História Concisa da Rússia

História Concisa da Rússia Paul Bushkovitch




Resenhas - História Concisa da Rússia


4 encontrados | exibindo 1 a 4


Rony 03/01/2023

Definitivamente, não é conciso
Não entendam o título errado, o livro é bom e o autor é muito bom em sintetizar alguns dos fatos históricos das antigas republicas soviéticas.

Alguns....

Outros ele dá uma profundidade desmedida em assuntos totalmente superficiais. A história do último Czar é quase totalmente narrada.

No fim das contas é um bom livro, não acho ele introdutório e sim de complemento para quem já tem uma noção da história soviética.


site: diplominhos.com
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Nuno 31/12/2021

Um país que se expandiu e se fragmentou várias vezes.
Escrever sobre quase mil anos de história de um país não é tarefa fácil, muito menos quando o país viveu sucessivos apogeus e declínios como a Rússia. É esse empreendimento que o historiador de Yale, Paul Bushkovitch, especialista em Rússia Imperial, se propõe com esse livro de leitura fácil, mas que contém questões bastante pertinentes tanto para leigos quanto para os leitores já iniciados. Rus de Kiev, Principado de Moscou, Czarado da Rússia, Império Russo, União Soviética e Federação Russa são fases e períodos de um país que nasce a partir de povos coletores-caçadores e camponeses arcaicos governados por uma elite escravocrata e comerciante, de origem viking-escandinava, que fundavam cidades-estados cercados por fortalezas e que viviam em combate tanto contra inimigos externos quanto lutando entre si, em busca do trono de Kiev, centro político e econômico do proto-estado chamado Rus.

Sobre o período kieviano, quando a cidade de Kiev (atual capital da Ucrânia) tornou-se o centro político da Rus, Bushkovitch ressalta que não tratava-se de um estado unificado em torno de uma capital como conhecemos hoje, mas sim a sede de uma confederação de cidade-estados independentes em que seus soberanos reivindicavam, através das armas, o direito ao trono da cidade que eles defendiam ter sido fundada por seus antepassados vikings varegues conhecidos como Rurik. A verdade sobre origem dos ruriks é nebulosa e por Kiev ter pertencido ao reino dos Kazares (estado medieval governado por monarcas judeus) até o século VIII torna-se discutível se a cidade foi fundada por eslavos ou escandinavos. O primeiro escrito sobre a origem Rurik foi escrita séculos depois da fundação da Rus com objetivo político de legitimar o poder dos soberanos russos, após a cristianização, associando-os a descendentes de uma civilização poderosa do passado, os vikings. Para o autor, a reivindicação de descendência varegue pelos soberanos da Rus, sendo verdadeira ou não, comprova, sobretudo, o prestígio das dinastias vikings sobre os eslavos orientais. Kiev vive seu apogeu com o aumento do intercâmbio cultural e econômico com o Império Bizantino (herdeiro do Império Romano no oriente), de onde herdará a religião cristã-ortodoxa e o alfabeto cirílico, e permanecendo a cidade de maior importância da Rus até seu declínio devido a invasão mongol.

Para o historiador estadunidense, os mongóis, ao contrário dos vikings e dos bizantinos, não deixaram praticamente nenhuma herança cultural a Rússia. Dessa maneira ele refuta a noção de que o estado russo teria origem no modelo de despotismo asiático herdado dos mongóis. Ele argumenta que os canatos mongóis não eram estados estáveis nem unitários, mas uma organização política multi-étnica, de população majoritariamente nômade, sob autoridade de uma nobreza militar mongol que taxava as tribos sob seu domínio preservando suas autoridades e estruturas tribais. Em relação a herança cultural mongol em palavras e na cultura russa, Bushkovitch argumenta que a maioria delas tem origem nas línguas túrquicas oriundas do atual Turcomenistão e trazidas por povos de origem túrquica como os tártaros e, sobretudo, pelos kiptchaks (herdeiros dos kazares), que migraram da Ásia Central para o cáucaso e, posteriormente, passaram a integrar as hordas mongóis. O cáucaso será o lar de centenas de etnias provenientes do oriente, trazendo consigo línguas e culturas diversas tornando um caldeirão religioso de judeus, cristãos, islâmicos e budistas.

