Virgilio_Luna 10/09/2020
Vida para vida
?Ao senhor posso dizê-lo: também fui sacrificado na cruz???
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Quando pensamos em Nietzsche, ao menos partindo do ponto de vista do morador do espaço habitável, do Homem dominado pela assepsia, pensamos em um sistema ? uma série de informações concatenadas pobremente: Vontade de potência, além-do-homem, eterno retorno e amor fati. É isto Nietzsche? De modo algum, estamos invertendo a ordem dos fatos. Caso façamos dessa maneira, deveríamos responder ao nos perguntarem ?Quem é Van Gogh?? que ele é ?aquela tinta amarela, aquele tom azul, um pontinho verde aqui e acolá?! Nietzsche é um corpo, sendo um corpo, é uma alma, sendo um corpo-alma, é uma vida ? os temas, o estilo, os termos, tudo isso, nascem de um corpo, de uma vida e para ela voltam. Qual é, portanto, a vida de Nietzsche???
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?Sou um sismógrafo de emoções.???
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Nietzsche, desde sua pequenez, era um garoto sensível, pensava na coragem e na grandeza romana, tão exemplificadas por Múcio Cévola ? aquele que, para provar sua coragem diante de seus inimigos, põe sua mão no fogo. Nietzsche, que queria se tornar compositor, foi frustrado em seu desejo, sua potência não pôde realizar-se, expandir-se, onde habitava esse ser frágil, cheio de emoções, não havia espaço para o grande, para o potente. A coragem, a grandeza de espírito, estavam se deteriorando lentamente ? é assim que ele é jogado em uma existência da superfície, um peixe exposto aos quatro ventos, sofrendo com o frio prazer do mergulho momentâneo no mar da existência ? como um Dionísio que quer romper as vagas marítimas para correr ao seio de Tétis. Como Dionísio, também, exposto ao sufocamento, ao devir infantil que caminha por todos os poros e atinge a alma.??
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?Devemos ser os poetas de nossa existência.???
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Que fazer, então, em um mundo da impotência habitado por um homem mesquinho, fraco, que seleciona entre seus pequenos prazeres momentâneos, em meio ao esquecimento total de sua potência, e o niilismo passivo, reativo, não procura inventar-se, versar seus suspiros, criar ventanias? Esquecemos o espírito forte, heroico, poético, potente, dos versos ? o poder criador, trágico, retumbante, o canto excelso dos vates. Filosofar é criar, nada mais, o filósofo é um experimento ? um poeta da existência! Quantos modos de ser podem ser criados? Nossa felicidade, sincera, curta, como ?Carmen? ? sobretudo, uma alegria de ser potente e se encontrar com a potência alheia, com a afirmação da vida, sem ressentimento, sem ódio.??
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?Sou um alegre mensageiro, como nunca houve outro. Fui compreendido????
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A mensagem que ele nos deixa, ao anunciar a necessidade de se superar o Homem, é a da afirmação ? a de pessoas que experimentem, que sejam experimentos, que produzam, produzir é resistir. Sejamos felizes com nossa potência. Façamos a síntese do pensamento no ethos e, portanto, na arte criativa! Os novos vates somos nós, nosso sangue é tinta para os versos do existir; nosso existir, combustível para nosso sangue.??
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