente selvagem. “Vaqueros” perdidos na desolação de suas próprias vidas, entregues à maldade de seus próprios corações.
Por mais contraditório possa parecer, para mim, se o leitor não se sentir constrangido pela violência, o autor não conseguiu alcançar seu real objetivo (não que McCarthy pareça se importar com que o pensam de seus textos). Existe uma satisfação na dor infligida ao fraco e em poucos momentos, pouquíssimos, os fortes realmente se confrontam e lutam de igual para igual. Aqui a violência serve a um propósito, como em Onde Os Fracos Não Tem Vez, a estilização da violência é cadenciada (oferecida) de uma forma que o leitor se sinta instigado a desejar por mais violência e então se encontre, a si mesmo, na escuridão detrás de algum cacto, sob o Sol fervente e caçado por coiotes e veja a si mesmo como uma vítima de seu próprio desejo. O prazer da leitura desse livro nos cobre da vergonha de sermos os animais que somos. É a carne da caça que se come escondido e que sangrenta nos expõe como os monstros incivilizados que somos (ou talvez possamos nos tornar) e nos ajusta na posição de caçador e não caça.
A história é baseada em My Confession, a autobiografia do comandante da Guerra Civil Samuel Chamberlain, que fez parte de um grupo de mercenários norte-americanos contratados pelo governo mexicano para massacrar nativos.
Meridiano de Sangue é a história do “Juiz”. Mais de 2,10 metros de altura, sem pelos, albino, descrito como tendo um rosto infantil e assaz inteligente. O que ele é? O diabo? Um homem de carne e osso que perdeu qualquer empatia pelo humano? A única certeza é que ele é irremissível e inevitável. É uma lasca da cruz de maldade que a humanidade arrasta.
Scorpion 20/03/2022minha estante
Fiquei curioso!!


Mari Pereira 22/03/2022minha estante
Esse livro é INCRÍVEL!




Maria 19/01/2024

Meridiano de sangue
Eu gostei muito desse livro.
A escrita é ótima, apesar do tema ser bem pesado. Em alguns trechos tive que parar para respirar fundo e prosseguir.
Os personagens são cruéis, ultrapasam os limites, cada um com sua personalidade.
O desenvolvimento do kid, do juiz, do ex padre e o final, achei sensacional, com aquele tom fantástico misturado com realidade.
Além disso, durante toda a leitura, fiz incríveis relações com o jogo Red Dead Redemption 2, o que deixou a leitura mais incrível.
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Fabio.Nunes 20/02/2024

Meridiano de sangue ? Cormac McCarthy
Editora: Alfaguara, 2020

LC com as amigas Flávia Menezes e Andrea Carvalho.

Meados do século XIX; sul dos EUA. Época da expansão para o oeste e para o sul, ainda sob a ideologia da doutrina Monroe, antes da guerra de secessão. Bandos de pistoleiros arriscavam a vida na caça aos povos originários, dos quais retiravam os escalpos para serem vendidos. Ultrapassavam regiões áridas sem fronteira definida, onde tudo o que se encontra é violência, sangue e morte.
McCarthy é dono de uma escrita original, que requer um certo tempo de adaptação. Depois desse período de estranheza inicial um mundo se abre.
Mais do que um bom livro, uma obra de arte.
Posso garantir que até este dia poucos livros me impactaram tanto. O que eu sinto ao escrever essas palavras é pura agonia. A sensação de ter passado por uma experiência dura, que requererá tempo para ser digerida.
Na pele de nosso protagonista, o Kid, um menino de 14 anos que foge de casa, é que a narrativa do livro se desenrola.
Por meio dele, nas palavras de um narrador em terceira pessoa, somos tragados para uma terra de ninguém, onde o deserto não é apenas um lugar, mas tudo o que se lê. Em alguns momentos parece que a terra é quem fala.

"Por toda a noite relâmpagos difusos sem origem definida estremeceram a oeste atrás das massas tempestuosas de nuvens da meia-noite, provocando um dia azulado no deserto distante, as montanhas no horizonte súbito abruptas e negras e lívidas como uma terra longínqua de alguma outra ordem cuja genuína geologia fosse não pedra mas medo."

