Daniel 04/09/2014O Poder da ArteUm livro muito, muito bom!
Com essa moda dos calhamaços (600, 700, 800 páginas) na literatura norte americana atual, às vezes ficamos com a sensação que alguns autores estão simplesmente enchendo linguiça (a verborragia de Jonathan Franzen me cansa um pouco, por exemplo). Felizmente, não é o caso desta aqui. Li as 720 páginas sem nenhum esforço e com muito prazer.
Surpreende o fato que este livro tenha se tornado um best seller, já que não se trata de um "livro de ação" propriamente dito, nem pornô soft, nem livro sobre vampiros, rs. O que acompanhamos é a narração de um jovem de 27 anos, revivendo e fazendo um balanço da sua vida a partir da perda da sua mãe, que aconteceu num nebuloso atentado terrorista quando ele tinha treze anos, no Museu Metropolitan, em Nova York.
A trama prende muito mais pelo lado psicológico do personagem principal do que pela ação em si. E é incrível como uma história sem nenhuma reviravolta mirabolante consiga prender tanto a atenção! Tomara que ninguém estrague as surpresas de quem está lendo ou pretende ler, revelando as sutilidades do enredo nas resenhas.
Donna Tartt, que fisicamente parece uma mistura de Anna Wintour com Oscar Wilde, (disseram com razão, basta observar a foto da orelha do livro) já tinha apresentado uma notável desenvoltura ao entrar na pele de um personagem masculino contando sua história em "A História Secreta", seu romance de estreia. E aqui, com seu Theo Decker, ela novamente não decepciona. Os detratores da autora apontam influências óbvias que vão de Dickens a Dostoiévisk? Sim, e daí? Para mim isso não é demérito, pelo contrário!
Os personagens secundários também se sustentam muito bem, e ficam na memória do leitor: a mãe perdida, idealizada, etérea como um anjo...; a adorável Pippa, por quem o leitor também acaba se apaixonando; o colega nerd Andy e sua família sofisticada e fria, os Barbours; o violento pai de Theo, Larry Becker, instável e alcoólatra; a madrasta Xandra, personificando a breguice fake de Las Vegas, e seu cachorro Popper; Boris, o amigo libertário, meio perigoso, que o leva sempre a caminhar na corda bamba e sem rede de proteção; o grandalhão e bondoso Hobie, que dedica seu tempo recuperando mobília antiga e corações partidos...Quando estes personagens ressurgem mais adiante nas páginas do livro, temos aquela sensação prazerosa de reencontrar alguém que conhecemos bem e simpatizamos (ou não!).
Os trechos relacionados à arte (pintura principalmente) e mobiliário antigo prendem a atenção mesmo para quem não se interessa muito por estes temas. E a autora não economiza nos detalhes: tudo é descrito minuciosamente, mas de maneira agradável, fluida, bem contada. Ela escreve tão bem que mesmo estas partes não são maçantes.
As reflexões ao longo da trama são quase sempre pessimistas, e carregadas de verdade. Um trecho, entre tantos: "Um grande desgosto, e um que estou apenas começando a entender - não escolhemos nosso próprio coração. Não temos como nos forçar a querer o que é bom para nós ou o que é bom para as outras pessoas. Não escolhemos ser a pessoa que somos."
De modo especial, as considerações nas páginas finais sobre o poder de salvação da arte na vida das pessoas, obrigam o leitor a dar aquela pausa na leitura, fechar o livro, suspirar e refletir: p****, é isso mesmo?!?
Apesar do tom bastante pessimista dessas reflexões, o livro celebra o valor da amizade, dos laços que criamos, da família que escolhemos pra nós, e acima de tudo: o poder da Arte na vida das pessoas, tudo aquilo seja nas artes plásticas, música, literatura - que faz a vida valer a pena, apesar das dores, das perdas e da decrepitude que os anos trazem. O poder da Arte que foi amada por tantas pessoas, e que continuará sendo admirada quando da gente mesmo não sobrar nada mais que pó.
Um livro para quem, definitivamente, não se contenta com pouco.