Segundo o autor, a invasão mongol representará um declínio apenas para Kiev, que será destruída pelo poderoso exército dos descendentes de Gengis Khan, fazendo das outras cidades-estados apenas pagadoras de tributos da Horda Dourada (estado tribal fundado pelos mongóis no Cáucaso e Sibéria) e dos canatos que a sucederiam, portanto preservando soberanos eslavos no poder. Portanto é historicamente equivocado a ideia de uma ocupação mongol ter ocorrido de fato na Rus pois, após destruir Kiev, os mongóis preferiram se fixar no cáucaso, urais e na sibéria formando a Horda Dourada. A destruição de Kiev levará a centenas de padres ortodoxos a fugirem para o principado de Vladimir tornando o patriarca da cidade, e não mais de Kiev, a principal liderança da Igreja Ortodoxa na antiga Rus. Por conta disso, outras cidades passam a ter maior poder na Rus a depender do prestígio de seus príncipes com os Khans (líderes dos estados tártaro-mongóis) ao tornarem-se coletores de tributos das outras cidades-estados. É nesse momento que principados como Tver, Vladimir, Moscou, Iaroslav, Pskov, Viatka, Ryazan, Rostov e Novgorod vivem seus apogeus. Entre esses principados, é Vladimir que perdura por mais tempo como herdeiro do poder político de Kiev, com seu soberano recebendo o título de grão príncipe pelo Khan, o que tornava-o coletor oficial de impostos para a Horda Dourada. A conquista de Vladimir pelo principado de Moscou dará origem ao moderno estado russo. Já o surgimento de um grande estado lituano passará a dominar grande parte da Rus ocidental, livrando os principados sob seu domínio do pagamento de impostos aos khans. A posterior união com a Polônia, formando o poderoso estado da Polônia-Lituânia, resultará na cisão cultural e linguística entre ucranianos e bielorrussos com os russos. Se o Principado de Moscou fundaria o futuro estado russo, seria de Novgorod que os russos herdariam os elementos fundantes de sua cultura. É de lá que existem os mais antigos registros arqueológicos da língua russa. Um de seus príncipes, Aleksandr Nievski, torna-se o responsável por unir os outros príncipes eslavos e vencer os cruzados teutônicos que tentavam converter ao catolicismo os habitantes da Rus. Derrota de pouco significado para os poderosos padres-guerreiros alemães, tornou-se profundamente significativo para Rússia quando a Igreja Ortodoxa canoniza Nievski como santo, dando prosseguimento a uma russificação da Igreja, ao tornar príncipes guerreiros em santos, sobretudo quando o Império Bizantino é ameaçado pelos otomanos islâmicos, isolando a Igreja Russa de suas bases gregas. Já o pintor Andrei Rublev se tornará o principal expoente da pintura sacra medieval russa. O domínio do Principado de Moscou sob Novgorod, no reinado de Ivã III, é o marco político de fundação da moderna Rússia. O processo de cristianização da Rus, iniciada por Vladimir I no século X, é marcada por longos períodos em que práticas pagãs e cristãs coexistiam, com príncipes russos consultando xamãs e praticando rituais pagãos, mesmo depois da conversão por padres ortodoxos. Na prática o povo da Rus passou séculos cultivando ritos e práticas pagãs, mesmo depois das conversões ao cristianismo ortodoxo iniciada por missionários bizantinos.

