Jamilla 19/03/2014“Uma geração vai, outra geração vem; só a Terra permanece”De todas as histórias distópicas, nas quais a civilização é reduzida a um número pequeno de indivíduos que tentam sobreviver após um episódio apocalítico, a do livro Só a Terra Permanece foi a que mais me agradou. Como o autor não utiliza elementos comuns à ficção científica para contar a história e trabalha apenas com conceitos de biologia e antropologia, a imersão do leitor na história é mais completa, pois tudo que é narrado no livro poderia de fato ocorrer caso um vírus dizimasse 95% da população da Terra.
Os sobreviventes do Grande Desastre tem de se adaptar a um mundo onde todo o progresso gerado pelo conhecimento humano vai se extinguindo à medida que o tempo passa. E este é o tema principal do livro.
Ish, o narrador-personagem, é um geólogo aficionado pelas ciências que estudam o comportamento humano, por isso, neste novo mundo ele se atribui o papel de observador das mudanças da natureza e do surgimento da nova organização social.
Inicialmente a preocupação de Ish é com a estagnação da humanidade, que vive do espólio dos bens disponíveis após o Grande Desastre, como por exemplo as comidas enlatadas que são consumidas após duas décadas, mesmo tendo perdido a cor, o aroma e o valor nutricional. Em razão da facilidade na obtenção deste tipo de alimento, os sobreviventes e as novas gerações não se preocupam em produzir a sua comida, e esta falta de iniciativa é vista em todos os aspectos da nova vida.
No entanto, como o passar dos anos ele verificou que as novas gerações regrediriam ao ponto de equipararem-se aos homens das cavernas, já que elas não tinham interesse em obter o conhecimento produzido no passado, e muito menos em evoluir a partir deste saber.
Com este descrédito no futuro da humanidade, Ish, e pensando na sobrevivência das novas gerações, ensina seus descendentes a brincar com arco e flecha para que desenvolvessem a habilidade de caçar e se defender dos animais selvagens. A iniciativa deu certo, e no fim do livro ficamos sabendo que os caçadores, com peles de puma nos ombros, desenvolveram a habilidade de manusear o metal das moedas antigas para fazer ponta para as suas flechas.
A fraqueza da civilização, que no fim do livro regressa ao período pré-histórico, contrapõe-se à força da natureza, que aos poucos retoma o espaço perdido durante a hegemonia do homem, as vezes lentamente por meio da ferrugem ou ferozmente com o fogo que devasta o que sobrou do passado. A fauna, após um período de ajustes, recupera o equilíbrio proposto pelas regras da cadeia alimentar, e a flora exótica, caprichosamente cuidada pelo homem para seu deleite, padece e cede espaço às plantas mais adaptadas às condições ambientais. Neste novo ambiente, o ser humano é só mais um elemento da paisagem natural, sem conhecimento e habilidade para recuperar a posição que um dia já ocupou no mundo.
Algumas resenhas que li dizem que a primeira parte do livro é enfadonha, mas que vale a pena prosseguir, pois fica interessante. Eu, particularmente, gostei mais do início, quando o personagem faz as suas suposições para o futuro, quando analisa as transformações na cidade ocasionadas pela ausência do homem, quando ele atravessa os EUA e verifica a força da natureza consumindo as realizações humanas… jardins, ruas, estradas, pontes, e cidades inteiras.
Boa leitura.