André 12/07/2023
Apesar de não ser o primeiro registro literário a contar com um protagonista detetive (esta conquista, ao que parece, pertence a Edgar Allan Poe e seu Auguste Dupin), "O Falcão Maltês" de Dashiel Hammet contém diversos elementos presentes a torto e a direito em narrativas policiais contemporâneas - além de ter contribuído muito para a consolidação dos tropos característicos do gênero. Os diálogos ácidos e sarcásticos, os personagens com índole duvidosa e um submundo criminoso repleto de corrupção, manipulação e dinheiro, são os elementos que dão o tom da trama que se desenvolve nas quase 300 páginas de um livro em que nada é o que parece e em que a certeza do leitor é constantemente colocada à prova.
Numa narrativa frenética em que os personagens são sempre apresentados em ação (algo que cansa em certos momentos, mas não deixa de ser um feito notável), Hammet nos leva em uma crescentemente complexa jornada aos Estados Unidos do final dos anos 1920 e começo dos anos 1930, começando a mergulhar na conhecida "Grande Depressão" e vivendo o fim da utopia dos famosos "roaring twenties", num cenário insalubre recheado de desconfiança e ineficiência do Estado e de questionamento das figuras de autoridade (incluindo-se aí a polícia e funcionários públicos do direito, altamente satirizados no livro).
No centro de tudo isso está o detetive particular Sam Spade, narrador de todos os eventos que se sucedem. Spade não é aquele tipo de detetive ao qual estamos acostumados - não tem a classe de Sherlock Holmes e muito menos o carisma de Hercule Poirot. Não, o protagonista deste livro aqui é tão moralmente questionável quanto os demais personagens: não esconde que age por interesse próprio, tem lá seus vícios e é um mestre na arte da manipulação. Pessoalmente falando, gostei de ter contato com um personagem detetive que se envolve profundamente nos defeitos do status quo da sociedade em que se insere ao invés de ser pintado como uma figura "acima do bem e do mal" e mortalmente inquestionável. As capacidades de dedução e os métodos de investigação de Spade são típicos de personagens deste tipo, claro, mas o contraponto destas características com seu caráter controverso deu uma profundidade e uma unicidade interessante ao personagem. Não à toa, a versão em filme de "O Falcão Maltês" foi, assim como o original literário, pioneira do que hoje conhecemos como o gênero "Noir", que reflete tudo (e mais um pouco) o que está presente nesta narrativa; incluindo-se aí a forma do detetive principal.
Recomendo bastante a quem se interesse por histórias policiais e de investigação, a teia de acontecimentos e relações deste livro é um prato cheio para as mentes inquietas e desconfiadas que estão por aí. Um recomendação que faria é: preste bastante atenção aos eventos da narrativa pois, conforme disse anteriormente, o livro é 100% ação o tempo todo. Isso quer dizer que não há flashbacks e muito menos recapitulações ou sumários acerca do que aconteceu anteriormente - no máximo, uma menção rápida - o que torna indispensável que acompanhemos o "fio da meada" para não nos sentirmos perdidos no meio de tantas coisas. Eu mesmo tive que, após pausas grandes entre leituras, fazer retornos de algumas páginas em certos momentos, para que pudesse relembrar o que havia acontecido.