leosilva 19/08/2015
Inteligência x criatividade
Antes de tecer meus comentários sobre “Delirium”, de Carlos Patrício, gostaria de falar um pouco sobre inteligência e criatividade, sem nenhuma pretensão de querer ensinar qualquer coisa a alguém, mas cumprindo meu desejo de explorar um pouco mais este espaço. Quando escrevemos certamente usamos o poder do nosso intelecto combinando, em maior ou menor grau, doses de inteligência e criatividade. Por mais que seja difícil conceituar inteligência, creio que possamos trabalhar com a seguinte definição de Teaman: “Inteligência é a capacidade de conceituar e de compreender o seu significado”. Criatividade, por outro lado, “consiste em encontrar métodos ou objetos para executar tarefas de uma maneira nova ou diferente do habitual, com a intenção de satisfazer um propósito.” (http://conceito.de/criatividade#ixzz3jI67JF13 ) Temos, portanto, dois elementos-chave que se destacam em um texto dentre dezenas de outros elementos. Você pode facilmente dizer que um texto é ou não inteligente, assim como consegue sentir que o autor estava ou não inspirado, se ele foi ou não criativo. Você pode ser extremamente inteligente e nem um pouco criativo quando escreve. Pode também ser muito criativo e nem um pouco inteligente. Enquanto escrevo gosto de pensar que misturo um pouco de cada, buscando um equilíbrio que torne o texto, ao mesmo tempo, um produto com importância social e uma forma de lazer e diversão. Patrício é criativo e inteligente, embora eu acredite ser ele um pouco mais do segundo do que o primeiro (na maior parte do tempo). As informações presentes nos contos de Delirium demonstram intensa pesquisa, diversas referências a cultura pop contemporânea e altas doses de erudição, tecidas, na maioria das vezes, com doses suficientes de criatividade. Não custa lembrar que: 1) Ninguém gosta de ser criticado – muito menos autores; 2) Publicar um livro normalmente é um sonho, e por isso criticas negativas doem tanto; 3) As críticas ao meu livro também me atingem. Fingimos que não, que é para nosso bem, mas ninguém gosta de ser criticado, logo, comumente não vemos críticas com bons olhos (digo isso enquanto escritor). Mas, de qualquer forma, vamos lá.
Comprei o livro diretamente do autor no bom e velho sistema de confiança, e ele veio autografado. Carlos Patrício é muito simpático e o livro é muito bonito, bem diagramado e finalizado. Não sou especialista em contos, de forma que prefiro ler romance porque acredito que, no caso de narrativas mais longas, o autor tem tempo e instrumentos para criar uma relação mais íntima com o leitor, tão necessária especialmente nos dias de hoje, onde as opções de leitura são as mais diversas possíveis. De qualquer forma, posso dizer que a leitura foi muito agradável durante a maior parte do tempo (só não foi mais, como melhor explicarei adiante, por excesso de inteligência dos textos). Vou falar mais especificamente do conto “Doutor Sádico”, que retrata, de certa forma, o lado (mais) perverso do ser humano, tema recorrente da literatura e do cinema. É o melhor conto do livro, mas confesso que não fiquei horrorizado ou assustado ou surpreso com as coisas narradas porque, há algum tempo, eu fiz uma pesquisa sobre a Deep Web e li algumas coisas até mais terríveis do que o conto apresenta. Meu objetivo é escrever um romance com esse pano de fundo assim que tiver tempo, mas, enfim, o tema é bom, falar da natureza humana é sempre interessante, especialmente quando se trata de distúrbios psicológicos. Quando li o conto senti uma identificação imediata com o autor e com a história, uma força invisível me ligando a eles. Contudo, quando a história acabou, fiquei meio sem sentir nada. O resto do livro fluiu, mas não tanto quanto o conto que o inicia. Os pontos positivos do livro são exatamente esses: as histórias fluem facilmente, são inteligentes e criativas, bem escritas, redondinhas, polidas e agradáveis. Mas sentimos que falta algo. Não poderia ser sincero nesta resenha sem compartilhar minhas comparações com o autor. Arrisco-me a dizer que somos muito parecidos, com a diferença de que sou mais sutil e tento ser o menos didático possível, sem deixar de explicar algumas coisas. O emprego de notas de rodapé é um ótimo recurso, mas seu uso exagerado parece cansar o leitor. O excesso de erudição, o didatismo e a racionalidade exacerbada comprometem qualquer texto literário, exigindo do autor muita criatividade para evitar chatear o leitor. Da mesma forma, contextualizar a história com informações e cultura pop é interessante, mas seu excesso torna o texto cansativo. Pessoalmente desaprovo o excesso de citações distribuídas pelos contos. Para mim uma citação de abertura já seria suficiente. Da mesma forma, explicar o significado de uma palavra ou termo em nota de rodapé é uma coisa, apresentar muitas informações e dados tornam a leitura muito cansativa. São tantas explicações que me arrisco a dizer que Patrício tem tara por erudição. Excesso de inteligência. Por todos os motivos já listados, os contos apresentam altos e baixos, são inconstantes e tornam o estilo do escritor indefinido. Da mesma forma o excesso de citações (algumas delas deslocadas ou de difícil apelo popular) rompem com o ritmo da leitura, cansando o leitor. Destaque positivo para “Lindos sonhos dourados”, que possui uma ótima premissa, ainda que se perca um pouco durante a narrativa, talvez por sua extensão desnecessariamente grande. “Telefone sem fio”, apesar de ser muito interessante, me parece uma narrativa um tanto quanto vazia, sem propósito. “A questão de todas as questões” é um conto longo e aborrecido sobre Deus e que, apesar de se resolver de forma pacífica, parece ser apenas um subterfúgio para se discutir questões religiosas. Ao mesmo tempo, as informações apresentadas neste conto são maravilhosas e nos levam a refletir verdadeiramente sobre o tema. “O outro mundo de Henrique” é desnecessário, assim como “Pouco antes da virada”, que destoa com o resto do livro e me parece sem propósito. Não tenho uma opinião sobre “Truco” e “Agoniado”.
Acho que falta a Patrício menos racionalidade e mais sentimento. Ele é inteligente, competente e instigante. Porém, não consigo conceber a escrita como uma atividade que não apele, de alguma forma, para o sentir – sem sentimentalismo barato. Mesmo um dos autores mais viscerais que já li, Stephen King, não abre mão de um ou outro momento bastante emocionante em seus textos, capaz de arrancar lágrimas do leitor (ver o desfecho de Mr. Jingles, em “À espera de um milagre”; Ralph em “Insônia” e “O corpo”, que foi adaptado para o cinema como “Conta comigo”). Acredito que seja preciso criar esse elo sentimental com o leitor, de forma a envolvê-lo com a história, tornando a escrita mais pessoal e íntima. Afinal, se desejamos conquistar leitores, precisamos treinar nosso coração para sentir mais do que simplesmente escrever. Além da leitura dos livros que citei em minha resenha, recomendo também a leitura do meu último romance, “Céu de Inverno”, (http://www.clubedeautores.com.br/book/185994--Ceu_de_Inverno#.VdTr-ZZ2Spk), disponível no Clube de Autores, e que fala sobre uma escritora que busca inspiração em sua cidade natal após uma crítica destrutiva, além da magia que é escrever.
Já que Carlos Patrício gosta tanto de citações, despeço-me com a minha favorita e que se encaixa muito bem nesse contexto: “Mas não se pode só racionalizar, John, também é preciso sentir.” (Dra. Ellie Sattler, Jurassic Park, filme homônimo do livro de Michael Crichton)
Abraços e até a próxima