Trasgo #03

Trasgo #03 Roberto de Sousa Causo
Liége Báccaro Toledo




Resenhas - Trasgo #03


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neo 26/11/2014

Uma coisa que eu acho muito legal na Trasgo é o fato de que, até agora ao menos, a revista continua melhorando a cada edição. Lembro de quando li a primeira e, apesar de ter gostado, não cheguei a ficar muito impressionada não, e só li a segunda para dar mais uma chance à literatura de fantasia e sci-fi brasileira, já que um dia (em um futuro um tanto distante) quero fazer parte ativamente dela. Hoje fico muito feliz por tê-lo feito; amei a segunda e, apesar de ter enrolado muito para começar, também adorei a terceira. Abaixo estão minhas opiniões sobre os contos dessa edição:

O Empacotador de Memórias (Gael Rodrigues): gostei muito desse conto, tanto pela escrita quanto pela história, que é contada de um modo bem diferente do usual (aliás, o próprio conteúdo já é bem original). Não vou falar muito sobre o enredo; basta dizer que O Empacotador de Memórias trata de temas sérios, mas possui uma narrativa leve e gostosa de se ler.
Rosas Brancas (Roberto de Sousa Causo): Rosas Brancas foi um conto interessante e bem escrito (apesar de alguns infodumps), que faz parte de um universo muito maior (se não me engano ele é o prólogo de um dos livros do autor). Apesar de não ser exatamente fã de ficção científica (eu gosto, mas gosto do mesmo jeito que gosto de distopia ou sobrenatural: só sendo muito bem-falado/intrigante pra que eu arranje coragem pra ler), esse foi um conto que conseguiu me prender. O final também foi ótimo.
Feita de um sonho (Caroline Policarpo Veloso): prestei um tantinho mais de atenção nesse conto porque a autora é bem nova (17 anos e trocentos contos publicados) (sim, eu me senti um lixinho ao saber disso também). No geral, foi um conto bem escrito (não sou fã de primeira pessoa, mas aqui ficou bom) e como eu adoro a temática de sonhos x realidade, a história me agradou bastante.
Invasão (Claudio Parreira): o ponto forte desse conto é justamente a voz do personagem principal, que é bem diferente do que vemos hoje em dia por aí. A escrita também é ótima, e apesar do conto não ser muito do meu estilo, foi uma leitura divertida.
Viral (Tiago Cordeiro): Viral, como o próprio nome pode indicar, é sobre zumbis (o que já não é nenhuma novidade), mas o autor conseguiu dar um toque de originalidade bem legal para a história que me agradou bastante. Novamente, a escrita é boa, e os personagens são bem caracterizados. O final meio amargo também fez a história ganhar alguns pontinhos comigo.
O Vento do Oeste (Liége Báccaro Toledo): provavelmente meu conto preferido dessa terceira edição junto a O Empacotador de Memórias. É de fantasia, mas uma fantasia bem diferente, baseada na cultura árabe, e a própria história também é bem interessante. Aparentemente a autora planeja escrever um livro a partir desse conto, o que me deixa animada. Faz tempo que não leio uma obra de fantasia nacional, e se a qualidade de O Vento do Oeste for mantida nesse outro projeto, tenho certeza de que adorarei o livro.
Meus contos favoritos, como já disse, foram O Empacotador de Memórias e O Vento do Oeste. Quem fez as ilustrações dessa vez foi a Kelly Costa (foram as minhas preferidas até agora, falando nisso). Enfim, cinco estrelas para a terceira edição da Trasgo.

site: http://chimeriane.blogspot.com.br/
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melissa 05/06/2015

Grande variedade de gêneros
Fantástico, fantasia clássica, realismo mágico, ficção científica. Entre cyborgs, cientistas loucos, guerreiros do deserto e sonhadores conhecemos essa edição #3 da revista Trasgo que se destaca justamente por essa diversidade. Quer saber minha opinião sobre cada conto?

