Raphael 15/12/2020“O que Jesus disse? O que Jesus não disse?” de Bart Ehrman. Este livro tem como subtítulo “Quem mudou a Bíblia e por quê?”. A obra faz uma profunda análise do texto bíblico tendo como parâmetro a seguinte ideia: “A bíblia é a palavra infalível de Deus, ela não contém erros. É completamente inspirada e é, em todos os seus termos, inspiração verbal plena”. Mas, será que é isso mesmo?
Surgem, aí, problemas de diversas naturezas. Em primeiro lugar, não temos os manuscritos originais da bíblia. Eles se perderam com o passar do tempo. Contudo, mesmo os originais, eles foram escritos por diversos copistas, sucessivas vezes (lembrando que à época não havia impressora) e esses copistas, inadvertida ou intencionalmente, introduziram mudanças em diversas passagens, e o autor analisa de forma minuciosa como é seguro fazer esta afirmação.
Os copistas tinham interesses variados para mudar o texto das escrituras, inclusive motivações teológicas mesmo, considerando que o cristianismo à época já era bastante ramificado. Além disso, os copistas primitivos tiveram contato com a mensagem depois de ela ter sido transmitida oralmente, não se sabe ao certo, mas, salvo engano sobre o período, por cerca de vinte anos . Imagine a quantidade de distorções produzidas em tanto tempo de transmissão oral. Lembrando, ainda, que os copistas copiavam toda a extensa escritura à mão, temos que levar em consideração outra espécie de erro que certamente ocorreu muito: o erro acidental.
No mais, o autor relata que o sentido completo e as nuances do texto grego do Novo Testamento (e do hebraico no antigo), só podem ser plenamente apreendidos quando lidos e estudados no original. Questiona-se, assim, como as traduções posteriores em língua inglesa, alemã, etc, poderiam refletir fielmente a inspiração divina? E isso, ainda, desconsiderando um problema talvez maior: a questão dos erros de tradução. O autor apresenta tais pontos de vista citando exemplos do texto bíblico, mas não haveria espaço aqui para eu reproduzi-las.
Enfim, de que serve dizer que as palavras são inspiradas por Deus se a maioria das pessoas não tem o acesso a essas palavras, mas apenas a versões mais ou menos canhestras dessas palavras para uma língua, como o português, por exemplo, que nada tem a ver com as palavras originais? Ademais, podemos pensar o seguinte: se Deus não conseguiu preservar as palavras originais do texto bíblico para que chegassem até nós, por que acreditar que elas são inspiradas divinamente? E se alguém insistir nisso, de nada adianta os originais terem sido inspirados divinamente, eles simplesmente não chegaram até nós.
Concluindo, apenas a título de curiosidade, há uma passagem alterada no novo testamento para ocultar um episódio particular em que Jesus irritou-se. Trata-se de Marcos 1:41 em que ele está curando um leproso. Ao invés de dizer que Jesus ficou “irado”, alguns manuscritos gregos adaptaram o texto para “teve compaixão” do leproso.