Kath 24/08/2017
Vingança, mitologia japonesa e a singularidade humana
Namima e Kumikuu são duas irmãs que vivem numa ilha ao sul do Japão medieval, Namima é muito apegada à sua irmã que lhe devota amor e companheirismo, pelo menos até seu aniversário de seis anos quando sua avó Mikura, chama-a de "impura" e diz que a partir daquele momento ela não pode mais tocar em nada de Kumikuu e nem mesmo dirigir-lhe a palavra. Confusa, Namima não entende o que está acontecendo até que sua mãe lhe explica as rígidas leis que regem Umihebi, a ilha onde ela mora. Kumikuu, a irmã mais velha, é yang protetora do sol, enquanto Nimima é yin a impura.
Quando Mikura leva Namima para reclusão para prepará-la para assumir seu lugar, é dever de Namima, a impura, levar-lhe a melhor comida todos os dias e jogar fora aquilo que a irmã não come uma vez que ela é a impura não pode tocar em nada que Kumikuu toque. A tarefa desgasta a menina porque sua ilha é muito pobre e pessoas morrem de fome enquanto ela tem que jogar fora todos os dias uma comida de alta qualidade e muito rara. Kumikuu dá uma escapadela para falar com a irmã e além de expressar sua tristeza pelo destino de Namima, confidencia também seu amor proibido por Mahito, cuja família - considerada amaldiçoada - é exilada pelos moradores e ele não pode sequer juntar-se aos homens para pescar.
Uma das capas japonesas do livro :o
Namima também é apaixonada por Mahito e quando o encontra furtivamente numa noite em que está indo jogar fora os restos deixados por sua irmã, não consegue negar-lhe a comida que ele lhe pede. Sua mãe está grávida e muito fraca porque ninguém consegue comida suficiente em sua família, que é responsável por oferecer as sacerdotisas auxiliares, como ela não dava a luz a uma menina ha muito tempo consideraram a família amaldiçoada e os exilaram. Ninguém na ilha podia ajudá-los ou mesmo dirigir-lhe a palavra. Com a esperança que dessa vez ela desse a luz a uma menina, Namima aceita ajudá-lo dando-lhe a comida que Kumikuu deixou, mas quando a mulher dá a luz é outro menino.
Atordoado, Mahito incita Namima a comer com ele a comida da sacerdotisa toda noite e, no envolvimento dos dois, eles acabam se entregando ao amor. Namima se preocupa porque infringiu todas as leis supremas da ilha: comeu da comida do oráculo sendo uma impura e teve relações com um homem amaldiçoado, se alguém descobrisse ela seria condenada a morte. Quando Mikura morre deixando para Kumikuu a incumbência da sacerdotisa da ilha, Namima acaba descobrindo seu sombrio destino como sacerdotisa das trevas, ela seria afastada de todos os moradores e confinada a uma cabana no cemitério onde passaria a vida cuidando dos mortos e guiando suas almas para a outra vida.
Assustada, principalmente por saber que estava grávida de Mahito (e a sacerdotisa das trevas tinha de ser virgem) ela implora para que não fizessem isso com ela, mas ninguém, nem mesmo sua família, mostra-lhe qualquer clemência. Não apenas cumprir seu papel com os mortos, mas em virtude da morte de Kumikuu ela também deveria morrer ainda que estivesse bem de saúde. Desesperada, Namima aceita fugir com Mahito para salvar a vida de sua criança e eles ficam por meses a deriva no mar em direção a Yamato, a ilha maior, onde recomeçariam suas vidas. Ela dá a luz a uma menina dentro do barco, mas é surpreendida pelas mãos do marido estrangulando-a e desperta no mundo dos mortos para servir a Izanami, a deusa dos mortos.
A partir daí segue-se um entrelaçar da vida de Namima com a vida da deusa e Izanaki, o deus que a condenou a permanecer no submundo pela eternidade e tirar, todos os dias, mil vidas. Namima se identifica com essa deusa cheia de ódio e amargura, atormentada para descobrir como está sua filha e a razão de Mahito tê-la matado, ela desafiará perigos de uma volta breve ao mundo dos vivos que vai mudar tudo que ela acreditava para sempre. As vidas de Izanaki, Namima e sua filha entrelaçar-se-ão de uma maneira que nem mesmo nós vamos acreditar.
Eu achei o livro muito bom, ele intercala a narração na primeira pessoa, por Namima, e terceira pessoa contando uma passagem de Izanaki como o "mortal" Yukinahiko. Há descrições e, a melhor parte, muito sobre as lendas e costumes do Japão medieval, gente é fascinante. Foi uma experiência única ler uma literatura realmente japonesa, eu tinha tentado ler A Imperatriz do chinês Da Chen, mas não rolou simplesmente, fiquei um pouco traumatizada, vou tentar voltar depois, mas a Natsuo certamente entrou na lista de autores que eu vou querer ler de novo. Em alguns momentos as descrições podem estranhar a nós ocidentais por não fazer parte do nosso cultural monoteísta, eu mesma fiz algumas pesquisas para conseguir entender o que se passava. O final do livro é agridoce, há umas coisas que não explicou direito (ou fui eu que deixei passar algum detalhe, não sei), mas no geral é muito bom! 4 estrelinhas de 5.
site: http://myrefuge-katharynny.blogspot.com/2017/08/o-conto-da-deusa-natsuo-kirino.html