“O Empacotador de Memórias”, de Gael Rodrigues
Esse conto flerta um pouco com o realismo mágico. Nele, Tom busca, ao longo de sua vida, desenvolver um modo de fazer com que as pessoas possam reviver suas memórias mais especiais. A história é um bonito diálogo sobre a importância de lembrar mas também de esquecer, de se apegar e deixar para trás.

Tom tem que lidar com as consequências de ser um empacotador de memórias, aquele que pode trazer dor ou alívio. Inclusive para si mesmo.

Ah, para quem não sabe, realismo mágico é aquela tradição da latino-americana em que uma ficção apresenta fatos inusitados (ou mágicos ou mesmo cientificamente impossíveis) como normalidade. Nesse tipo de texto, o tempo é cíclico e temos essa impressão de que o passado e o presente são uma coisa só. Nem é preciso dizer que esse tipo de texto apela para os sentidos e tem forte preocupação com palavras, sonoridades e ordem frasal. Achei que o autor Gael Rodrigues fez um bom trabalho dialogando com essa tradição.

“Rosas Brancas”, de Roberto de Sousa Causo
Eu já tinha lido um conto do autor na antologia Excalibur (publiquei nessa antologia também), da Editora Draco, e tinha gostado bastante. Também conheço o autor como pesquisador, inclusive usei a tese de doutorado dele na minha dissertação de mestrado. Não me decepcionei com “Rosas Brancas”, que conta a história Mara, uma mulher em busca da filha.

Mara se vê no meio de uma intriga política e tecnológica e precisa utilizar o conhecimento científico de seu ex-marido, Perseu, para barganhar pela filha, Bella. Num cenário de ficção científica com armas avançadas e máquinas incríveis, o conto ganha pela cor brasileira. É sempre bom ver FC de qualidade se passando no Brasil.

“Rosas Brancas” tem uma ótima reviravolta no final e apresenta uma protagonista, Mara, bastante interessante e convincente. Ao que parece o conto faz parte do universo de “Shiroma – Matadora de Ciborgue” e fiquei bastante curiosa para conhecer.

“Feita de um sonho”, de Caroline Policarpo Veloso
Roberta tem sempre o mesmo sonho: está andando contra uma multidão de pessoas. O sonho parece bastante real, mas ela tem medo de ir até o final, pois tem uma estranha sensação de que há algo mais atrás daquilo. No entanto, precisa focar na vida real, uma vez que tem que sustentar a irmã, Suzana, uma vez que as duas são órfãs e não têm dinheiro.

O conto tem aquela premissa ótimas dos sonhos lúcidos, com aquele toque A Origem: o sonho dentro de um sonho e qual seria, afinal, a diferença entre sonho e realidade. No entanto, achei que a autora foi um pouco imatura na condução da narrativa, que explicou demais onde não devia, o que tirou um pouco da tensão. Mas depois vi que Caroline ainda está no Ensino Médio, então tem um bom tempo pela frente para refinar sua escrita. Ideias boas ela já tem.

“Invasão”, de Claudio Pereira
Esse conto é de literatura fantástica; as coisas acontecem como no fantástico, com coisas absurdas acontecendo sem explicação. Sim, absurdo é a palavra de ordem aqui.

O narrador-personagem nos conta de uma tarde especialmente tediosa em que o mais inexplicável acontece: seu apartamento é invadido por pessoas estranhas que usam seu telefone, deitam em sua cama e se apoderam de suas coisas. Numa sequência impossível, o narrador, com muito humor, critica o absurdo do nosso cotidiano. O texto tem uma grande preocupação com estilo que no início me incomodou, mas assim que me acostumei, consegui me divertir.

“Viral”, de Tiago Cordeiro
Apocalipse zumbi na favela. Dois amigos tentam impedir quebrando um misterioso código linguístico. Uma invasão de zumbis. Medo.

O conto de Tiago Cordeiro apresenta uma perspectiva bastante diferente (pelo menos para mim) de contaminação zumbi: um sinal transmitido parece converter todo mundo. Os amigos André e Gabriel descobrem a fonte e tenta resolver um código misterioso para se livrar da praga. O conto alterna entre as tentativas de Gabriel de salvar todos e as memórias de sua amizade com André. Achei que o conto teve uma ótima ideia, mas pecou um pouco no ritmo, que não prendeu e ficou um tanto inconsistente.

