stsluciano 10/03/2015
Don Winslow é O Cara
Meu segundo Winslow. O primeiro, Selvagens, me arrebatou, a narrativa do autor imprimiu em mim marcas de profundo respeito por sua prosa fluída e seu tom ácido. Assim, parti para a leitura do “O Inverno de Frankie Machine” com minhas expectativas hospedadas na Estação Espacial Internacional, e, que fogo caia dos céus, cada centímetro dela foi satisfeita. Winslow já tinha meu respeito, agora tem também meu devoção, e definitivamente é dos meus autores favoritos.
Em “O Inverno de Frankie Machine” conhecemos, vejam só, Frank Machianno, um sujeito aposentado, “do lado errado dos sessenta anos”, que faz questão de manter uma rotina pacata e quase militar, que vai de seus cafés da manhã com grãos torrados e moídos na hora, uma passada em sua loja de iscas, e, mais tarde, em seus outros negócios, para ver se tudo corre dentro dos conformes. Além disso ele visita sua namorada, Donna, almoça com sua filha, Jill, uma vez por semana e de vez em quando é importunado por sua ex-esposa com problemas domésticos como um triturador ou uma pia entupida. Frank tem uma vida pacata demais, mas isso é só aparência.
O que ficamos sabendo em seguida é que ele é uma lenda. Um atirador competente que nunca cometera um erro em sua vida no mais perfeito estilo “missão dada é missão cumprida”, e com um invejável senso de honra, mas que agora pendurara o .38 e curtia sua vida de aposentado cuidando de seus negócios, esforçando-se por ficar à margem dos interesses da máfia de San Diego. Frankie leva a sério uma palavra empenhada, um favor devido, e a família – por mais que seu casamento não tenha transcorrido às mil maravilhas, mas, ele lembra, sua mulher o colocara pra fora, não fora ele quem decidira partir. E são todas essas qualidades que o colocarão em uma situação de perigo atrás da outra, e que por muitas vezes salvarão sua pele.
Um encontro inesperado e totalmente fora do protocolo da máfia faz com que tudo mude. De repente ele se vê caçado, e só pode supor quais as razões. Mas ele não é um sujeito que decide se esconder, ao contrário, bater em algumas portas em busca de respostas faz muito mais seu estilo.
Seja honesto com você mesmo: se pudesse ter tudo o que deseja, você não ficaria com tudo? E, caso soubesse que conseguiria o que deseja, também não teria pressa. Ninguém tiraria aquilo de você, então, por que não esperar? Se você está habituado a ter tudo o que deseja, talvez a espera seja melhor do que a conquista.
O livro é narrado em terceira pessoa, no tempo presente e com alguns flashbacks. É incrível o sentido ascendente da narrativa. Winslow começa o livro apresentando Frank com ele pensando um singelo “Dá muito trabalho ser eu.”, e listando suas características, modos e costumes de forma casual, pontuando a rotina de aposentado e pequeno comerciante que ele leva. Mas, com o decorrer da narrativa o ritmo e a tensão vão aumentando gradualmente, até que a poucas páginas do final do livro você está segurando a respiração, ansiando pelo desfecho enquanto mentalmente fica repetindo POR FAVOR POR FAVOR POR FAVOR como um mantra que pudesse fazer com que tudo termine bem.
E encontrei nesse livro algo que havia me agradado muito em Selvagens: o tom ácido do narrador e das personagens. Em Selvagens tínhamos uma trinca perfeita de personagens trabalhando na mesma frequência: eram rápidos, afiados e precisos, e não perdoavam ninguém de uma tirada sensacional. Apesar de ser o artista solo, Frankie mantém o mesmo tom crítico, com a única diferença que fala mais para si mesmo que para um outro personagem.
A vida é como uma laranja gorda, pensa Frank. Quando você é jovem, aperta a fruta com força e rapidez, tentando tirar todo o suco rapidamente. Quando envelhece, aperta devagar, saboreando cada gota. Porque: um, você não sabe quantas gotas ainda lhe restam, e, dois, as últimas gotas são as mais doces.
Assim como aplaudo novamente a habilidade do Winslow em situar o leitor no universo retratado no livro. Aqui saem os cartéis mexicanos e entram as famílias da máfia, que comandavam as mais variadas atividades econômicas, legais ou não, em diversas cidades americanas, como Nova York, Las Vegas, Los Angeles e San Diego, que é onde se passa a ação do livro. É de se pensar que seria complicado traçar mesmo um quadro geral do funcionamento dessas famílias e de todas as ramificações de subordinação e influência, mas ele faz dela algo bastante natural de se absorver, e é louvável esse esforço pois, enquanto não são necessariamente essenciais para a compreensão da trama, elas dão ao leitor um ponto de apoio na construção de sua experiência de leitura.
Eu fico tentado a rasgar seda, mas muita seda mesmo, para o autor. Ao mesmo tempo que seus livros são completos, e com Winslow aparentando ser dono de toda a narrativa, nada é engessado ou parece planejado. É tudo muito natural, com uma fluidez absurda. O único autor que me causa a mesma sensação é o também fora de série Palahniuk. Enfim, essa é talvez a melhor leitura do ano até aqui.
Se ainda não conhecem o autor, começar pelo “O Inverno de Frankie Machine” é uma boa pedida; mas tenham em mente que, ler algo dele é simplesmente obrigatório.
Não importa quem apaga a luz. Fica escuro do mesmo jeito.
site: http://www.pontolivro.com/2014/08/o-inverno-de-frankie-machine-de-don.html