erbook 13/06/2020
Duas narrativas sobre o amor!
Este livro de Saramago não me cativou tanto quanto “Ensaio sobre a cegueira”, “Ensaio sobre a lucidez”, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, “As intermitências da morte”, “O homem duplicado” ou “A caverna”, mas, de qualquer sorte, não há dúvida de que é ótima obra literária.
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Raimundo Silva, homem maduro, solteiro e revisor de profissão, num ato inexplicado, troca um “sim” pelo “não” e altera a História do cerco de Lisboa, na medida em que os cruzados “não” auxiliam o primeiro rei português Afonso Henriques a reconquistar a cidade de Lisboa dos mouros no ano de 1147.
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A partir dessa atitude, a editora Maria Sara, após chamar-lhe a atenção e corrigir o equívoco, o desafia a reescrever a História do cerco de Lisboa como se os cruzados efetivamente não tivessem colaborado com os portugueses.
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Neste ponto, Saramago cria dois planos narrativos onde ficção e realidade se misturam e se entrelaçam para discutir as relações amorosas entre pessoas de diferentes classes sociais. Na perspectiva presente, demonstra o surgimento do amor tardio de Raimundo Silva por Maria Sara, do revisor com a editora chefe. Noutra, aborda o amor do soldado Mogueime por Ouroana, mulher do cavaleiro Henrique.
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Saramago, nesta obra, também nos faz refletir sobre os diferentes níveis de percepção entre ver, olhar e reparar. “Tenho me divertido ou instruído, aos poucos, a descobrir a diferença entre olhar e ver e entre ver e reparar, É interessante, isso, É elementar, suponho até que o verdadeiro conhecimento estará na consciência que tivermos da mudança de um nível de percepção, para dizê-lo assim, a outro nível”.
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O “cerco” da obra pode ser interpretado como o muro que separa as diferenças sociais e culturais. No caso presente, a diferença social entre o simples revisor, que sequer possui carro, e a editora chefe, que possui “status” social mais elevado. No caso “histórico” do cerco há grandes diferenças culturais entre os cristãos e os mouros, bem como entre os meros soldados e os cavaleiros.
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Trecho: “cada um de nós cerca o outro e é cercado por ele, queremos deitar abaixo os muros do outro e continuar com os nossos, o amor será não haver mais barreiras, o amor é o fim do cerco”.