MiCandeloro 06/07/2014
Completamente perfeito!
Amelia Loman é uma representante de livros da Editora Pterodactyl. Sua tarefa resume-se a visitar livrarias clientes oferecendo os livros do catálogo de maneira que os torne irresistíveis, a ponto de fazer os livreiros comprá-los. Teoricamente não é uma função fácil, mas Amelia é muito boa no que faz.
A.J. Fikry é livreiro e dono da Island Books, única livraria de Alice Island. A.J. não é uma pessoa fácil de se aturar. Pedante, mal-humorado e carrancudo, carrega no peito um coração partido e a dor que o consome o transformou numa pessoa isolada e antissocial. Não é à toa que sua livraria está sempre às traças e que seu faturamento vai de mal a pior. E justamente por isso que seu primeiro encontro com Amelia é um total desastre.
Sua única garantia de aposentadoria é o raro exemplar de Tamerlane, que guarda numa redoma com segredo em casa. Mas certo dia, seu livro é roubado, e nem o aplicado Detetive Lambiase consegue resolver esse mistério. A.J. fica arrasado, mas mal sabe ele que a vida preparou uma surpresa muito maior que irá fazê-lo rever todos os seus conceitos e planos.
O que fazer quando você descobre uma bebê deixada em sua loja com apenas um bilhete? Maya, uma menina linda de apenas dois anos, irá movimentar a pacata rotina de uma cidade pequena, unindo a vida de diversas pessoas que antes mal se conheciam e proporcionando uma mudança sem volta.
"Você descobre tudo que precisa saber sobre uma pessoa com a resposta desta pergunta: Qual é o seu livro preferido?"
Querem saber o que vai acontecer? Então leiam.
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Quando li a sinopse de A Vida do Livreiro A.J. Fikry me interessei de imediato, afinal, adoro todas as histórias que falam sobre livros. Mas nunca, jamais, poderia esperar que este livro fosse me surpreender tanto. Gabrielle conseguiu criar uma trama cheia de drama, romance, mistério, com uma pitada de humor sarcástico, misturada a um universo literário fantástico que me fez me sentir em casa.
Tem coisa melhor do que um leitor assíduo e apaixonado ler uma obra que fale a nossa língua? Ler sobre personagens que sabem o que sentimos ao comprar um livro novo, ao sentir o cheiro de letras impressas, o quanto é bom discutirmos literatura com outras pessoas que igualmente compartilham dessa paixão?
A Vida do Livreiro A.J. Fikry é entupido de referências literárias de livros que conheço e amo a livros que nunca ouvi falar. Me diverti com as passagens referentes aos clubes de leitura feitos na livraria, aos blogueiros pedantes que se acham e se exibem com os livros recebidos de parceria, e as críticas que os leitores costumam fazer quase que imperceptivelmente ao terminar uma leitura. Mas o que mais gostei foi ver Maya, pequenina, resenhando seus livros infantis através de desenhos, já que não sabia escrever. Ver uma criança crescer apaixonada por esse universo emociona, de tão bom que é.
“Sei não, Izzie. Tô te falando. Livrarias atraem o tipo certo de gente. Gente boa, que nem o A.J. e a Amelia. E eu gosto de conversar sobre livros com pessoas que gostam de conversar sobre livros. Gosto de papel. Gosto da textura e gosto de sentir um livro no bolso. Gosto do cheiro de livro novo também."
O livro é narrado em terceira pessoa, de maneira intimista e delicada. Os personagens são tão bem construídos que é impossível acreditar que não são reais. Eu quase desejei que fossem mesmo, para poder trocar figurinhas sobre livros que amo com eles. Apesar da história ter como pano de fundo a livraria e tudo que a envolve, como os dilemas dos livreiros de se encomendar o livro certo, planejar eventos com autores, lidar com a crise financeira e com os receios de prejuízos dos negócios em razão da proliferação dos ebooks, A Vida do Livreiro A.J. Fikry vai muito mais além.
"As palavras que não encontra, pede emprestado. Lemos para saber que não estamos sós. Lemos porque estamos sós. Lemos e não estamos sós. Não estamos sós. Minha vida está nestes livros. Leia estes livros e conheça meu coração. Não somos como romances. Não somos como contos. No fim, somos como obras selecionadas. Não, não muito tempo."
Fiquei completamente emocionada de ver a evolução de todos os personagens no decorrer da trama. A.J., por mais detestável que podia parecer para alguns no início, me cativou logo de cara. Sabia que no fundo ele era uma boa pessoa, apesar de ranzinza. Ele me lembrou muito os personagens de Lula Molusco, do desenho Bob Esponja, e Gru, da animação Meu Malvado Favorito.
Amelia é uma personagem peculiar, de gosto duvidoso, mas extremamente cheia de luz. Maya é uma bebê que todos amariam ter. O relacionamento criado entre A.J. e Maya é tão lindo que me faz acreditar num mundo melhor. Maya é uma criança inteligente e sensível, e seu amor pelos livros e pela escrita a acompanha desde pequena. Maya quer ser escritora, e é adorável observá-la seguir nessa jornada. Lambiase e Ismay começaram com um papel pequeno na história, mas igualmente conquistaram o meu coração.
"A boa notícia, srta. Fikry, é que todo tempo que passo lendo, estou aprendendo a escrever melhor”,Maya pensa a respeito. “Eu quero esse emprego.”
O final, apesar de ser triste, é tocante, profundo e cheio de significados. Foi interessante ver todas as pontas se fechando e vendo como tudo na vida faz sentido. A cada início de capítulo nos deparamos com anotações pessoais feitas por A.J. com um intuito precioso que vocês só descobrirão depois.
Eu costumava dizer que tinha três livros favoritos na vida, agora definitivamente tenho quatro. Amei tanto A Vida do Livreiro A.J. Fikry que fico querendo que todos leiam e se apaixonem pela obra tanto quanto eu. A real é que por mais que eu fale, nunca conseguirei pôr em palavras tudo o que este livro representou para mim. Nunca nenhuma resenha chegará aos pés dele. Apesar disso, também sei que este é um texto diferente, mais adulto, mais poético, e que não irá agradar a todos os gostos. Como diz A.J., existe o momento certo para se ler cada livro, e este foi o meu. Só posso torcer para que seja o de vocês também :)
"Li pela primeira vez em Princeton, num seminário chamado Literatura do Oeste Americano e não fiquei nem um pouco emocionado. Deparei-me com o conto outra vez, há uns dois anos, e chorei tanto que você vai ver que o livro está manchado. Acho que fiquei mole depois da meia-idade. Mas também acho que minha nova reação está relacionada com a necessidade de encontrarmos histórias no momento certo de nossas vidas. Lembre, Maya: as coisas que nos tocam aos vinte não são necessariamente as que nos tocam aos quarenta, e vice-versa. Isso é verdade para livros e para a vida."
Resenha originalmente publicada em: http://www.recantodami.com/2014/07/resenha-vida-do-livreiro-aj-fikry.html