Kaydson Gustavo 13/11/2020
"Às vezes os livros só nos encontram no momento certo." (p. 63)
"Só conversamos sobre livros, mas o que, nessa vida, é mais íntimo do que livros?"
É esse o questionamento que faz o livreiro A.J Fikry se indagar quando descobre que o representante de uma das editoras da qual é cliente faleceu. Não que fossem amigos, porque não eram, mas saber da morte de alguém que via com certa regularidade é como jogar mais ácido no seu humor, já nem tanto agradável. E saber disso tempos depois, porque surgira Amelia, a nova representante, deixa A.J. ainda mais irritado.
A.J. é dono de uma livraria. Não dessas que tem escadas giratórias, milhares de andares e tudo o mais. É simples, pequena e somente com os livros que o proprietário escolheu a dedo. A.J. carrega o lema da sua livraria para a vida: "Nenhum homem é uma ilha; cada livro é um mundo. (p. 5)
O nascimento do seu humor ácido e sua misantropia vieram após o falecimento da sua esposa: Nicole Evans, a querida Nic. O ruir do castelo de A.J. acontece após a fatalidade, como se os pontos do horizonte sumissem e tudo ficasse escuro, sem rumo. A.J. perde completamente todo cuidado próprio e a responsabilidade com sua saúde, fast-foods e garrafas de vinhos são os seus bons-dias e suas boas-noites.
Para A.J. a única coisa de valor que ele possui agora é seu livro raro: Tamerlane. Um livro de contos raros do Edgar Allan Poe que vale na casa dos milhares. Acontece que, como toda desgraça na vida do A.J é pouca, o livro é roubado.
Perder a esposa, perder o representante (que ao menos conhecia o seu gosto) e vir uma nova chamada Amélia, totalmente divergente das escolhas que já lhe era habitual tomar na compra de livros, a crise na livraria e a única coisa que parecia ter valor, seu livro raro, no mínimo, abala um pouco a experiência humana de positividade com a vida.
O livreiro perde seu total apego as coisas, começa a sair para correr e deixar sua livraria aberta, afinal, a única coisa que tinha de valor havia sido levada. Até que ao voltar encontra um embrulho, um presente (?), não se sabe! É um clique! Uma chave que vai modificar toda sua vida e abrir novas portas.
Percepções.
Para pessoas como eu que tem gostinho por ironias e sarcamos, A.J. é mesmo minha personagem favorita, O Dr. House dos livros. É um livro que lhe atravessa, transpassa, ultrapassa! Os sentimentos vão de alegria, raiva e tristeza, jogados em um liquidificador na velocidade três. A Gabrielle (autora) nos joga na montanha-russa de sua escrita. Sua linha não é cronológica, mas é um fio ligado do coração aos livros. É o terceiro livro mais bonito que li em 2020. Guardei rancor de uma personagem, amei outra incondicionalmente, quis chorar por uma e fui feliz por outra, igual na vida, nosso carrossel de sentimentos.
Eu garanto que você vai amar esse livro, essa história. Vai se envolver e se entregar! Não será rápido, ainda que as letras lhe envolvam e nem tão lento quanto um freio brusco... será como uma folha no fim da primavera vindo a florescer... como num desabrochar: um desabrochar tardio.
"A primeira vez que vi você, achei parecida com um dente-de-leão." (p. 90).
Dentes-de-leão são plantas selvagens, não podem serem compradas, são livres e selvagens. Se você tocar ela desmancha e se mergulhar e tornar a superfície ela fica intacta.
Não é o toque, mas é o mergulhar que a mantém intacta. Inteira.