Em relação ao autocracia e ao despotismo, que geralmente o ocidente associa a cultura política russa, Bushkovitch demonstra que ela é relativamente recente. Na Rus, a verche impedia o soberano de governar sozinho, possibilitando uma participação relativa na política por parte do campesinato que elegia os membros da nobreza, sendo substituída pela Duma, composta apenas pela nobreza boiarda, a partir do século XV. A Duma só deixará de ter um papel político relevante com as reformas de Pedro I, no século XVIII. Mesmo o domínio de Moscou sobre Vladmir e Novgorod não foi absoluto, pois preservou algum grau de autonomia dos principados. O poder nas mãos de um único soberano se inicia num período turbulento devido a crise de sucessão gerada pela morte de Ivan IV, o terrível, que levará a um desgaste gradual do papel político do conselho dos nobres (Duma) e a transformação dos camponeses em servos, eliminando suas assembleias tradicionais (verche). Em comparação ao período em que as cidades que compunham a Rus tornaram-se pagadoras de impostos da Horda Dourada, os séculos posteriores demonstraram-se muito mais turbulentos e desestabilizadores. Após anexar Vladimir e se levantar contra os pagamentos de impostos aos já fragilizados e fragmentados canatos tartáro-mongóis (estados menores que sucederam a Horda Dourada), Moscou, sob comando do príncipe Ivã III, inicia um processo de domínio sobre os outros principados da Rus, não ocupados pelo Polônia-Lituânia, unificando-os. Com a chegada ao trono de Ivã IV, o terrível, o principado moscovita passa a se expandir para fora da Rus, conquistando os canatos de Kazan, no cáucaso, e o canato da Sibéria. Iniciava-se um império que bateria as portas do Oriente Médio e se expandiria até o oceano Pacífico. A queda de Constantinopla, e consequentemente o fim do Império Bizantino pelos otomanos, levará Ivã IV a se autointitular czar (em referência ao título de césares dos imperadores bizantinos), renomeando seu país para Czarado da Rússia, e tornando o metropolita de Moscou em patriarca, fazendo a Igreja Ortodoxa Russa independente de Constantinopla. Após uma série de conflitos com os boiardos, Ivã divide o país em dois: Um no Norte, com sede em Novgorod e liderado por ele e sua guarda pessoal, e outro ao Sul, governado pelos nobres boiardos. Longe de diminuir o poder de Ivã, a divisão faz os boiardos se enfraquecem por contas de disputas políticas internas tornando-se alvos fáceis da guarda-política de Ivã que termina por se tornar o soberano absoluto. Sua morte e ausência de herdeiros levará aos momentos mais dramáticos da história da Rússia, com uma sucessão de falsos herdeiros denominados Dmitris (devido ao boato de que o filho mais novo de Ivã, assassinado por seu irmão Godunov, estivesse vivo) e ocupação dos territórios pela Polônia-Lituânia. Esse momento de extrema instabilidade colocará em cheque a capacidade da Duma (afundada em conspirações e assassinatos) em resolver conflitos, o que impedia, junto com assembleia dos camponeses, do soberano de governar sozinho, ou seja, de tornar a Rússia uma autocracia. Bushkovitch demonstra que a autocracia (todo poder nas mãos de um único soberano) não foi natural nem herdada de uma nação ocupante estrangeira, mas um processo histórico interno marcado pela oposição e divisão dos nobres boiardos, levantes dos camponeses e ameaças externas. No momento que o ocidente vivia o Renascimento, a Rússia encontrava-se em guerra civil e sob ocupação estrangeira. Os séculos seguintes levaria aos czares concentrarem o domínio de todas as terras em suas mãos, como forma de impor sua vontade aos boiardos, fragilizados por conflitos entre si, e a subordinação dos camponeses tornando-os servos. A morte de Ivã IV levou também ao fim da dinastia Rurik e a ascensão de uma dinastia de origem boiarda (nobre) de nome Romanov, que governaria a Rússia até o início do século XX.

A ascensão dos Romanov não aconteceu de maneira tranquila. Ao transformar camponeses livres em servos, os novos czares passaram a conviver com constantes revoltas camponesas violentas, o que levará a necessitar de apoio militar dos nobres. Em troca os czares passam a recompensar os boiardos mais fiéis com novas terras e obrigando os camponeses que viviam nelas a servirem como servos aos nobres. Em resposta, milhares de camponeses tentaram escapar da servidão se juntando a outros camponeses e povos nômades caucasianos e sediados em torno de rios como Volga e Dom, apelidados de cossacos. Predominantes ortodoxos na religião e eslavos nos costumes (apesar de se misturarem com poloneses, tártaros e outros povos do cáucaso), os cossacos passam a se organizarem militarmente formando hetmanatos, onde predomina a opinião da maioria anárquica que facilmente nomeia e derrubar o Hetman e tomam decisões no lugar dele. Logo os cossacos tornam-se famosos ao aterrorizarem as populações citadinas do sul da Comunidade Polonesa-Lituana (atual Ucrânia), mas também no sul da Rússia e no cáucaso dominado pelo Império Otomano, saqueando e cometendo crimes. A posterior incorporação dos hetmanatos russos e ucranianos ao estado russo, resultado da ameaça frente a expansão do islamismo otomano e do catolicismo polonês sobre a cultura e autonomia cossaca, levou a sucessivas revoltas toda vez que os soberanos russos tentaram impor sua vontade sobre a autonomia cossaca, tornando os cossacos as maiores ameaças internas ao poder dos Romanov até o surgimento do movimento populistas no final do século XIX. Porém, a maioria dos camponeses, com exceção da Sibéria e das etnias não-eslavas do cáucaso, tornavam-se gradualmente servos ao serem despojados das terras que cultivavam e obrigados a servir aos nobres e ao estado.