Um ecossistema da violência onde tudo que há é o vazio (do deserto e das pessoas), preenchido apenas pelo sangue; e onde a aridez não permite brotar sentimentos. A negação da vida num meridiano sem lei.
Lugar, circunstâncias e momento histórico nos conduzem a sermos expectadores do que há de pior no comportamento humano. Desses humanos, um se destaca: o juiz. Um personagem complexo, capaz de suscitar admiração e nojo ao mesmo tempo. Mais do que isso, o que ele me causa é medo. Terror.
Com vocês, o juiz:

"Tudo que existe, disse. Tudo o que na criação existe sem meu conhecimento existe sem meu consentimento."

"O homem que acredita que o segredos do mundo estão escondidos para sempre vive em mistério e medo. A superstição o arrasta para o fundo. A erosão da chuva vai apagar os feitos de sua vida. Mas o homem que impõe a si mesmo a tarefa de descoser o fio que ordena a tapeçaria terá mediante a mera decisão assumido o comando do mundo e é somente assumindo o comando que levará a efeito um modo de ditar os termos de seu próprio destino."

"O que une os homens, disse, não é a partilha do pão mas a partilha dos inimigos."

"Logo você, dentre todos os homens, não pode desconhecer esse sentimento, o vazio e o desespero. É contra isso que pegamos em armas, não é? Acaso não é sangue o agente aglutinador na argamassa que dá liga entre nós?"

"Aquele sujeito ali. Olhe para ele. Aquele homem sem chapéu. Você sabe qual é a opinião que ele tem sobre o mundo. Dá para ler no rosto dele, na postura. E contudo sua queixa de que a vida de um homem não é nenhum negócio da china mascara a verdadeira questão em seu caso. A de que os homens não fazem o que desejam fazer. Que nunca fizeram, nunca vão fazer. É assim que as coisas se dão com ele e sua vida é tão estorvada pela dificuldade e de tal forma se desvia da arquitetura pretendida que constitui pouco mais que uma choupana itinerante dificilmente adequada para abrigar até mesmo o espírito humano."

"Esse deserto no qual tantos foram subjugados é vasto e exige grandeza de coração mas também é no fim das contas vazio. É impiedoso, é estéril. Sua verdadeira natureza é a pedra."

?Somente aquele homem que se consagrou inteiramente ao sangue da guerra, que conheceu o fundo do poço e viu o horror de todos os ângulos e aprendeu enfim o apelo que ele exerce no mais fundo de seu íntimo, só esse homem sabe dançar.?

Este não é um livro fácil de ser lido, tanto pelo texto quanto pelo que ele conta, mas é uma experiência literária sem igual.
Literatura para os fortes, viu. Depois não diga que não avisei.

"E acaso a raça humana não é ainda mais predatória? É da natureza do mundo vicejar e florir e morrer mas nos negócios do homem não há definhamento e o zênite de sua expressão sinaliza o começo da noite. Seu espírito está exausto no auge de sua realização. Seu meridiano é ao mesmo tempo seu escurecer e o ocaso de seu dia."
Leo Moura 20/02/2024minha estante
Concordo totalmente, Fabio! Livro brutal demais, porém construído com tamanha maestria. Muito bom rever essa obra pela experiência de quem também atravessou esse deserto kk. Li há 3 anos, mas parece que foi semana passada, marcante demais.


Flávia Menezes 20/02/2024minha estante
Muito obrigada pela sua companhia e por ter compartilhado suas impressões e ideias que ajudaram tanto a clarear essa narrativa tão complexa.


Fabio.Nunes 20/02/2024minha estante
Marcante mesmo Leo.


Fabio.Nunes 20/02/2024minha estante
Eu que agradeço tua companhia Flávia, e da Andrea tbm. A leitura foi outra coisa escutando a playlist que vc indicou. Dava arrepios rsrs


AndrAa58 21/02/2024minha estante
Fábio, obrigada! Acabo de ler a sua resenha e consegui encaixar uma peça solta por aqui ? Você e a Flávia arrasaram nas resenhas. Muito legal, complementam-se. Acho que ainda estou me escondendo do juiz, não consegui sair de trás da pedra, mas você acaba de me fazer encará-lo de frente. Espero conseguir estar à altura de vocês. Obrigada pela companhia e por me ajudarem nessa travessia pelo 'inferno' ?