“O Vento do Oeste”, de Liége Báccaro Toledo FAVORITO
Liége Báccaro Toledo (que já foi nossa colunista aqui no LF!) se superou nessa linda história de fantasia baseada na mitologia árabe. Sinceramente, eu chorei no final e me emocionei com cada linha. Liége é uma escritora que vem amadurecendo muito nos últimos anos e eu mal posso esperar para ler mais um livro inteiro seu.

“O Vento do Oeste” conta a história de Farid, um Ahmar, um proscrito, filho de uma humana e do demônio do deserto. Vivendo como um pária durante toda sua vida, Farid encontra Amina Lafta, uma mulher que teve sua filha roubada pelo Vento do Oeste. Sabendo que o destino da garota seria se tornar mãe de um Ahmar, Farid tem que decidir se irá ajudar a salvar a jovem ou compactuar com seu lado mais sombrio.

A noveleta é escrita com maestria: é envolvente e poética. Recomendo imensamente.

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As ilustrações são de Kelly Santos e gostei bastante do estilo dessa ilustradora. Achei que ela desenha muito a temática de fantasia, com muitas dríades e ninfas. O traço dela me agradou bastante.

A revista contém ainda entrevistas muito interessantes com todos os autores. Vale a pena ler!
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Laís Helena 07/11/2016

Resenha do blog Sonhos, Imaginação & Fantasia
O Empacotador de Memórias - Gael Rodrigues

É difícil falar da premissa desse conto sem entregar spoilers, então tudo o que vou dizer sobre isso é que Tom tem uma obsessão: ser capaz de transferir memórias para um recipiente e, com isso, ajudar as pessoas. É um conto muito bem escrito, que está mais para realismo fantástico que para fantasia, pois não existe no texto a necessidade de se explicar como, por exemplo, as memórias podem ser transferidas para um recipiente.

O conto passa por várias fases da vida de Tom, desde a infância até a vida adulta, abordando a obsessão dele em empacotar memórias e diversos outros temas — sobre o quanto as pessoas se apegam às memórias e o quanto temem perdê-las —, que ficam nas entrelinhas. Não é uma história cheia de cenas de ação e reviravoltas: é uma história intimista, que trabalha o psicológico e o emocional dos personagens (um tipo de história que eu gosto bastante). A narrativa, apesar de tratar desses temas, é bem leve e imersiva.

Um detalhe do qual eu gostei muito foi a forma como determinados sentimentos, como a solidão, foram personificados. Foi algo que deu um toque a mais a um conto que já foge bastante de clichês. O conto termina deixando vários detalhes para a imaginação do leitor — não por incompetência, mas sim na medida certa para fazer a mente divagar. É o tipo de conto para colocar na lista de releituras.

Nota: 5/5

Rosas Brancas - Roberto de Sousa Causo

Para resgatar sua filha, Mara faria qualquer coisa. Inclusive enganar o ex-amante para roubar os cristais onde ele guardava um projeto visionário e entregá-los àqueles que têm a menina como refém.

Rosas Brancas é um conto bem curto, por isso é até difícil falar de sua premissa sem entregar spoilers. A narrativa, em terceira pessoa, me manteve imersa durante a primeira metade do conto, sendo eficiente em me colocar na história e ao mesmo tempo sem exagerar nos detalhes. A segunda parte do conto, no entanto, me desagradou. O clímax foi um pouco morno e um dos diálogos soou um pouco forçado, com personagens explicando uns para os outros coisas que eles provavelmente já sabiam só para que a informação fosse dada ao leitor. Isso acabou estragando a reviravolta, ao meu ver, que não teve tanto impacto quanto poderia, já que acabou sendo toda contada nesse diálogo.

Nota: 2/5

Feita de um Sonho - Caroline Policarpo Veloso

Roberta perdeu a mãe há três meses e desde então luta para sustentar a si e sua irmã mais nova. Já estaria se adaptando à sua nova vida se não fosse o estranho sonho que se repete toda noite.