Ao contrário do que muitos historiadores ocidentais costumam narrar, Bushkovitch aponta que antes de Pedro I, houveram transformações e intercâmbios culturais que vão gradualmente tirando a Rússia de seu isolamento em relação ao Ocidente e abrindo caminho para a radical ocidentalização russa no século XVIII. Sob longo domínio da Polônia-Lituânia, e por isso ameaçada pelas práticas jesuítas da Igreja Católica, a Igreja Ortodoxa em Kiev iniciou mudanças em sua liturgia ao introduzir práticas de persuasão e incentivando uma formação mais eclética de seus padres como o estudo do latim e da retórica. Com a retomada de Kiev pela Rússia, no final do século XVII, muitos padres ortodoxos retornam a cidade iniciando um intercâmbio religioso que levará o patriarca de Moscou a formar um concílio para normatizar os ritos religiosos entre Kiev e Moscou. Isso levará a uma oposição de setores da igreja em Moscou, descontentes com as mudanças implementadas pelo patriarca Nikon, que viam os ritos russos como autenticamente ortodoxos em relação ao ecletismo ucraniano. A resolução do czar Aleixo I nesse conflito em favor de Nikon, levará a maior cisão da história da igreja russa e o apelido dos opositores de Velhos Crentes, que passam a ser perseguidos e exilados. Temendo a influência do protestantismo e do catolicismo sobre seus seguidores, os patriarcas seguintes seguem com a modernização da Igreja, trazendo eruditos gregos como professores para ensinar a filosofia Aristotélica e a filologia, rompendo assim o isolamento da Igreja Ortodoxa Russa ocorrida após a queda do Império Bizantino e tendo ucranianos e gregos como principais agentes nesse processo. Ainda no reinado de Ivan IV, o descobrimento e exploração comercial pelos ingleses do rio Moscou através de uma entrada pelo mar báltico, levará ao surgimento de uma pequena burguesia comercial de origem holandesa, alemã, judaica e inglesa na Rússia. Sediados no subúrbio de Moscou, será a principal fonte de informações e intercâmbio cultural de muitos nobres e membros da família real com o mundo ocidental. O prestígio de muitos desses imigrantes com membros da dinastia Romanov e da nobreza levará ao surgimento dos primeiros teatros, orquestras e escolas em estilo ocidentais na Rússia. O contato de Pedro I ainda na infância com alguns desses imigrantes, moldará sua visão de mundo e sua convicção na necessidade da Rússia acompanhar as mudanças do ocidente.