Fabio.Nunes 21/02/2024minha estante
Oh Andrea, nem vem com essa de "estar à altura" pq seus comentários o longo da leitura é que abriram mtas portas pra mim. Qto à Flávia, já sabe né: não se trata de resenha, e sim de peça jornalística o que essa mulher faz. Na melhor das hipóteses eu tento convencer algum desavisado a ler o livro por meio daquilo que senti, nada muito informativo.


Flávia Menezes 21/02/2024minha estante
Até parece né amigos! Vocês dois travavam discussões tão calorosas no grupo, que eu ficava quietinha só olhando e absorvendo todo o conhecimento que vocês passaram ali. Sou uma carioca exxxperta!!! ????


AndrAa58 22/02/2024minha estante
??? Fábio e Flávia, vocês dois são ótimos e a experiência de ler com vocês foi maravilhosa! Espero poder repetir ? A verdade é que estou empacada, amigos. Ambas as resenhas estão me ajudando a perceber a imensidão deste 'Meridiano de Sangue'. Me sinto muito pequena, um grão de areia. Vou precisar do fim de semana e talvez um pouco mais para dar uma olhada em algumas passagens. Se pudesse, releria. Enfim, sou muito grata mesmo. Às vezes, vejo pelo em ovo e vocês me trazem para o chão ???????




Fernando Lafaiete 25/04/2020

Meridiano de Sangue: O Diabo caminha entre nós?
******************************NÃO contém spoiler******************************

Certa vez um professor de literatura afirmou em sala de aula que um livro deve nos perturbar (não necessariamente no sentido ruim), nos deixar incomodados, pensativos e nos desafiar como leitores desde o momento em que o abrimos e iniciamos a leitura. Se uma obra deve exercer essas funções na jornada de um leitor, então caros amigos, "Meridiano de Sangue" cumpre com maestria o seu papel. Embarcar na leitura da elogiada e emblemática obra de Cormac McCarthy, não me foi um processo fácil e nem dos mais agradáveis. Com uma escrita experimental e uma narrativa bastante linear,  McCarthy tece uma história deveras sangrenta, que se desenvolve através de uma estrutura textual constituída de sentenças longas, com fluxo narrativo contínuo que não sofre interrupções pontuais - com exceção do ponto final que exerce sua função gramatical de encerrar uma sentença e iniciar outra - se fundindo com seus diálogos que se misturam com a narrativa onisciente, já que não são apresentados com travessão e nem com as aspas (técnica utilizada em textos em inglês). O que traz à escrita do escritor uma "inovação" estilística muito elogiada pela crítica especializada, já que quem inova, se reinventa, surpreende e se destaca. (O que não significa que tenha me agradado)

Se utilizando de fatos históricos, "Meridiano de Sangue" traz a realidade à superfície da ficção, entregando ao leitor um recorte importante da história norte-americana, nos colocando em uma jornada de confrontos entre índios, mexicanos e americanos, onde o que se vê são corpos sendo desmembrados, escalpados, crianças estupradas e muito sangue jorrando, o que faz total sentido ao título da obra, ao mesmo tempo que choca e encanta, não pelas barbáries descritas ao longo das 352 páginas, mas sim pelo lirismo e metáforas inseridas  em sua escrita, o que se assemelha e muito ao que Nabokov fez com maestria em Lolita.

Mas nada supera na obra de McCarthy - por mais elogiado e genial que seja - um dos personagens mais interessantes, assustador, enigmático e inteligente que tive a oportunidade de conhecer. Juiz Holden, um homem alto, careca, que não possui pelos pelo corpo, pedófilo, assassino, poliglota, "onisciente", que nunca dorme, que não envelhece, que se diz imortal, que caminha através do fogo sem se queimar e que fascina e amedronta não somente os personagens, mas também ao leitor. Quem seria este ser? O diabo em forma humana? Tal questionamento intriga e coloca o romance gótico de MarcCarthy ao lado de obras fáusticas como "Fausto" de Goethe e "Grande Sertão Veredas" de Guimarães Rosa. Tal antagonista se equilibra muito bem com o protagonista Kid, o garoto de comportamentos ambíguos, de inocência perdida, desejado e perseguido por Holden. A jornada e embates entre os personagens nos faz questionar os limites e raciocínios quanto a crueldade humana e a humanidade em sua amplitude. Em meio a tantos conflitos onde vidas são diariamente ceifadas, não estaria realmente o diabo entre nós?

