Luís Aracri 17/03/2015
O único lançado no Brasil... mas não o melhor.
Foi com muito atraso - quase vinte anos - que "Touching From a Distance", a biografia de Ian Curtis, o falecido vocalista do cultuado grupo Joy Division, saiu no Brasil. E esta é a segunda vez que eu comprei o livro... A primeira, exatamente em 1997, foi quando eu encontrei em uma pequena livraria (hoje extinta) no Shopping Rio Sul a primeira tradução para o português - só que importada de Portugal. O título daquela edição era "Carícias Distantes", algo bem distinto do atual título empregado pela Edições Ideal no Brasil ("Tocando à Distância"). Essa lance da tradução é sempre um negócio complicado, escorregadio... e perigoso! O título vem da letra da música "Transmission", de modo que é de bom tom dar uma espiada na estrofe como um todo para não tirar a frase do seu contexto original. "Touching", saindo da sua tradução literal ("tocando", do verbo "tocar" ou "encostar"), também pode ter outros sentidos e significados, como "comovente" ou, ainda, "desvanecer". Voltando aos versos: "Staying in the same place, just staying out the time, touching from a distance, further all the time" poderia, então, ser traduzido como, "Sem sair do lugar, apenas ficando sem tempo, desvanecendo à distância, mais longe o tempo todo". Complicado, né?
Bem, o livro foi escrito pela viúva de Curtis, Deborah, e sua chegada ao Brasil veio em dois formatos: um em capa dura e outro em brochura. Como fã HARDCORE de Joy Division e New Order há 27 anos (um pouquinho só, né?), optei pela edição de capa dura. Na aparência, tudo ok. O problema é que, excetuando as páginas com as fotografias coloridas (em contraste com minha antiga edição lusitana, cujas fotos eram em P&B), as páginas de conteúdo textual possuem papel de baixa gramatura, para não usar a expressão "barato". Ora, uma edição "hardcover", para realmente se diferenciar da sua irmã de baixo custo, tem que oferecer mais do que apenas uma capa mais resistente e uma melhor encadernação - a qualidade deveria se estender também para todo o miolo. O ponto forte, no entanto, é que a versão nacional de "Touching" se baseou nas edições mais recentes do livro, portanto traz diversos mimos como letras traduzidas, letras inéditas resgatadas dos manuscritos de Ian Curtis, discografia atualizada etc.
Agora, falando do livro em si... Bem, é uma biografia de Ian Curtis, portanto a história do Joy Division vai se desenrolando no esteio da saga do protagonista. Em outras palavras, a história do Joy Division é, neste livro, contada como parte da história de Ian Curtis (diferente, por exemplo, do livro do ex-baixista Peter Hook, "Unknown Pleasures", no qual Curtis é um personagem da história do JD, que é a que está em primeiro plano). Além disso, o ponto de vista a partir do qual essa história é contada é o da viúva que, em primeiro lugar, foi alvo da política "namoradas e esposas fora" adotada pela banda, teve seu casamento já frágil tumultuado pelo caso extraconjugal do marido e que alega ter sido alienada do agravamento das crises de epilepsia do esposo ao longo das turnês. Ou seja, uma perspectiva nada imparcial (o que é natural), a partir da qual Curtis é retratado às vezes como um manipulador, além de "arquiteto" de sua própria queda, e que teria transformado a todos em meros espectadores. Ao longo do livro, ela insinua, nas entrelinhas, que se os que estavam em volta dele na carreira musical não tivessem criado tantas barreiras, ela teria percebido os "sinais" do que viria a acontecer. E se, e se, e se...
Pois é, "Tocando a Distância" peca um pouco por ser uma espécie de "desabafo" da ex-esposa traída e indignada, que precisava por para fora o que havia ficado entalado na garganta. É ilustrador no que diz respeito sobre diversos traços da personalidade de Ian, mas não traça (ao contrário do que se supõe) um perfil completo desse gênio que se foi precocemente, além de haver alguns errinhos aqui e ali sobre determinados shows ou outros aspectos biográficos do Joy Division. Quem deseja saber mais sobre outras facetas de Curtis, além de detalhes mais completos sobre a história do Joy Division, recomendo o já citado livro do Peter Hook, que apropriadamente tem como subtítulo "Inside Joy Division", e os dez primeiros capítulos de "Chapter and Verse: New Order, Joy Division and Me", do ex-guitarrista do JD Bernard Sumner.
Por último: dispensem a leitura do prefácio à edição brasileira escrito pelo Kid Vinil. Aquilo é o maior festival de MENTIRAS e LOROTAS que eu já li na minha vida e que vão desde o show do Joy Division que ele alegou ter visto no The Venue (lugar que nunca existiu, que o JD nunca tocou e que no exato dia em que ele disse ter assistido o concerto a banda estava de turnê pela Europa Central) ao relato de quando ele soube da notícia da morte do cantor em Londres no exato dia do ocorrido, 18 de maio de 1980 (impossível, porque o primeiro a dar a notícia publicamente foi o radialista John Peel no dia seguinte).