Nick 04/02/2015
Uma chama jovem e imprudente
O incendiário é um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos e, com certeza, dividirá opiniões entre leitores.
A obra trata do conflito entre ser jovem e seus ritos de passagem para a fase adulta, onde Daniel descobre subitamente um poder que teve desde criança, mas agora finalmente parece ter a habilidade para usá-lo.
O fogo (poder de Daniel), aparentemente representa a energia e vigor do próprio R. J. Mendes canalizada nessa obra, onde ele expõe seu íntimo, de maneira ora sutil, ora evidente, nas linhas do livro.
Dito isso, “O Incendiário” é extremamente imaturo, Mendes é bastante jovem e é de meu entendimento que escreveu o livro em pouquíssimo tempo.
Qualquer leitor ávido dirá que é possível prever passos narrativos que o autor irá seguir, entretanto, o mesmo dirá que é impossível prever a execução desses passos.
Inúmeras vezes previ o futuro da trama, personagens e até falas específicas, porém, página a página fui surpreendido por um misto de criatividade e inabilidade que resultam em uma sensação de estar viajando pelos anéis de Saturno, com detritos te empurrando para todas as direções possíveis, onde tudo que se pode fazer é flutuar pelo vazio e esperar para ver que fim irá levar.
O livro muitas vezes tenta ser poético (obtendo, também o mesmo resultado) e trabalha detalhes sutis, onde até mesmo na composição dos capítulos há significados nos números para quem souber observar.
Uma das coisas mais curiosas é a forma como são tratados o corriqueiro e o fantástico. Alguns elementos de fantasia são apresentados e tratados como cotidianos, como por exemplo Daniel treinando o uso das chamas como se estivesse praticando jogar bolinha de gude e elementos cotidianos apresentados como fantásticos como as cataratas do Iguaçu que ele descreve tal como Tolkien descreve 'Gondor'.
Também há momentos em que os personagens se deslocam pelo mundo num modo "deus ex machina" que coloca as águias de "O Hobbit" no chinelo, e mesmo quando é bem explicado e preparado, Mendes consegue dobrar a realidade e fazer um passeio de ônibus virar o 'dia D'.
Os personagens são fascinantes, sem dar 'spoilers', posso afirmar que são a fundação do livro e representam bem todos os méritos e deméritos do mesmo.
R. J. Mendes colocou muito de si em “O incendiário”, e isso é evidenciado pela energia e pelo sonho de grandiosidade saudável que toda obra iniciante deveria ter. É admirável a força vontade do nosso jovem autor, que já admitiu que "O Incendiário" é o primeiro de cinco e já ter anunciado a sequência.
Àqueles que acham que estou dando mais valor do que este livro aparenta merecer, não vou mentir: O livro é mal acabado, tem escolhas estéticas sofríveis na capa, título, fontes, diagramação, material físico, problemas na impressão, correção e revisão.
Todos esses defeitos, entretanto, são facilmente corrigidos e podem ser ignorados durante a leitura, que por sinal tem uma fluidez bastante agradável. Já apreciar a qualidade da escrita vai depender do quanto o leitor é capaz de sentir fascínio por uma obra tão imperfeita, que acaba por ser especial e, francamente, muito divertida.
Aconselho o livro a todos que desejam começar a escrever, a estudiosos de formas narrativas e a fãs de leituras alternativas. É um livro para ser encarado de forma leve e apreciado como um conjunto de imperfeições perfeitamente encaixado.