"O juiz se curvou para mais perto. O que acha que é a morte, homem? De quem estamos falando quando falamos de um homem que existiu e não existe mais? Serão esses enigmas incompreensíveis ou não farão parte da jurisdição de todo homem? O que é a morte senão um agente?"

"Não faz diferença o que o homem pensa da guerra, disse o juiz. A guerra perdura. É a mesma coisa que perguntar o que o homem pensa da pedra. A guerra sempre vai existir. Antes do homem aparecer, a guerra estava a sua espera. A ocupação suprema à espera do praticante supremo. Assim foi e assim será. Assim e de mais nenhum outro jeito."

Entretanto, por mais que eu veja o romance de Cormac McCarthy com diversos pontos  interessantes a serem analisados; devo frisar que suas descrições quase nulas a respeito dos personagens, dificultou e muito minha visualização dos mesmos. Esse aspecto atrelado a sua narrativa repleta de situações repetitivas fizeram com que eu não conseguisse me imergir completamente na história, o que resultou também no meu não apego aos personagens. Contudo, suas descrições ganham maior profundidade quando se volta para a ambientação - para as cenas de confrontos e massacres - onde o autor não se poupa e nem nos poupa das atrocidades que faz questão de narrar com detalhes sórdidos, que enojam e traz à tona o objetivo da obra... a de nos chocar.

Como romance gótico, faroeste, fáustico e crítico, ele funciona. Mesmo com sua aridez e narrativa direta, sem muita emoção e curvas narrativas, a obra de McCarthy impressiona. Talvez ele só não funcione como romance de formação como muitas o classificam. Tendo como referência obras clássicas como "Demian" de Herman Hesse e "David Copperfield" de Charles Dickens, devo dizer que "Meridiano de Sangue" navega de forma superficial quanto ao amadurecimento do personagem central. Sua ausência ao longo de milhares de páginas fazem de seu amadurecimento algo superficial que não me convenceu. Seu crescimento fica evidente apenas quando Kid (criança em inglês) passa a ser tratado pela nomenclatura homem. Uma técnica de escrita direta demais para os meus padrões analíticos e críticos de leitor.

"Meridiano de Sangue" é uma obra para se ler com muita atenção. Devemos decifrar os diálogos, as situações e narrações como se nossa vida dependesse disso. É uma leitura desafiadora e complexa, que traz questionamentos que estão além da literatura convencional. Tchékhov uma vez disse que o bom escritor era aquele que enxergava sua arte e sua vida através de uma perspectiva mais ampla, indo além de sua própria vida e tempo. Talvez esteja aí a resposta de como criar um clássico. Gostando ou não gostando, sendo um livro complexo, arrastado e as vezes maçante, a verdade é que "Meridiano de Sangue" já nasceu clássico. Um livro que se transforma e nos transforma.
Helder 21/10/2021minha estante
Embarquei nesta viagem e não está sendo fácil. Qdo terminar volto aqui pra ler sua resenha.


Fernando Lafaiete 13/02/2022minha estante
kkkk... Estou voltando a ativa agora Helder. O que achou?


Helder 13/02/2022minha estante
O caminho foi difícil. Muitas vezes me perguntei pra que eu estava lendo aquilo, mas no fim foi muito bom. Me senti um leitor vitorioso. Tem muita coisa neste livro.




Rodrigo1001 06/01/2024

Dois Estômagos (Sem Spoilers)
Título: Meridiano de Sangue ou O Rubor Crepuscular no Oeste
Título original: Blood Meridian; or the Evening Redness in the West
Autor: Cormac McCarthy
Editora: Alfaguara
Número de páginas: 344

Bárbaro, dilacerante, selvagem e indômito.

Com um estilo de escrita épico-monumental que cria cenários de beleza estarrecedora, Meridiano de Sangue sequestra o leitor, tornando-o refém de uma orgia de sangue e violência em seu estado mais elementar.

Para lê-lo, são necessários dois estômagos.

Assim, de antemão, alerto que Meridiano de Sangue não é um livro palatável. É, na verdade, extraordinariamente indigesto. Um livro difícil. Um livro duro se ser lido até o fim. Nele se adensam os subterrâneos da barbárie, da incredulidade e do horror. Um épico que te desconcerta de início só para fisgá-lo logo à frente, mantendo-o em rédeas curtas até o virar da última página. Um livro que domina o leitor de capa à capa.