Feita de um sonho foi uma leitura rápida e bastante imersiva que me agradou bastante. A narrativa em primeira pessoa é boa, sem ficar se detendo em longas explicações sobre a vida de Roberta e sua irmã. As cenas dos sonhos foram bem descritas: a autora conseguiu passar muito bem a sensação experimentada pela protagonista, por exemplo. O final trouxe algo diferente do que eu esperava, mas gostei da resolução.

Nota: 5/5

Invasão - Claudio Parreira

Invasão é um conto bem inusitado. O protagonista, que não teve seu nome apresentado, narra em primeira pessoa uma cena muitíssimo estranha que ocorreu em seu apartamento em um sábado à tarde.

A narrativa é eficiente e rapidamente me enredou nesse caso tão curioso. É, mais uma vez, aquele tipo de conto que não se presta a dar explicações, e que é bom porque não as dá. Teria sido ainda melhor se o autor tivesse explorado um pouco mais as sensações (a famosa regra dos cinco sentidos), o que teria me deixado ainda mais envolvida nessa história tão excêntrica, mas não foi nada que tenha chegado a tirar o brilho da história.

Nota: 4,5/5

Viral - Tiago Cordeiro

Viral é um conto sobre zumbis, mas o autor conseguiu inovar bastante dentro do tema. A trama gira em torno de um idioma que os zumbis desenvolveram, cujos fonemas se alteram com o passar do tempo, o que foi bastante criativo.

A narrativa é em terceira pessoa e acompanha Gabriel, embora outros personagens sejam citados. É uma narrativa não linear, o que muitas vezes costuma me deixar ainda mais presa à história e curiosa por sua resolução — mas, infelizmente, não foi o que aconteceu aqui. Mas o problema não foi a não-linearidade. O que me incomodou foi que o autor não investiu muito em construir um clima de tensão e mostrar o quanto Gabriel estava amedrontado com a situação toda e como tudo poderia acabar perdido. Isso me deixou com a sensação de que a resolução foi fácil e os zumbis afinal não eram tão perigosos assim. Ou seja: o conto não teve todo o impacto que deveria, não alcançou todo o seu potencial. O problema influenciou também os personagens: não consegui me conectar a nenhum deles, nem temer por eles devido à situação envolvendo os zumbis e o perigo iminente. O que foi uma pena, porque a ideia geral do conto é bem criativa.

Nota: 2,5/5

O Vento do Oeste - Liége Báccaro Toledo

Sendo o conto mais longo da revista, foi um dos que mais me agradou. Achei a introdução um tanto lenta demais e, além disso, a autora recorreu um pouco ao tell para explicar a vida do protagonista, Farid — embora essas explicações sejam necessárias.

Gostei especialmente do worldbuilding, que tem inspiração árabe. A autora mostrou o suficiente para que o mundo soasse crível e completo ao leitor, tendo o cuidado de dar explicações por trás da rejeição sofrida por Farid, que é um Ahmar — filho do demônio do vento, Bahaal'zar. Outra coisa que me saltou aos olhos foi que ela também teve bastante cuidado na escolha das palavras e dos nomes, fazendo com que todas elas pareçam pertencer a uma única identidade linguística, o que fez com que eu me sentisse ainda mais imersa na história.

É outro conto que foge da ação e das batalhas que vemos em muitas histórias de fantasia, e ganhou muitos pontos comigo por focar em uma jornada mais solitária, mais centrada no psicológico dos personagens que em embates físicos. É também uma história bonita, com uma pegada mais melancólica, que fala de escolhas e da luta de Farid por ser aceito e respeitado. A narrativa, em terceira pessoa, contribuiu bastante para dar esse tom ao conto, e depois das páginas introdutórias, se mostrou bastante imersiva e eficiente na hora de explorar os personagens (também muito bons, especialmente considerando que se trata de um conto) e o worldbuilding. Em resumo, um ótimo conto, que me deixou muitíssimo interessada em conhecer outros trabalhos da autora.

