melissa 05/06/2015Grande variedade de gênerosFantástico, fantasia clássica, realismo mágico, ficção científica. Entre cyborgs, cientistas loucos, guerreiros do deserto e sonhadores conhecemos essa edição #3 da revista Trasgo que se destaca justamente por essa diversidade. Quer saber minha opinião sobre cada conto?
“O Empacotador de Memórias”, de Gael Rodrigues
Esse conto flerta um pouco com o realismo mágico. Nele, Tom busca, ao longo de sua vida, desenvolver um modo de fazer com que as pessoas possam reviver suas memórias mais especiais. A história é um bonito diálogo sobre a importância de lembrar mas também de esquecer, de se apegar e deixar para trás.
Tom tem que lidar com as consequências de ser um empacotador de memórias, aquele que pode trazer dor ou alívio. Inclusive para si mesmo.
Ah, para quem não sabe, realismo mágico é aquela tradição da latino-americana em que uma ficção apresenta fatos inusitados (ou mágicos ou mesmo cientificamente impossíveis) como normalidade. Nesse tipo de texto, o tempo é cíclico e temos essa impressão de que o passado e o presente são uma coisa só. Nem é preciso dizer que esse tipo de texto apela para os sentidos e tem forte preocupação com palavras, sonoridades e ordem frasal. Achei que o autor Gael Rodrigues fez um bom trabalho dialogando com essa tradição.
“Rosas Brancas”, de Roberto de Sousa Causo
Eu já tinha lido um conto do autor na antologia Excalibur (publiquei nessa antologia também), da Editora Draco, e tinha gostado bastante. Também conheço o autor como pesquisador, inclusive usei a tese de doutorado dele na minha dissertação de mestrado. Não me decepcionei com “Rosas Brancas”, que conta a história Mara, uma mulher em busca da filha.
Mara se vê no meio de uma intriga política e tecnológica e precisa utilizar o conhecimento científico de seu ex-marido, Perseu, para barganhar pela filha, Bella. Num cenário de ficção científica com armas avançadas e máquinas incríveis, o conto ganha pela cor brasileira. É sempre bom ver FC de qualidade se passando no Brasil.
“Rosas Brancas” tem uma ótima reviravolta no final e apresenta uma protagonista, Mara, bastante interessante e convincente. Ao que parece o conto faz parte do universo de “Shiroma – Matadora de Ciborgue” e fiquei bastante curiosa para conhecer.
“Feita de um sonho”, de Caroline Policarpo Veloso
Roberta tem sempre o mesmo sonho: está andando contra uma multidão de pessoas. O sonho parece bastante real, mas ela tem medo de ir até o final, pois tem uma estranha sensação de que há algo mais atrás daquilo. No entanto, precisa focar na vida real, uma vez que tem que sustentar a irmã, Suzana, uma vez que as duas são órfãs e não têm dinheiro.
O conto tem aquela premissa ótimas dos sonhos lúcidos, com aquele toque A Origem: o sonho dentro de um sonho e qual seria, afinal, a diferença entre sonho e realidade. No entanto, achei que a autora foi um pouco imatura na condução da narrativa, que explicou demais onde não devia, o que tirou um pouco da tensão. Mas depois vi que Caroline ainda está no Ensino Médio, então tem um bom tempo pela frente para refinar sua escrita. Ideias boas ela já tem.
“Invasão”, de Claudio Pereira
Esse conto é de literatura fantástica; as coisas acontecem como no fantástico, com coisas absurdas acontecendo sem explicação. Sim, absurdo é a palavra de ordem aqui.
O narrador-personagem nos conta de uma tarde especialmente tediosa em que o mais inexplicável acontece: seu apartamento é invadido por pessoas estranhas que usam seu telefone, deitam em sua cama e se apoderam de suas coisas. Numa sequência impossível, o narrador, com muito humor, critica o absurdo do nosso cotidiano. O texto tem uma grande preocupação com estilo que no início me incomodou, mas assim que me acostumei, consegui me divertir.
“Viral”, de Tiago Cordeiro
Apocalipse zumbi na favela. Dois amigos tentam impedir quebrando um misterioso código linguístico. Uma invasão de zumbis. Medo.
O conto de Tiago Cordeiro apresenta uma perspectiva bastante diferente (pelo menos para mim) de contaminação zumbi: um sinal transmitido parece converter todo mundo. Os amigos André e Gabriel descobrem a fonte e tenta resolver um código misterioso para se livrar da praga. O conto alterna entre as tentativas de Gabriel de salvar todos e as memórias de sua amizade com André. Achei que o conto teve uma ótima ideia, mas pecou um pouco no ritmo, que não prendeu e ficou um tanto inconsistente.
“O Vento do Oeste”, de Liége Báccaro Toledo FAVORITO
Liége Báccaro Toledo (que já foi nossa colunista aqui no LF!) se superou nessa linda história de fantasia baseada na mitologia árabe. Sinceramente, eu chorei no final e me emocionei com cada linha. Liége é uma escritora que vem amadurecendo muito nos últimos anos e eu mal posso esperar para ler mais um livro inteiro seu.
“O Vento do Oeste” conta a história de Farid, um Ahmar, um proscrito, filho de uma humana e do demônio do deserto. Vivendo como um pária durante toda sua vida, Farid encontra Amina Lafta, uma mulher que teve sua filha roubada pelo Vento do Oeste. Sabendo que o destino da garota seria se tornar mãe de um Ahmar, Farid tem que decidir se irá ajudar a salvar a jovem ou compactuar com seu lado mais sombrio.
A noveleta é escrita com maestria: é envolvente e poética. Recomendo imensamente.
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As ilustrações são de Kelly Santos e gostei bastante do estilo dessa ilustradora. Achei que ela desenha muito a temática de fantasia, com muitas dríades e ninfas. O traço dela me agradou bastante.
A revista contém ainda entrevistas muito interessantes com todos os autores. Vale a pena ler!