O 6º Continente

O 6º Continente Daniel Pennac




Resenhas - O 6º Continente


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Alê 14/01/2021

O que tanta limpeza esconde?
Livro atual que fala dos impactos do capitalismo na sociedade, principalmente no que diz respeito à questão ambiental. Contrastar uma família que fez sua fortuna com produtos de limpeza, que representam o que há de mais limpo na sociedade, com o lixo e podridão, tanto de forma literal quando figurada, foi uma sacada muito boa de Pennac.

O livro me fez pensar muito na exploração dos países desenvolvidos, como os europeus, em relação aos países em desenvolvimento - e de como eles construíram e por quais meios ainda se mantêm em lugares de admiração para muitos. À custa do que e de quais vidas?

Por se tratar de uma peça de teatro, inclusive antecedida por outra, essa um monólogo, a leitura inicialmente pode causar estranhamento, mas nada que atrapalhe. Recomendo.
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Aline T.K.M. | @aline_tkm 24/11/2014

As desgraças do homem e do mundo disfarçadas de comédia
Ao contar a história de uma família que, em um século, alcança imensa fortuna mas se torna fonte da maior poluição já vista no planeta, a peça "O 6º Continente" faz representação ferina da burguesia inserida numa fábula atual sobre os problemas ambientais.

Da fabricação artesanal de sabão, até a mecanização e produção também das embalagens; em três gerações, uma família transforma sua pequena manufatura em uma multinacional líder na indústria da limpeza. Foi do avô, antigo trabalhador das minas, que veio a obsessão pela limpeza (e pela pureza e integridade das coisas), obsessão que adquiriu proporções além do imaginado. A ambição de limpar o mundo acaba por originar um sexto continente: uma ilha no meio do Pacífico formada por material descartado, plástico e embalagens. Enfim, a mais assustadora poluição já produzida pelo ser humano.

Pertencente à terceira geração da família, Théo é de uma inocência até desacreditada pelo leitor. Diplomado superprotegido, ele usa das lentes perfeitas da ignorância para enxergar a realidade ao redor de si. É o oposto de Apémanta – a irmã adotiva resgatada do lixo –, mais vivaz e consciente dos fatos. Apémanta é a “proporção da caridade”, o “investimento mínimo da família no conceito de reputação”.

Em forma de peça teatral (particularmente, acho que o enredo teria potencial para um romance), o texto simples e cheio de um humor cínico convida o leitor, e traz nas entrelinhas uma série de reflexões mais profundas. As cenas, por sua vez, são bastante visuais e levam a imaginação de quem as lê diretamente ao palco, como se assistidas de fato da plateia de um teatro.

Sem nome na lista e barrados na porta de uma casa noturna por um leão de chácara, Théo e Apémanta são submetidos a um teste tão hilário quanto ridículo, no qual os irmãos tem de reconhecer um perfume de grife pela fragrância, o modelo de um carro importado a partir do ronco do motor, e a marca de um sapato apenas pelo barulho do salto. Uma vez provado que são legítimos VIPs, consumidores do que há de mais caro, Théo e Apémanta são liberados a entrar no local. Eis aí uma das cenas que achei mais jocosas e geniais!

Retrato do século 20 e seus males, de uma sociedade burguesa cínica e conformada – ainda assim, ignorante –, a peça descortina um mundo corrompido que, em sua imundície, tenta guardar algo de digno. Um mundo que ama a riqueza e o luxo, e que faz vista grossa perante a poluição e os estragos ocasionados pelo mesmo modelo econômico que possibilita seu bem-estar. A ambição desmedida e a inclinação a absurdos não fazem relutar os personagens, que diante de uma ilha toda composta de lixo, têm a ousadia de fazer dela local de turismo de luxo.

Ninguém precisa suicidar a humanidade, ela o faz muito bem sozinha! Suicida, ela trabalha por sua morte todos os dias. Hipocondríaca, adia todos os dias a data de validade. [...] Morrer um pouco depois... Isso lhes basta!

Drama familiar-planetário em trinta movimentos, como descreve o subtítulo da peça, "O 6º Continente" fala de um mundo nada distante do que vivemos hoje. Mesmo que expostas diante de nós com algumas pinceladas surreais, no fundo, todas essas situações extremas não estão assim tão fora do que podemos conceber.

Mas não acabou: como disse no início, o livro é composto por duas obras. Precedendo a peça que dá título ao livro, "Antigo doente dos hospitais de Paris" é uma novela curta que traz a história de Gérard Galvan, plantonista na emergência de um hospital, que passa o tempo a sonhar com seu futuro cartão de visita, em letras douradas e alto-relevo. Só que ele vive uma noite fora do comum ao receber um paciente que apresenta sintomas dos mais variados e relacionados a uma série de enfermidades diferentes. Passando de especialista em especialista, esse paciente agita o hospital e coloca os médicos – e, principalmente, Galvan – em uma situação absurda e inesperada.

Hilário, esse misto de novela e monólogo segura bem o “mistério” que gira em torno do paciente esquisito, que é um pouco negligenciado até que requer, de repente, urgência máxima dos médicos do hospital. Com desfecho inusitado, narrativa debochada e humor meio nonsense, o texto não é do tipo que agrada a todos os leitores. Aqueles que gostarem, no entanto, o acharão genial.

"O 6º Continente" e "Antigo doente dos hospitais de Paris" trazem à tona as desgraças do homem e do mundo disfarçadas de comédia. Leituras ágeis, simples, e que fazem pensar.

LEIA PORQUE...
Para quem curte ler teatro, o livro é uma ótima pedida. Para aqueles que têm suas ressalvas quanto ao gênero, a temática abordada ainda vale a leitura (lembrando que o primeiro texto, "Antigo doente...", não tem formato teatral). Resumindo: cinismo, humor, contemporaneidade, crítica, reflexão. Não tem como não ser bom!

DA EXPERIÊNCIA...
Leitura diferente do que estou habituada, curti a surpresa no desfecho de ambas as histórias. Gostei da narrativa e quero, futuramente, ler mais de Daniel Pennac.

Uma curiosidade que me fez ver "O 6º Continente" sob outro prisma após a leitura, foi que a peça não foi apenas escrita e, então, encenada. Ela é resultado de um trabalho coletivo; foi a partir das propostas da equipe de atores de Lilo Baur que Pennac escreveu a peça, depois de dois anos assistindo ao grupo trabalhar em numerosas improvisações. Interessante, não?

FEZ PENSAR EM...
Livros que falam sobre aparências e o que a sociedade tem de podre, como "O Grande Gatsby" (Fitzgerald) e "Como me tornei estúpido" (Martin Page).


site: http://livrolab.blogspot.com
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