Nota: 4,5/5

site: http://contosdemisterioeterror.blogspot.com.br/2016/11/resenha113.html
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Paulo 16/08/2017

1 - O Empacotador de Memórias (Gael Rodrigues) --> 3 corujas (3 de 3)

Algumas histórias possuem o dom de nos encantar. A fantasia apesar de ser um subgênero mais voltado para nos mostrar mundos fantásticos e seres mágicos também pode nos apresentar histórias que toquem os nossos corações. Gael Rodrigues nos questiona através deste conto o que estamos fazendo com o tempo em nossas vidas. Estamos construindo memórias duradouras ou seriam elas etéreas e vulneráveis como bolhas de sabão?

O autor constrói sua história seguindo um gênero muito comum entre os autores latino-americanos: o realismo mágico. Trata-se de uma história que se passa em nossa realidade comum com algum elemento encantado que extrapola as leis da física comuns. Além disso, essa extrapolação é tratada como um elemento comum e não chega a ser questionada pelos demais personagens presentes na história. Apesar de parecer o contrário, a história não gira em torno desse elemento mágico, mas sim de como os personagens se relacionam entre si.

Tom é um órfão que vivia com a sua avó durante muitos anos. Porém, sua avó tem uma doença que vai retirando-a do convívio normal com a sociedade, fazendo com que ela não mais se lembre das demais pessoas. Me parece que a avó de Tom sofre de mal de Alzheimer, mas o autor não diz especificamente que se trata disso. Apenas solta algumas pistas e deixa a critério do leitor deduzir se é ou não. Fato é que o protagonista passa o resto de sua vida tentando encontrar uma maneira de preservar ou reviver memórias do passado. Mas, no fundo, ele não passa de um rapaz solitário que não encontra prazer no presente.

Esta é uma história bastante melancólica. Já convivi com uma pessoa que sofria de perda progressiva de memória e essa é uma condição cruel. Se para quem está de fora é um fato triste, para quem sofre da doença deve ser terrível. Mas, como a história trata mais de quem está ao redor, fico pensando em como o protagonista sempre se sentiu abandonado no mundo. Sendo órfão e depois perdendo o contato com a sua avó, ele acabou por se encerrar em seu mundo particular. Ele poderia ter tentado tocar a vida, mas infelizmente ele acabou ficando preso às lembranças do passado. A um tempo idílico que nunca mais irá retornar. Tom acabou por não crescer. E isso vai ocasionar toda uma série de conflitos não resolvidos por ele que farão ele tomar más escolhas ao longo da história.

A história é absolutamente emocionante e a gente fica pensando bastante nas partes finais dela. Isso porque estamos no mundo apenas uma vez. Esse tempo que estamos na Terra é um tempo curto. E fica aquela mensagem de aproveitar este tempo da melhor forma possível com quem amamos, pois este é um tempo que pode não ser recuperado depois.

Outro ponto que eu achei incrível na escrita do autor é sua prosa poética. Cada parágrafo é carregado de melodia e significado. Por exemplo, as bolhas de sabão costumam representar símbolos de memória em várias histórias de ficção. O autor foi muito inteligente ao empregar esse símbolo para demarcar a perda da mesma. Recomendo bastante a leitura do mesmo e fiquei muito curioso para ler outros trabalhos do autor.

2 - Rosas Brancas (Roberto de Sousa Causo) --> 2 corujas (2 de 3)

Histórias de mães fazendo coisas impossíveis por seus filhos ou filhas são um tema comum em algumas histórias. Mas, Roberto de Sousa Causo usa essa temática em um universo futurista criando as sementes de uma história que parece ser promissora.

Pelo que eu entendi, a ideia é apresentar uma personagem que será usada em histórias futuras. Bella é a filha de Mara Nunes e é uma garota especial: criada em laboratório, teve seu corpo preenchido com nanorrobôs que são responsáveis por fortalecer o seu corpo. Infelizmente ela sofre de uma doença que enfraquece a sua saúde, fazendo com que ela precise se submeter a certos procedimentos para que não morra. Mas, Mara se aliou a um grupo rebelde que prometeu uma cura para Bella em troca de certos dados confidenciais. E, somos colocados na história a partir daí.