O século XVIII será marcado por contradições que fará a ocidentalização da Rússia ser um processo sui generis. Ao mesmo tempo que Pedro I abre a Rússia para o mundo e o torna um império europeu ao moldes de seus homólogos ocidentais, por outro reforça o seu poder autocrático tornando os nobres em funcionários públicos, submetendo o poder da Igreja, expandindo a instituição da servidão e reprimindo violentamente qualquer tipo de oposição. Na prática, Pedro I importa para Rússia o absolutismo que caracterizava as monarquias das principais potências europeias da época, porém sem a presença de uma burguesia urbana emergente. A fundação de São Petersburgo e a transferência do governo para a nova capital dá ares de burguesia europeia a uma nobreza rural que concentrava extensas terras e milhares de servos em suas mãos. Após a morte de Pedro, a Rússia, transformada agora em Império da Rússia e se estendendo para o Báltico após a vitória contra a Suécia, vive novos conflitos pelos herdeiros do trono que levará a sucessões de mulheres no papel de czar que darão andamento, a sua maneira, o processo de ocidentalização cultural do país. A nobreza passa a se identificar cada vez mais com o ocidente nos costumes (sobretudo com a França) tendo seu apogeu no reinado de Catarina II que funda as primeiras escolas para nobres, academias e instituições de ciência. Com isso é fundada uma nova classe social na Rússia que irá ter profunda influência na cultura russa no século XIX e XX: a inteligentsa. Se Catarina se esforça para instruir os nobres com ideias iluministas e costumes franceses, por outro lado não altera a situação dos camponeses, mas, pelo contrário, os emprega em guerras simultâneas contra o Império Otomano e a Polônia, expandindo ainda mais as fronteiras do Império Russo em direção a Europa. A influência da cultura francesa sobre a nobreza russa entra em declínio em decorrência da invasão napoleônica no início do século XIX. A importância crucial dos servos e dos cossacos na vitória sobre Napoleão demonstrará a cisão na sociedade russa entre uma maioria de camponeses culturalmente eslavos e uma minoria nobre afrancesada e cosmopolita. A resposta do czarismo será reforçar o poder autocrático associada por um nacionalismo oficial, porém a inteligentsa passa a questionar a realidade russa a partir da interpretação de novas ideologias do ocidente, como o liberalismo e o socialismo, mas também a partir de um nacionalismo não oficial. A derrota contra a Inglaterra e a França na Guerra da Crimeia, forçará o czarismo a iniciar reformas que levarão ao surgimento das primeiras indústrias, a uma profissionalização do exército e consequentemente ao fim da servidão. A maneira conservadora e lenta que se deram essas mudanças levaram ao descontentamento radical de setores da sociedade sobretudo da inteligentsa. Já os nobres se descontentavam ao verem ameaçados alguns privilégios, acusando o governo de fazer concessões a setores radicais e não fiéis ao czar. A inteligentsa por mais ressonância que alcançassem com suas publicações e debates públicos, tinham pouca influência na política da corte, com um czar cada vez mais impopular e dependente dos nobres. Na prática, as reformas implementadas pelo czar Aleksandr II e por seus sucessores, longe de estabelecer instituições liberais como no ocidente, restaurava antigas instituições tradicionais russas, como a verche e a Duma, dando sobrevida a autocracia czarista.

Nos capítulos seguintes, Bushkovitch se debruça sobre os territórios do Império Russo que no final do século XIX se iniciava na Finlândia e na Polônia até o oceano pacífico e Ásia Central. Os últimos canatos tártaros-mongóis são facilmente derrotados pelos russos na Ásia Central e em seu lugar se formam governos pró-russos governados por nobrezas islâmicas de etnias majoritárias locais (quiquirs, cazaques, turcomenos, tajiques e usbeques). Já no cáucaso, reis cristãos, temendo a islamização proveniente da expansão do Império Otomano, passam a pedir proteção da Rússia tornando seus reinos protetorados russos. O maior símbolo da interferência russa no cáucaso é a criação de um estado armênio com capital em Erevã (na época habitado sobretudo por azerbis e outras minorias não-cristãs) levando a migração de cristãos armênios e georgianos, que habitavam a próspera Baku (atual capital do Azerbaijão), a ocupar territórios majoritariamente habitados por etnias de religião islâmica. Na Finlândia, a nobreza luterana, temendo a sua submissão aos calvinistas suecos, torna o país protetorado russo, porém preservando sua autonomia política e sua língua finlandesa, garantindo décadas de estabilidade política entre Helsinki e São Petersburgo. Diferentemente, a Polônia via-se partilhada entre a Áustria e a Rússia, desde o final do século XVIII, e por isso reivindicava internacionalmente sua independência que resultaram em diversos levantes em Varsóvia contra o poder do czar no século XIX. No Báltico, prevalecia um campesinato báltico governado por uma nobreza de origem sueca e finlandesa, mas que gerariam conflitos significativos apenas no início do século XX.

O autor demonstra que antes do boom econômico de 1890, a Rússia já começa um processo de industrialização e criação de uma burguesia emergente. Famílias de Velhos Crentes são os primeiros a se aventurar na criação de indústrias, seguido por alemães do Volga e judeus. A maneira patriarcal que esses primeiros industriais vão tratar seus operários vai levar gradualmente a uma radicalização da classe e a reivindicação de direitos. Mas é a partir de 1890 que a Rússia dá uma guinada liberal na economia que vai durar até a Primeira Guerra Mundial. O boom econômico e de industrialização, resultado das reformas políticas econômicas promovidas pelo ministro Sergei Witte, vão levar a prosperidade de burguesias urbanas nas diversas capitais do império, mas também a radicalização política de setores da inteligentsa e o aumento da insatisfação de operários e camponeses. Mesmo com as mudanças positivas provenientes da abertura política e econômica no início do século XX, os últimos czares tornaram-se cada vez mais conservadores e militaristas, gerando uma distância cada vez maior entre o soberano e o povo que desembocará nas revoluções de 1905 e 1917 e consequentemente ao fim da monarquia.