Pessoalmente, tive uma catarse com esse livro. Enveredei madrugada afora sem conseguir soltá-lo, tamanho o seu magnetismo. Pérfido e sedutor, o livro nos envolve em uma prosa brilhante e assombrosa, causando pequenos curtos-circuitos durante o processo de leitura - afinal, diante de tanta barbárie, como se pode gostar de um livro desses?

Mas, é justamente aí que reside o encanto de Meridiano de Sangue! O autor esculpe as frases. Tudo é milimetricamente pensando - cada palavra, cada vírgula omitida, cada travessão ignorado, cada situação. Tudo isso faz com que o livro não apenas conte uma história, mas tenha uma cadência, um compasso durante a leitura que nos aprisiona, nos perturba e nos desafia como leitores.

Com relação aos personagens, todos são lapidados à mão. A tocha do protagonismo é passada de personagem para personagem sem aviso prévio. A violência é entorpecente, rotineira como a chuva e corre em cada página como sangue fresco pulsando nas veias. Durante todos esses dias, enquanto lia e relia o livro, a história ficou alojada como uma lasca no meu cérebro, não se soltando mesmo quando eu estava longe dela. Não há espaço seguro (não no sentido contemporâneo do termo) de onde você possa observar o que se desenrola. Um tipo de farpa cuja dor e beleza você deseja sentir antes de finalmente extirpá-la em um ato final de desespero.

E mesmo que eu tenha lido com o máximo de cuidado possível, há partes que terei de ler novamente para poder digerir completamente suas propriedades místicas. Qualquer pessoa que tenha lido McCarthy sabe como uma única de suas frases preenche rotineiramente um parágrafo inteiro ou mesmo páginas inteiras. Não apenas isso, mas essas frases podem consistir em verbos e substantivos ininteligíveis e, às vezes, em palavras que são puras invenções: houve mais de uma ocasião em que procurei uma palavra no dicionário apenas para descobrir que, assim como as criações febris de McCarthy, é uma coisa fantasmagórica que só existe no céu e no inferno de seus personagens. Há muita associação livre em Meridiano de Sangue, mas de alguma forma, tudo é hipnotizante.

Extremamente violento, e, ainda assim, belo.

E é assim que este marco épico deve ser lido - como um aviso sobre as profundezas humanas e a própria escuridão espiritual.

Por fim, entendendo que nada mais posso adicionar à uma obra tão amplamente consagrada, estudada e debatida como Meridiano de Sangue, só me cabe alçá-lo ao meu rol particular de obras favoritas e irretocáveis.

Um recorte essencial da história da fronteira entre EUA e México no século XIX...

Uma força da natureza...

Enfim, um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos e que certamente me assombrará por um longo período.

Leva 5 de 5 estrelas cadentes.
Gleidson 06/01/2024minha estante
Excelente resenha meu amigo! Sintetizou bem o que o livro representa. ??




Mari Pereira 29/04/2021

É possível um livro ser extremamente violento e, ainda assim, profundamente belo?
Em Meridiano de sangue, Cormac McCarthy prova que sim.
Acompanhando as ações de uma organização paramilitar contratada para exterminar a população indígena, tida como selvagem, no "velho" oeste, na fronteira entre EUA e México, McCarthy nos guia por uma história épica, brutal e devastadora. No fim das contas, fica a certeza que nada supera a crueldade do homem branco.
O livro desmistifica a ideia do "herói americano" e a passividade indígena. (Impossível não fazer paralelo com os bandeirantes, tidos ainda como heróis brasileiros.)
Ao narrar a trajetória desses homens altamente individualistas e centrados na própria ideia de grandeza, o autor nos mostra que, nessa lógica, qualquer coisa identificada como "outro" é menos digno de vida.
De quebra, McCarthy ainda nos brinda com belíssimas descrições e uma escrita cheia de lirismo.
Um livro fantástico, que merece ser lido.
Impossível ficar indiferente diante de uma obra tão potente!
Lysiane 29/04/2021minha estante
Sua resenha me deu vontade de ler!


Mari Pereira 29/04/2021minha estante
Leia sim! Vale muito a pena!