Esse conto serve como um prólogo, então vamos ver uma intensa construção de mundo nesse curto espaço. Como o conto possui essa limitação, o autor acabou sofrendo com isso precisando apresentar as informações de forma bastante concisa. Me deixou interessado, mas eu precisei ler alguns trechos mais de uma vez para conseguir captar direito certas ideias. Ele deixa boas sementes a serem trabalhadas depois.

Mas, o ponto alta da história é sua alta velocidade. Tudo é muito dinâmico. A protagonista é trabalhada rapidamente como uma mãe dedicada e que é capaz de tudo por Bella. Isso fica claro nas primeiras três páginas do conto. A partir daí somos apresentados ao que Mara é capaz de fazer. E aí nos damos conta de que Mara não é uma pessoa comum. Daí em diante tudo acontece num estalar de dedos. Nesse sentido, achei a construção da protagonista muito eficiente e fiquei curioso para saber o que vai acontecer com Bella a seguir. Tem alguns elementos que poderiam ser melhor trabalhados, mas fico aqui pensando como fazer isso dentro de um espaço tão limitado. O autor fez muita coisa no pouco espaço que teve e só isso já é digno de aplausos.

3 - Invasão (Cláudio Parreira) --> 3 corujas (3 de 3)

Algumas pessoas vão estranhar o fato de eu ter dado uma nota máxima para o conto de Cláudio Parreira já que ele não apresenta altas ideias ou uma história elaborada. Mas, pensem comigo: nem sempre uma história depende disso. Um conto pode apresentar meramente uma brincadeira ou uma ironia feita com o leitor. E é exatamente isso o que eu percebi aqui. Invasão parece ser uma forma muito diferente e original de contar a velha piada dos muitos palhaços entrando em um carro. E depois saindo. O conto é extremamente competente em sua completa insanidade.

Aqueles que acompanham o meu trabalho sabem que eu gosto de boas histórias nonsense. Quando bem feitas podem produzir um efeito incrível de confusão na mente do leitor. Foi assim com o romance de Brenda Bernsau que eu resenhei este ano e assim é com este. É uma forma de escrita com um grau elevado de dificuldade e quando o autor consegue entender a falta de compreensão do nonsense, o resultado é esse.

Outra ferramenta que o autor empregou com sucesso foi o fluxo de consciência. A história é contada em primeira pessoa e como o personagem está sem entender o que está acontecendo com tantas pessoas subitamente entrando em sua casa, somos arrastados pelo turbilhão de confusão dele. Em nenhum momento nos sentimos confortáveis porque o protagonista também não está. Estamos querendo saber o porquê daquilo tudo assim como ele, e enquanto ela não vem ficamos cada vez mais ansiosos por saber também. E o autor dá uma rasteira no leitor ao quebrar nossas expectativas ao final. Para mim, Cláudio Parreira está de parabéns ao criar uma história tão engraçada e repleta de uma técnica muito sofisticada de escrita.

4 - Feita de um Sonho (Caroline Policarpo Veloso) --> 1 coruja (1 de 3)

Histórias que trabalham com o ambiente dos sonhos são sempre muito difíceis de serem montadas. O autor precisa trabalhar muito bem os ambientes dos sonhos e o da realidade equilibrando bem as situações. Se a ideia é mostrar um ambiente onírico que a protagonista precisa descobrir e, quem sabe, acreditar, é assim que precisa mais ou menos ser feito. Se ocorre um desequilíbrio, tudo pode ir por água abaixo. E aqui a narrativa me pareceu muito confusa e até tem uma revelação interessante que poderia deixar a história em outro nível. Mas, o que foi construído antes não ajudou a tornar a história melhor. Achei até que a autora sofreu um pouco para escrever certas partes. A minha percepção mais uma vez é de uma história que acabou sendo comprimida para caber no formato de um conto.