Nos capítulos finais, Paul Bushkovitch se debruça sobre a União Soviética e dedica um epílogo a atual Federação Russa. Ao descrever sobre a segunda metade do século XIX e o século XX, o autor dedica capítulos especificamente sobre a evolução da cultura na Rússia ressaltando o prestígio cada vez maior de artistas e da inteligentsa sobre setores da população instruída e na visão que Ocidente tem sobre o país. O maior país do mundo passa a ser reconhecido não apenas pela sua imensidão territorial ou por suas conquistas militares, mas também por seus feitos na ciência, artes plásticas, musica, literatura e posteriormente no cinema. No século XIX, a influência de filósofos alemães como Kant e Hegel sobre a inteligentsa levará a uma revolução na cultura russa, sobretudo na literatura, e a formação de um longo debate sobre a identidade nacional protagonizada por ocidentalistas e eslavofilos, rompendo a fronteira entre estética e política. Sobre a cultura na URSS, Bushkovitch aponta que a revolução nas artes antecedeu a revolução política que levou os bolcheviques ao poder, com o surgimento de vários grupos de vanguarda artística nos últimos anos do czarismo. Enquanto as ciências exatas na Rússia viram seu apogeu no regime soviético, com orçamentos consideráveis e grandes institutos de pesquisa, as artes viveram sucessivos endurecimentos e degelos que levaram a insatisfação de muitos membros da inteligentsa com o regime socialista, dando origem ao movimento dissidente. Ao apoiar o fim da URSS, a inteligentsa, sem saber, estava também apoiando seu fim enquanto classe, dando lugar a uma nova classe emergente com grande poder econômico e político: os oligarcas.

O livro de Paul Bushkovitch é uma boa contribuição para entendermos um pouco mais sobre a Rússia, desconstruindo determinados mitos sobre o país. Confesso que os capítulos sobre a Rus e o Principado de Moscou foram a minha motivação para lê-lo, devido a pouca informação sobre o assunto em língua portuguesa e em publicações acadêmicas no Brasil. A importância de principados como Novgorod e Vladimir para fundação do estado russo foi uma novidade para mim, como também o papel de ucranianos e gregos no processo de ocidentalização da Rússia antes das reformas de Pedro, o grande. Os capítulos sobre a dinastia Romanov trazem muitas informações e dados interessantes, porém a sucessão de conspirações, quedas de monarcas e detalhes sobre a corte são por vezes repetitivas e exaustivas. Já os capítulos envolvendo a URSS e a Federação Russa não trazem grandes contribuições para os leitores já introduzidos no assunto sendo interessante os capítulos acerca da cultura soviética e a Guerra Fria. Ressalto também a pertinente refutação do historiador de uma visão de uma tradição autoritária e burocrática da política russa como herança dos mongóis. Esse tipo de visão predomina em muitas traduções de autores anticomunistas e russofóbicos que lotam as prateleiras de livrarias brasileiras e que tentam explicar o autoritarismo de Stálin ou o fracasso da democracia-liberal na Rússia contemporânea a partir de uma tradição política autocrática inerente ao estado russo. O mesmo vale para autores marxistas que justificam o declínio do socialismo autoritário na URSS utilizando conceitos abstratos como despotismo asiático para explicar o tipo de privatização protagonizada pela burocracia soviética. Como autor demonstra, a Rus era uma confederação de cidade-estados independentes enquanto o surgimento de hordas e canatos mongóis não eliminaram o poder dos príncipes eslavos, mas se limitaram a cobrança de taxas e impostos. A autocracia czarista é uma criação moderna, fruto de um processo histórico que acarretou na submissão dos nobres boiardos, da transformação dos camponeses em servos e do expansionismo do estado russo, tendo o século XVIII seu início de fato com as reformas de Pedro, o grande. Mesmo a servidão não era apenas uma particularidade da Rússia, mas perdurou em muitos estados europeus até o início do século XIX, sendo estabelecido no país apenas no século XVII. O que Bushkovitch demonstra é que a autocracia absolutista e a servidão eram tendências dos estados modernos europeus que os czares russos incorporaram aos seus domínios a sua maneira. O que é particular na história do estado russo é a duração que o absolutismo e a servidão tiveram, sendo maior do que em qualquer outro estado europeu. A fragmentação da Rus entre impérios europeus vizinhos, como o polonês e o sueco, e a expansão da Rússia para o cáucaso e para a Sibéria, levando a anexação de etnias culturalmente distintas das eslavas a partir do século XV, resultou numa crise de identidade que ajuda a refletir sobre os atuais conflitos envolvendo Rússia, Ucrânia e Bielorrússia e o uso de narrativas e justificativas históricas por seus políticos. Visões idealistas como a de uma Rus kieviana democrática ou do estado russo ser inerentemente autocrático e herdeira do despotismo mongol são historicamente equivocadas, mas perduram ainda hoje, usadas como armas retoricas pela política e pela mídia. Em todo o processo da história russa, o povo russo não foi mero coadjuvante, se revoltando contra medidas autoritárias de seus soberanos (seja sob regime czarista, socialista ou democrata-liberal) e a ameaças estrangeiras. O poder autocrático gerou tanta instabilidade política quanto estabilidade. Crises violentas envolvendo herança do trono foram recorrentes desde a Rus até o fim da dinastia Romanov, da mesma maneira a morte ou deposição de líderes soviéticos geraram conflitos pelo poder que levaram ao desgaste da URSS. Ainda assim a Rússia continuou e continua a existir gerando admiração e temor ao mundo.
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Nic 13/06/2020