Diego Rodrigues 02/11/2021

"Essa terra enlouquecia as pessoas"
Nascido em 1933, em Providence, no estado de Rhode Island, Cormac McCarthy é, ao lado Philip Roth e Don DeLillo, um dos maiores nomes da literatura norte-americana contemporânea. Antes de se dedicar a escrita, serviu na Força Aérea dos EUA e estudou artes na Universidade do Tennessee. Publicou obras memoráveis como "Meridiano de Sangue" (1985), "Todos os Belos Cavalos" (1992), "Onde os Velhos Não Tem Vez" (2005) e "A Estrada" (2006). Também é vencedor dos prêmios National Book Award (1992), National Book Critics Circle Award (1992), James Tait Black Memorial Prize (2006) e Pulitzer de Ficção (2007). A adaptação cinematográfica de "Onde os Velhos Não Tem Vez", dirigida pelos irmãos Coen, foi vencedora do Oscar de Melhor Filme, em 2008.

Publicado pela primeira vez em 1985, "Meridiano de Sangue" é seu quinto romance e entrelaça fatos e ficção para recontar a história do oeste americano. A obra se passa na década de 1840 e conta a trajetória de um jovem do Tennessee, órfão de mãe, que foge de casa aos 14 anos de idade e é recrutado por uma gangue de mercenários que atravessa regiões inóspitas entre o Texas e o México, assassinando índios e arrancando seus escalpos em troca de recompensas. Essa gangue é liderada por ninguém menos que John Joel Glanton, um dos primeiros colonos do Texas Mexicano que, depois da Guerra Mexicano-Americana, realmente liderou um grupo de caçadores de escalpos no sudoeste americano. Juntam-se a esse personagem histórico o enigmático juiz Holden, o disforme Toadvine, o ex-padre Tobin e muitos outros. A trupe percorre uma terra sem lei, debaixo do sol escaldante, sob a ameaça de feras e tribos selvagens, comendo carne crua e dormindo junto à carcaça dos mortos, deixando um rastro de sangue e morte por onde passa. Violência, racismo e loucura dão o tom à obra.

Apesar de ter gostado da leitura, esse não é o tipo de livro que recomendo para todos, por dois motivos. Primeiro, pela violência envolvida, elemento que nos é apresentado logo nas primeiras páginas e que permeia toda a narrativa. Cenas de verdadeira carnificina são comuns ao longo do romance e o autor não alivia nas descrições. Não é uma violência gratuita, está ali como marca de um contexto histórico, mas é algo que pode incomodar leitores mais sensíveis. O segundo motivo é a escrita de McCarthy que, apesar de ser altamente imersiva, do tipo que a gente abre o livro e em poucas linhas se sente transportado pra dentro da história, não é exatamente difícil mas possui certas particularidades. O autor, por exemplo, não faz o uso de travessão ou aspas durante os diálogos. Tudo é narrado da mesma forma. Nada laborioso ao nível de Saramago (McCarthy pelo menos usa parágrafos), mas é uma escrita diferente. Senti um pouco de dificuldade com isso no início, mas nada que comprometa, é mais uma questão de se acostumar.

"Meridiano de Sangue" é tido como um dos maiores marcos da literatura norte-americana e não por acaso. Mas esse bárbaro retrato do oeste americano pode ser facilmente trazido para outros contextos. Desde tempos remotos, a violência vem sendo o principal cartão de visitas da humanidade, seja na disputa por terras, por política, religião, raça, cor, sexo, não importa! Parece que, assim como a gangue de Glanton, estamos fadados a ser uma espécie daninha e deixar um rastro de sangue por onde passamos.

site: https://discolivro.blogspot.com/
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Brauns 06/02/2011

P.Q.P.
Confesso que demorei algumas páginas para entrar na história, mesmo já conhecendo o estilo peculiar do escritor. Não desista e será recompensado. Aos poucos me senti fazendo parte daquele Oeste sangrento, quente, mortal e fascinante. Em A Estrada, Cormac nos mostrou o fim do mundo e aqui ele nos apresenta a um país que ainda estava engatinhando. Qual o mais violento? Difícil dizer. Acompanhamos o Kid durante a maior parte das páginas e o que ele faz é escalpelar índios para ganhar uma grana. Sobra sangue. Cormac não tem medo de descrever assassinatos de crianças, bebes e até de cachorros. Ele quer nos mostrar que aquele ambiente é barra-pesada e para sobreviver você não pode hesitar nunca. Sobra espaço também para algumas reflexões e filosofias relacionadas à guerra e aos homens como um todo. É um livro difícil, pesado e que te faz chegar na última página e dizer: PUTAQUEPARIU.
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Tiago.Guedes 12/03/2024

