Carla Brandão 09/05/2020Até o fim é narrado por Mary Beth. Mulher, esposa, mãe, paisagista. Dentre todos os papéis que exerce, o de mãe se sobrepõe a todos os outros. Apesar de estável, há tempos o casamento com Glen não tem mais os rompantes de paixão de antes. Embora formada em outra área, escolheu uma profissão com horários mais flexíveis, que permitisse acompanhar de perto da vida dos três filhos: Ruby, Max e Alex.
Ruby está no último ano da escola. É a adolescente brilhante e criativa, que customiza as próprias roupas e sonha em ser escritora. Aos 14 anos, os gêmeos Max e Alex são o oposto um do outro. Enquanto Max é introvertido e calado, Alex faz sucesso entre os amigos e como atleta estudantil. Ao redor deles, Mary Beth construiu sua vida.
Durante todo o livro acompanhamos bem de perto a vida da família através do olhar de Mary Beth: os jantares em família, as visitas de Sarah e Rachel, melhores amigas de Ruby, os jogos de Alex, o jeito cada vez mais fechado de Max... Ao ver tão de perto o que se passa atrás das paredes de uma casa, é claro que também ficam evidentes coisas que geralmente são escondidas na vida fora dali. Tomamos conhecimento dos problemas, dos segredos, dos ressentimentos, de coisas que são deixadas fora do foco em nome de uma vida tranquila.
A primeira metade do livro se desenrola sem que nada de extraordinário aconteça. Mas é possível sentir a tensão na narrativa da protagonista, a expectativa de que algo muito ruim está prestes a acontecer. E acontece. E que ninguém se engane, a tragédia que se segue tem muitas de suas origens narradas nas páginas anteriores, disfarçadas na aparente felicidade familiar. Eu tinha uma ideia do que aconteceria, mas errei feio! Totalmente guiada pelo olhar de Mary Beth, também só enxerguei o que ela enxergou.
A partir daí, a narrativa passa a transmitir um sofrimento muito real. ?Anna Quindlen conseguiu colocar em palavras toda a dor sentida por Mary Beth, assim como seus questionamentos sobre se poderia evitar o que aconteceu e o sentimento de culpa por não ter visto mais, por não ter feito mais. As reações que se tem diante de situações tão difíceis e definitivas foram sensivelmente trabalhadas pela autora.
Apesar de toda a carga dramática, a leitura flui muito bem. Fiquei totalmente imersa nos sentimentos da personagem, acompanhando todo o processo pelo qual ela estava passando, cada momento de tristeza, cada pequena melhora. A autora construiu com delicadeza o caminho cheio de altos e baixos percorrido por Mary Beth desde o dia em que sua vida mudou para sempre até as coisas voltarem a ter algum sentido. Nada é forçado.
O início pode parecer um pouco lento para algumas pessoas, mas para mim foi mais um toque de realidade da trama, como se a ideia fosse justamente mostrar vidas comuns se desenrolando sem grandes sobressaltos durante um bom tempo, até que um acontecimento impactante muda tudo.
Até o fim prova que uma história não precisa contar com uma premissa mirabolante nem reviravoltas para ser boa. Prova também que nem sempre é preciso apelar para sentimentalismos exagerados para emocionar quem lê.
site:
https://blog-entre-aspas.blogspot.com/2020/05/resenha-ate-o-fim-anna-quindlen.html