Roberta é uma jovem assolada por sonhos que se tornam cada vez mais vívidos. Ela sonha com uma multidão que a leva em direção a um lugar que ela sabe que é importante e ao mesmo tempo perigoso. Mas, para a sorte de Roberta, sempre que ela está se aproximando desse lugar, Suzana, sua irmã a desperta para mais um dia de trabalho. A perda da mãe ainda pesa nos ombros das duas e parece que os sonhos estão de alguma forma relacionados com a morte da mãe ou alguma coisa que a mãe de Roberta precisava resolver antes de partir. Em um dia comum após muito refletir sobre sua vida, coisas estranhas irão acontecer à protagonista que a apresentarão a um outro lado de si mesma e a fará questionar suas crenças sobre o que é real ou não.

O meu maior problema nessa história foi não ter conseguido estabelecer empatia com Roberta. Ela nunca me pareceu uma personagem crível ou vívida para mim. Falando dessa forma, parece ser uma leitura muito pessoal da minha parte (e outro leitor pode estabelecer outro tipo de relação), mas eu achei que o conto dependia demais de você comprar o dilema da protagonista. Caso contrário a história acaba ficando truncada e sem sentido.

A escrita da autora é boa e ela sabe trabalhar com ambientes oníricos. As cenas são carregadas de símbolos intrínsecos que alguns mais perceptivos vão se dar conta. A surpresa que ela apresenta no final é curiosa e dá aquela quebra nas expectativas do leitor. Talvez essa quebra possa ter sido o ponto alto da narrativa. No mais, não consegui entrar na história.

5 - Viral (Tiago Cordeiro) --> 1 coruja (1 de 3)

O tema do apocalipse zumbi já foi explorado de diversas maneiras diferentes. Mas, o que permeia a história de zumbis é o tema da sobrevivência em situações extremas. É até onde o homem é capaz de chegar em uma situação completamente absurda. Esse não é o tema aqui. Tiago Cordeiro mexe um pouco nos tropes desse estilo de história para mostrar a força da amizade de dois rapazes. Com zumbis. Mas, não do jeito que vocês imaginam.

André e Pedro tinham uma rádio pirata que eles mexiam como uma brincadeira para passar o tempo na favela. Os dois são amigos há muitos anos, mas cada um acabou seguindo seu caminho após terem crescido. Pedro conseguiu ser bem sucedido entrando para uma faculdade de administração. Nesses dias que eles se encontravam para mexer na rádio pirata eles descobrem uma frequência esquisita que transmitia uma linguagem estranha. Subitamente as pessoas que estavam ouvindo a essa estranha linguagem desenvolvem um comportamento violento e começam a matar as pessoas. Vai ser durante essa confusão que Pedro e André lutarão por suas vidas.

Eu gostei da ideia do Tiago. Sem dúvida alguma é uma ideia muito diferente daquele tipo tema de sobrevivência a la Walking Dead. E ele localizou o cenário em algo tipicamente brasileiro. Se eu posso falar em pontos positivos do conto, estes estão presentes aqui. Porém, eu não gostei da execução. Entendi o que o autor quis fazer ao dar um aspecto mais dinâmico na trama, mas senti que não produziu o efeito que ele descreve na entrevista presente na revista. Ele deixou bastante a cargo da imaginação do leitor, mas senti que tiveram muitas lacunas. Não é nem uma questão de precisar de um texto mais longo, até porque não precisa. Mas, são algumas cenas que poderiam ter sido suprimidas de forma a trabalhar melhor a ligação entre os dois personagens. Acho até que teria sido legal se ele trabalhasse com flashbacks que se sobrepusessem à trama, fazendo uma espécie de interlúdios durante a narrativa. Teria um efeito melhor e reforçaria esse laço.

É um conto bem rápido e ilustrativo de como é uma escrita em vignettes, algo tipicamente cinematográfico. Vale a pena para estudar como essa ferramenta pode ser empregada apesar das falhas de execução presentes no conto. Adorei a ideia do Tiago e quero ver mais coisas escritas dele, mas nesse estilo mesmo. Tenho certeza que é uma questão apenas de acertar o ponto.

6 - O Vento do Oeste (Liége Baccaro Toledo) --> 3 corujas (3 de 3)

Uau... estou sem palavras após ler este conto. O que essa menina fez? Que história incrível que ela escreveu. Estou até agora impressionado com o mundo que ela criou e a profundidade da história que ela foi capaz de contar. Conseguir fazer esse tipo de construção de mundo de uma forma tão credível em um espaço tão curto é inacreditável. Por esse motivo, nada de dupla resenha para ela; merece uma resenha individual.