Oeste brutal
Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy, me consumiu desde a primeira página. A narrativa brutal e poética me transportou para um Oeste americano árido e cruel, onde a violência impera e a vida humana tem pouco valor.
Acompanhei a jornada do "Kid", um jovem sem nome e sem passado, que se junta a um bando de caçadores de escalpos liderados pelo implacável John Joel Glanton. Através de descrições vívidas e precisas, McCarthy me colocou no meio da ação, testemunhando os massacres, as torturas e a depravação que marcaram a expansão dos Estados Unidos para o oeste.
O livro é um retrato perturbador da natureza humana, mostrando como a ganância, o ódio e a bestialidade podem tomar conta de indivíduos em situações extremas. O Juiz Holden, um personagem enigmático e sádico, representa a face mais obscura da humanidade, um ser sem alma que personifica a violência gratuita e o niilismo.
Ao mesmo tempo que me repugnava, Meridiano de Sangue me fascinava. A escrita de McCarthy é hipnotizante, com frases curtas e precisas que criam um ritmo implacável, como o galope de um cavalo em fuga. A linguagem poética contrasta com a brutalidade da história, criando um efeito perturbador e memorável.
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Peter.Molina 23/02/2024

Meridiano de muito sangue
Esse livro traz um relato de um período nos EUA no final do século XIX, nas fronteiras com o México e arredores, contando o massacre indígena e a violência do velho oeste. Escrito numa linguagem um pouco rebuscada e difícil, porém com descrições poéticas, o livro tem dezenas de cenas com massacres e carnificina em detalhes. O embate do personagem Kid com o grotesco Juiz fazem as melhores partes desse livro. Pra mim não funcionou, apesar da beleza de muitas passagens um pouco mórbidas, a excessiva violência a todo instante me dificultou a conexão com a história. Um final Tb bem decepcionante.
CPF1964 23/02/2024minha estante
???????


CPF1964 23/02/2024minha estante
Que coração peludo !!!


CPF1964 23/02/2024minha estante
Este livro não é um curso para açougueiro ?


Peter.Molina 24/02/2024minha estante
Praticamente um curso de como esquartejar e escalpelar de maneira prática e eficaz Cassius.


CPF1964 24/02/2024minha estante
???


Fabio 25/02/2024minha estante
LItro e litros de sangue kkkkkkk


CPF1964 25/02/2024minha estante
????




Lucas.Rocha 20/04/2023

McCarthy: Uma Narrativa Épica e Brutal da Natureza Humana
Com uma narrativa épica e violenta, McCarthy nos envolve, por sua escrita intensa e realista. As descrições dos cenários e ambientações do livro são feitas de forma realista e vívida. O autor retrata um oeste selvagem e impiedoso, onde a brutalidade e a violência são uma constante. Desde os territórios desérticos e inóspitos do México até as cidades fronteiriças caóticas e corruptas, o autor pinta um retrato sombrio e desolador do ambiente em que os personagens vivem.

Seu estilo de escrita é Belo e esplendoroso, com uma prosa poética e imagética, embora também seja notoriamente sombrio e brutal. Ele usa uma linguagem concisa e direta, com poucos diálogos e muita introspecção dos personagens. Sua escrita é carregada de simbolismos e metáforas, que muitas vezes retratam a natureza implacável e cruel da humanidade.

Aqui a exploração da natureza humana e a questão da violência inerente ao ser humano são um ponto forte da obra. Os personagens são retratados em sua essência mais crua, com suas ações questionáveis, motivações obscuras e crueldade desmedida. O livro também aborda questões como a busca por poder, a busca pelo sentido da vida e a natureza efêmera da existência humana.

A figura do Juiz Holden traz um aspecto notável ao livro, ele é um personagem complexo e enigmático, cujas ações e motivações são frequentemente difíceis de compreender. O Juiz é uma figura carismática, intelectual e filosófica, que parece estar acima das fraquezas humanas, mas também é retratado como um ser maligno e cruel. Ele representa a dualidade do bem e do mal, e sua presença é uma constante fonte de tensão e intriga ao longo da narrativa. O autor usa de esteriótipos, chega a beirar a xenofobia, existe maltrato à inocentes e também aos animais, tem poucos diálogos na trama, o que ajuda a torná-la mais densa e em muitas vezes desesperadora, para leitores mais sensíveis ao tema. O autor faz isso, mas não exagera, tem a dosagem certa para chocar o leitor.

