Michele Soares 28/03/2021
Breve passeio pelo arquivo de Camus
Ler cadernos não é uma leitura simples, a não ser que seja você mesmo o autor e, às vezes, ainda sim algum desconforto pode vir à tona quando revisitamos nossos antigos cadernos. A matéria de um caderno tende a ser fragmentária, descontínua e diversa ainda que sob a proposta de se vincular a um tema específico. É inevitável. Dentro dos cadernos, somos os deuses que estabelecem a sua organização e direção.
Mergulhar no caderno de outro, por sua vez, tende a ser uma experiência ainda mais curiosa. Nos "Cadernos" de Camus temos de tudo: ideias em estágio embrionário que irão culminar ou serem aglutinadas em grandes romances como "A Peste", "O Estrangeiro", "A morte feliz", entre outros. Há trechos inteiros de cenas, falas soltas, registros da Argélia, esquemas de ensaios, estudos e artigos jornalísticos, citações e breves fichamentos de leituras que o autor realizava no período de escrita do caderno, esboços de personagens e ideias, reflexões de natureza filosófica, política e artística, entre outros.
O passeio tende a ser breve. De 37 à 39 não chegamos a 200 páginas de edição e metade dela é dedicada a um posfácio escrito pelos tradutores e organizadores do projeto que se propõem a sistematizar o que lemos ao longo do caderno, articulando esses trechos com os momentos da vida do autor e as configurações de sua filosofia e produção literária, em prol de um quadro maior, uma mais visão panorâmica e coesa. Muito se fala sobre o absurdo e como esse princípio perpassa suas obras e, evidentemente, também seus cadernos como espaço de gênese e fermentação para as obras. O passeio é breve, mas proveitoso.