Lucas.Sousa 04/07/2021
Édipo e o destino dos helenos na Guerra do Peloponeso
A tragédia de Sófocles sobre o mito de Édipo certamente é muito conhecida pela apropriação do mito pela teoria psicanalítica de Freud, mas pouco se fala de como a tragédia exprimia bem o momento pelo qual Atenas passava no momento em que a peça estreava.
Nesse sentido, para além da identificação do destino de Édipo com Atenas, algo já feito pelo helenista Bernard Knox em "Oedipus at Thebes: Sophocles' Tragic Hero and His Time", é possível pensar o próprio destino pessoal de Péricles, o maior líder político do mundo grego antigo, o responsável pela chamada "Era de Ouro" de Atenas e do mundo grego, e o destino de Édipo.
Tal como o herói da tragédia, que liberta Tebas do jugo da terrível Esfinge, Péricles, auxiliando Temístocles, é um dos responsáveis por libertar a Grécia antiga do jugo do Império Persa. Alçando-se à liderança da cidade, vai promover uma política expansionista que trará riqueza, poder e glória para Atenas. Mas tal como Édipo, cego pela posição de poder que ocupa, não enxergará onde está, e quem é, e para onde se dirige. Sua posição energética em favor da Guerra contra os espartanos levará Atenas, antes a principal e mais poderosa pólis da Grécia, a principal responsável pela derrota dos persas, às ruínas da fome, da peste e da miséria. Exatamente como Édipo para Tebas, Péricles, antes o herói e maior orgulho de Atenas, e principal autor de seu poder e glória, agora é também o principal autor de sua tragédia.
Knox nota que muito provavelmente os atenienses que viam a peça se comoveriam pelo destino de Tebas e Édipo, igualando ao destino desolador de Atenas. Mas é possível imaginar também que viam em Édipo o seu próprio líder, Péricles, em sua tragédia pessoal.
O desconhecimento de Édipo sobre as consequências do que viria após as descobertas do novo enigma colocado, é algo semelhante de Péricles e dos atenienses sobre as consequências da Guerra do Peloponeso. E, quando a Guerra acontece, as desgraças e tragédias primeiras já lançam sombras e nuvens escuras sobre o destino dos atenienses, tal como o destino de Édipo agora é incerto e suas lavras aterradoras:
ÉDIPO
Ai de mim! Como sou infeliz!
Aonde vou? Aonde vou? Em que ares
minha voz se ouvirá? Ah! Destino!…
Em que negros abismos me lanças?
CORIFEU
Num turbilhão de imensa dor, insuportável
até na descrição, até à simples vista!
(na tradução de Gama Kury pela Zahar)
Dois anos após o início da Guerra do Peloponeso, Péricles morre pela peste. Seu fim é trágico. E se antes poderia se dizer o homem mais feliz da Grécia, nos últimos momentos de sua vida certamente não haveria homem mais desgraçado que ele. Fraco politicamente, não conseguira que seu filho com a célebre Aspasia ganhasse o direito à cidadania ateniense, já que Aspasia era natural de uma colônia, Mileto. Sua linhagem, tal como a de Laio e Édipo, é amaldiçoada, e será alvo de seus inimigos e desafetos políticos.
Ao ver a tragédia pessoal de Péricles, que se confunde com a tragédia da própria cidade de Atenas, as palavras finais da obra de Sófocles nos surgem como advertências de forte valor para a situação daquele momento:
Olhai o grão-senhor, tebanos, Édipo,
decifrador do enigma insigne. Teve
o bem do Acaso - Týkhe -, e o olhar de inveja
de todos. Sofre à vaga do desastre.
Atento ao dia final, homem nenhum
afirme: eu sou feliz!, até transpor
- sem nunca ter sofrido - o umbral da morte.
(na tradução de Trajano Vieira pela Perspectiva)
Fazendo uma breve alteração dessas poderosas palavras finais, poderíamos ver melhor as semelhanças dos destinos aqui comparados:
Olhai o grão-senhor, atenienses, Péricles/Atenas,
aquele(a) que derrotara os terríveis persas. Teve
o bem do Acaso - Týkhe -, e o olhar de inveja
de todas as polis e dos outros líderes políticos.
Sofre à vaga do desastre: a guerra, a fome, a peste.
Atento ao dia final, homem nenhum, nem cidade alguma
afirme: eu sou feliz! Ou invencível!, até transpor
- sem nunca ter sofrido - o umbral da morte.
Atentos a essas palavras, devemos jamais subestimar as vicissitudes do acaso, que pode mostrar que mesmo terríveis dentes de um poderoso tigre são nada mais que papel.