Portanto, é um livro fascinante, e, ao mesmo tempo, cruel, épico e poético, um livro que transita entre a bondade e a maldade humana, uma obra que marca o leitor e fascina, devido à destreza em que foi escrita.
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Krishna.Nunes 14/08/2023

O ser humano e sua fascinação pela violência
Nós podemos questionar se a violência é natural ou algo que a sociedade faz conosco. Mas é inegável que o ser humano sente uma fascinação pela violência. Estamos constantemente em posição de luta predatória, conflito ou dominância. Somo até capazes de encontrar beleza nela, quando nos deparamos com uma obra de arte, seja uma pintura, um filme, uma canção ou um livro que esbanjam violência. Por estarmos imersos em ambientes hostis, a violência também se torna parte da nossa cultura, de quem nós somos. É esse esbanjamento exuberante de violência que torna Meridiano de sangue uma obra monumental.

A concisão e a singularidade da linguagem do texto, de maneira aparentemente paradoxal imprimem a essa narrativa um tom muito detalhado, com descrições gráficas e minuciosas, sem ser prolixo, pois cada detalhe não está ali à toa. Poucas vezes o diálogo é usado como recurso textual. As descrições do calor escaldante, da imundície, da secura, da poeira e da lama, da sede e do sangue, da eminência da morte, são normalmente o fio condutor para a criação de cenas esplendorosas.

O kid, um anti-herói sem nome, frágil e despedaçado, não passa de um garoto que fugiu de casa aos 14 anos e que algum tempo depois viaja ao meio-oeste americano. Ali ele será exposto a perigos que exigem de si uma capacidade de sobrevivência desmedida, e acabará por ser recrutado para fazer parte de um bando de mercenários liderados pelo capitão Glanton, que viaja pelo deserto praticando saques e assassinatos, coletando escalpes para serem vendidos a governadores mexicanos que pagavam por esse serviço.

O deserto não existe por si só. Ele necessita dos seus atores para fazer com que o clímax, que deixa o leitor num estado de constante expectativa, vá sendo elevado a um nível de desafio sobre-humano. Um grupo diverso de homens de origens variadas, com passados obscuros e diferentes motivações, cada um com um desejo de sobrevivência tão pungente que os compele a atos absurdos. Tudo os obriga a se munirem da violência como único recurso que os impede de passar de atores para cenário. De carne com sangue pulsante para poeira e ossos embranquecidos pelo sol.

A trama em si é repetitiva. Acompanhamos esses homens em seu trajeto pelo deserto encarando dia após dia as doenças, perigos, fome e poeira, até chegar ao próximo destino onde irão mais uma vez saquear, destruir e violentar. A grande constante nessa história é a morte vil, com o abandono de toda a fé e esperança.

O enigmático juiz Holden, uma personagem absolutamente atípica de um homem gigantesco, sem cabelos num corpo albino, um homem culto em meio a toda aquela ignorância, artista e conhecedor de literatura, filosofia e falante de vários idiomas, serve para o autor como o receptáculo e a voz de todas as referências que ele desejava tomar como temas filosóficos e psicológicos nessa obra. Referências colossais a Milton, a Dante, a Goethe e especialmente à própria bíblia são desenroladas nas lições do juiz e nos debates que ele desencadeia ou protagoniza.

A narrativa bíblica e a dualidade entre o bem e o mal estão sempre presentes, especialmente no arco final do livro, em que o kid retorna ao protagonismo numa perseguição final em que as referências morais começam a perder o sentido para aqueles miseráveis buscando nada mais que a própria sobrevivência.

A estética da violência, do cenário e da linguagem permitem que a obra de McCarthy seja comparada à grande obra-prima da literatura brasileira, Grande sertão: veredas. Com um ambiente de homens brutalizados e um cenário desumanizante que exigem a violência como recurso inescapável, e com linguagens que se moldam de forma poética à secura desses ambientes, cada um desses livros remete a contextos de guerrilha, fé, sobrevivência e morte que são inseparáveis das Histórias de cada um dos seus países.
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