Elder F, 01/12/2015
Mais do que máquinas, precisamos de humanidade
A publicação de "Howl and Other Poems" em 1956 deu visibilidade a um movimento de escritores que em breve seria conhecido no mundo inteiro como a Geração Beat. No meio da intensa atmosfera cultural norte-americana dos anos 50, onde juntos fervilhavam jazz, drogas, liberdade sexual e longas viagens feitas a base de caronas, Allen Ginsberg emergiu como o poeta visionário fundador de uma geração que inspirou a contracultura americana da segunda metade do século XX. Ao escrever o poema "Howl", tido como uma das grandes obras da literatura norte-americana, Ginsberg quebrou a barreira invisível que definia padrões literários e ditava regras de comportamento, influenciando, assim, as outras gerações que se seguiriam.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, veteranos de guerra voltavam para o lar de suas famílias e vidas nos subúrbios norte-americanos, casando-se e começando a viver o sonho americano que tanto sufocava Laura Brown em "The Hours" (2001). Do outro lado, estava uma juventude com nada a perder, vivendo no limite da vida e ansiando abrir os braços e voar através do tempo e espaço, buscando encontrar espiritualidade e libertação, e, acima de tudo, querendo ganhar algum dinheiro, comprar algumas bebidas e transar bastante.
O fim da Segunda Guerra levou escritores como Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs a se questionarem sobre o que era visto como padrão na sociedade, especialmente nos campos da política e cultura. O interesse em mudar a consciência e desafiar a escrita convencional os levou a diferentes níveis de experimentação literária e pessoal. A Geração Beat se destacava por travar uma batalha contra o conformismo social e os padrões literários, incentivando, assim, uma ruptura dos valores tradicionais. Enquanto os Estados Unidos caminhava em direção a calmaria, o movimento beat criava tornados e os lançava na direção dessa sociedade padronizada.
Considerado um dos primeiros trabalhos preliminares da Geração Beat, "Howl" era um apelo desesperado em uma época atormentada pela intolerância bem como uma canção de libertação. O estilo escolhido por Ginsberg soava casual e amador para muitos dos poetas tradicionais da época, fazendo com que as críticas em cima de sua obra fossem ferrenhas. Em "Howl", que mais tarde se uniria a outros poemas para se tornar "Howl and Other Poems", Allen fala sobre uma parte da sociedade que se opõe ao consumismo americano do seu tempo. Ginsberg e suas posturas pessoais e políticas exibidas em seus textos danificavam as sensibilidades morais do público em geral - e ele logo viria a saber disso.
"Howl" é divido em três partes e 112 linhas, sendo as linhas tão longas que se assemelham a um parágrafo. Ginsberg queria que cada linha fosse lida numa única respiração para que ao final da leitura de cada linha o leitor ficasse sem ar. Ao usar diferentes padrões rítmicos, "Howl" transporta o leitor em um constante movimento, ainda que nenhum lugar seja mais mencionado no texto do que a cidade de Nova York. Na cidade que nunca dorme, viajamos pelos metrôs, bares, lanchonetes, apartamentos apertados e becos escuros, onde homens com seus furtivos encontros sexuais tentam escapar da polícia.
"Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura,
morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa."
Ao escrever "Howl", Ginsberg não poderia imaginar a confusão que seu livro causaria na opinião pública. Como depois confessou em entrevistas, o autor jamais esperaria que o poema fosse ser publicado e, somente por isso, ele o escreveu com total liberdade, sem preocupações quanto ao uso da linguagem, das imagens sexuais e das alusões ao uso de drogas presentes no texto. Ao abordar temas até então considerados tabu como homossexualidade e consumo de drogas, "Howl" atraiu uma grande quantidade de críticas, motivando um processo por obscenidade contra Ferlinghetti, dono da City Lights Bookstore, editora que publicava nos EUA a coletânea que continha o poema.
Ainda que alguns tenham especulado se o livro faria todo o sucesso que fez se o julgamento por obscenidade não tivesse acontecido, visto que na época o livro virou o centro das atenções, é indiscutível que “Howl” tenha aberto portas para outros escritores da Geração Beat, tanto que em 1957 Kerouac publicaria "On the Road" e, em 1959, Burroughs publicaria "Naked Lunch". A obra de Ginsberg virou notícia e polêmica por causa do julgamento, mas o mais importante foi que sua poesia e sua vida se provaram influentes em gerações posteriores. Ginsberg foi a cola que contribuiu para aproximar toda uma geração de artistas, ativistas e escritores. E "Howl" foi o uivo que uniu essa alcateia.
Em 2010, Jeffrey Friedman e Rob Epstein transformaram "Howl" em filme, mesclando na história a declamação do poema em um dia histórico para Ginsberg em São Francisco, a vida do próprio poeta, interpretado por James Franco, e o julgamento por obscenidade movido contra o editor da City Lights Bookstore. No Brasil, a obra foi traduzida por Claudio Willer e publicada pela L&PM Editores, de onde o trecho traduzido utilizado nessa resenha foi extraído. Dada a exposição do seu trabalho no mundo inteiro, Allen Ginsberg fez legiões de leitores pararem e pensarem sobre a insanidade resultante de uma sociedade que valoriza o sucesso e prega o consumismo sob a bondade humana e a solidariedade. Ginsberg, sem dúvida, deveria concordar com Chaplin: "mais do que máquinas, precisamos de humanidade."
site: http://www.oepitafio.com/2015/12/howl-and-other-poems-allen-ginsberg.html