A narrativa é contada em primeira pessoa do ponto de vista de Farid, um ahmar, ou seja, um filho de Bahaal'zar. Por serem pessoas excluídas, os ahmar acabam precisando vagar de tribo em tribo, nunca permanecendo no mesmo lugar por muito tempo. Depois que sua mãe morre, Farid acaba ficando solitário no mundo. Graças aos poderes inerentes ao filho do deus dos ventos, as agruras do deserto não machucam tanto quanto deveriam. Depois de uma difícil travessia rumo a Murad, onde ele acredita que os ahmar possuem um status melhor, ele chega a uma vila onde o pedido de uma mãe fará com que ele seja obrigado a colocar sua vida em risco.

A escrita é muito visual. A autora consegue descrever com tanta qualidade os cenários e o que o personagem é capaz de enxergar, que o leitor consegue captar essas descrições. Não são descrições chatas; são muito vívidas, nos permitindo sentir o vento do deserto, os cheiros e os sons por toda a parte. Adoro quando me deparo com esse tipo de narrativa visual porque, por mais compacta que ela precise ser, ela consegue despertar os cinco sentidos do leitor. O protagonista não é um personagem chato, muito pelo contrário. Apesar de ser o típico herói, ele é um personagem com múltiplas camadas: sofre o preconceito, precisa lidar com a morte da mãe e o fato de estar sozinho no mundo. Aos poucos vamos vendo o quanto esta tristeza e melancolia se empilha nas costas do personagem, criando uma personalidade deveras cínica e irônica em algumas situações. A história é mais centrada na relação dele com o mundo, mas apesar disso, temos outros personagens que servem para amadurecê-lo. Nada é acidental na história; tudo possui um propósito.

O tema central do conto é a busca da identidade. Farid está tentando encontrar o seu lugar no mundo. Ele é o quê? E é a partir dessa dúvida dele é que somos jogados em uma história em que ele sai em busca de suas origens e motivações. A autora parece construir a essência do personagem aqui. Pouco a pouco as camadas de personalidade dele são colocadas a ponto de ao final nós termos um personagem redondinho. Acho que a autora poderia ter colocado um pouco mais de cinismo no protagonista por conta de todas as suas experiências, mas okay. Entendi aonde ela quer chegar. O contato com o deserto faz da vida dura, mas mesmo assim existe toda uma série de protocolos a serem preenchidos. O personagem é preso por algumas dessas superstições do deserto como o valor de uma promessa, o hospedar pessoas, o oferecer comida. Certamente a autora estudou um pouco da cultura árabe e transportou alguns desses elementos para o seu universo. E todos ficaram muito harmônicos a ponto de contribuir para o enriquecimento do personagem.

A trama central é bem apresentada e postada no conto. Não senti barriga em nenhum momento, apesar de ser um conto mais longo. Foi dado um bom espaço para a autora construir aquilo que ela julgou ser necessário para sua história. Achei a narrativa de uma riqueza incrível. Tivemos um exemplo muito bom de como fazer uma boa construção de mundo em um espaço pequeno. Ela conseguiu falar da condição dos excluídos, da relação do homem com o deserto, apresentou um pouco dos reinos e de suas características. Tudo isso sem parecer enfadonho. As descrições se encaixaram de acordo com a jornada do personagem rumo a um lugar novo. O que ele deixou para trás e qual a sua expectativa ao chegar a algo que pode ser promissor. A autora também constrói uma história que deixa muitos ganchos a serem aproveitados posteriormente. Ou seja, ela deixa o leitor querendo mais.

O Vento do Oeste é uma grata surpresa e me permitiu conhecer esta autora surpreendente que é a Liége. Já anotei tudo o que ela tem a oferecer na Amazon e estou super curioso com o que ela vai fazer com estes personagens. Recomendo demais lerem esse conto.

site: www.ficcoeshumanas.com
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