O básico da Rússia tá aqui.
Um bom livro, contando desde as origens do povo russo, passando pelos diversos tsares, revolução de 1917, até a queda na URSS e o início da era Putin. Confesso que a leitura foi mais complicada até a página 100, muita informação e muitos territórios e povos que eu desconhecia, os mapas do início do livro são poucos, me vi recorrendo a pesquisas na internet constantemente para conseguir me localizar e "assentar" melhor as ideias. Após a página 100, quando a história chegou em "Pedro, o Grande" a leitura fluiu melhor, mas, ainda tive que fazer muitas consultas na internet. No geral, um bom livro que conseguiu condensar em 482 páginas séculos de história e guerras. O básico de Rússia pode ser encontrado aqui.
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André Figueiredo 06/03/2017

Faltou didática
Por longos trechos do livro tem-se a impressão que o autor necessitava dissertar sobre o assunto da vez, mas carecia da quantidade de páginas necessárias para fazê-lo e mesmo assim não queria deixar de fora nada do que selecionou. O resultado é um texto um tanto relatorial, pouco palatável e corrido demais. Um amontoado de nomes e fatos que não ajuda o leitor.

Após umas 100 páginas, quando chegamos a Pedro, o Grande, este problema desaparece e a leitura se torna fluída. Até agradável. Este estilo se repete em outros capítulos, como o que trata de Catarina, a Grande, "Construindo a utopia" e "Guerra" (sobre a 2ª Guerra) entre outros. O que é um alívio, mas o estilo anterior retorna e este vai e vem, ora agradável, ora desagradável, prossegue e derruba a qualidade geral da obra, passando a impressão que o livro foi escrito a quatro mãos.

Senti grande falta também de mapas ao longo do livro. Ásia setentrional para cá, (montes) Urais para lá e Novgorod para acolá tornam a leitura completamente abstrata quando tenta-se imaginar onde ficam os lugares citados. Este problema persiste pela maior parte do livro e torna-se particularmente grave quando a noção de distâncias e posição geográfica se faz necessária para o bom entendimento do que está sendo explicado.
Há mapas no começo do livro, mas ficar indo e voltando não ajuda a leitura, além de tê-los achado insuficientes. Outros livros de história optam por mapas esquemáticos (setas indicam que tropas foram por aqui ou que uma fronteira era ali e foi para lá) que funcionam muito bem.

O autor demonstra possuir profundo conhecimento do tema, porém isto acaba não ajudando muito diante dos problemas relatados acima.

Quanto a história da Rússia em si é bastante interessante. Vale a pena.
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