JRT 11/04/2022
Um trabalho imperfeito (é claro), porém necessário. O autor, Juiz Eleitoral no Maranhão, oferece uma visão didática e esclarecedora da corrupção política e administrativa que perpassa os poderes legislativo e executivo, o mercado de obras e serviços, e o próprio processo eleitoral.
O narrador do livro é o fictício deputado Cândido Peçanha, que, com variados exemplos - aparentemente colhidos da "vida real" -, relata ao leitor os mecanismos nada republicanos pelos quais ele e outros "colegas" de carreira política se elegem e se perpetuam no poder, e também o alto preço que aceitam pagar por isso.
Embora peque pela generalização, a obra mostra "por dentro" práticas arraigadas de corrupção eleitoral e administrativa, chamando a atenção para os seus impactos - que não são meramente financeiros, mas também afetam, por exemplo, os serviços públicos e, o que é mais grave, distorcem ou desvirtuam o próprio regime democrático-representativo.
O que se revela, ao final, é um sistema político viciado, carente de reformulação e atravessado, de cabo a rabo, pelo clientelismo e pela privatização da autoridade pública.
Destacam-se, como vetores dessa corrupção generalizada (que não é individual, mas do próprio sistema político e eleitoral), o financiamento privado de campanha, as emendas parlamentares individuais, as "promessas" de obras públicas pontuais, os convênios com entidades "pilantrópicas", as fraudes licitatórias, cartéis empresariais e conluios, a agiotagem eleitoral, a compra de "apoios", o loteamento de cargos e a distribuição de "favores", além da compra de votos (propriamente dita) e de outras formas de "endividamento", chantagem e coação (que operam tanto sobre os eleitores quanto sobre os próprios "políticos" profissionais).
Um mérito importante do livro é colocar em evidência os vários atores que intervém no processo de reprodução desse sistema viciado: não deixa de fora o papel desempenhado na sua corrupção por empresários (especialmente empreiteiros), banqueiros, agiotas, forças policiais (que fazem as vezes de "capangas"), lobistas (individuais,de setores patronais ou empresas específicas), funcionários comissionados "acomodados" por motivos eleitorais, conselheiros de contas, prefeitos e falsos "líderes comunitários", além de expor a (ir)responsabilidade do próprio eleitor, cooptado pela cultura do favor e seduzido pelas promessas de benefícios particulares (para si, para sua família ou mesmo para a sua "localidade" ou setor econômico). Lições valiosas: "doações" empresariais (ou empréstimos bancários) em campanhas sempre visam lucro, e a "compra de votos" não conhece limitações de classe social.
Mesmo sem tocar diretamente nesses temas, a obra aponta para a importância de salvaguardas institucionais como o financiamento público de campanha (até porque, como o autor demonstra, o dinheiro envolvido nas campanhas quase sempre é público, ainda que por vias transversas), o fortalecimento dos partidos políticos e a reformulação das coligações eleitorais, e, mais amplamente, de uma reforma profunda do sistema eleitoral - que aliás, há poucos anos, por meramente sugerida, acabou contribuindo decisivamente para a deposição ilegal de uma mandatária presidencial, o que mostra o tamanho do problema a ser enfrentado.
Parafraseando o Coronel Nascimento, do filme "Tropa de Elite II": "o sistema é f*da".