Victor Dantas 05/02/2021
Sobre a constante da Vida. #37
O texto “Da Tranquilidade da Alma” foi o meu primeiro contato com a obra do filósofo Sêneca (4 a.C.? - 65 d.C.). A obra trata de temas sociais (indivíduo x coletivo) e traz reflexões que giram em torno da questão “Como levar uma plena?”.
Além do texto principal que dá título à obra, a edição traz outros dois textos complementares: “Da vida retirada” e “Da felicidade”. Outrossim, existe ainda uma introdução que contextualiza a vida e obra do Sêneca para o leitor.
Em “Da vida retirada”, Sêneca propõe uma reflexão sobre a vida de recolhimento, contemplada a partir de experiências subjetivas, tal vida pressupõe que nós desenvolvemos hábitos que estimulem nosso crescimento intelectual, sentimental por meio dos estudos, da filosofia e da ação (a natureza).
Para tanto, Sêneca nos revela que essa vida é uma escolha, e que tal escolha exige reconhecimento e identificação das nossas necessidades reais, se nos sentimos bem e realizados com uma vida de recolhimento, ou se preferimos a vida pública, social, regada de ocupações. Finalmente, Sêneca discute também os tipos de vida existentes a que consagra o prazer, a que consagra a contemplação e a que consagra a ação.
Já no texto principal “Da Tranquilidade da Alma”, este é estruturado na forma de um diálogo entre Sêneca e seu amigo Sereno, onde Sereno expõe suas angústias e a sua insatisfação com o estilo de vida que leva, sendo assim pede orientações ao Sêneca.
“Não estou satisfeito, e me ocorre a dúvida de que outras coisas seriam melhores. Nenhuma dessas coisas me mudam, mas todas me deixam abalado” (pg. 37).
A partir das indagações do Sereno, o Sêneca vai elaborando suas ideias sobre o caminho para se chegar a uma vida plena, tranquila e suficiente por si só. As reflexões aqui são mais profundas e específicas, portanto, destaco aqui as que eu achei mais pertinentes para mim:
O VÍCIO
“São inúmeras as propriedades do vício, mas o seu efeito é um só: o aborrecer-se consigo mesmo” (pg. 42).
A partir das ideias apresentadas no texto, pude entender o quanto os vícios, seja qual for sua espécie, exige de nós um desgaste físico, mental e sentimental enorme, justamente pela sua repetição. A ilusão que eles nos passam é de ganhos (prazer, satisfação), no entanto, existe apenas perdas, sendo a perda mais cara: o nosso tempo.
PROPÓSITO E UTILIDADE
Em seguida, Sêneca conduz o debate sobre os propósitos da vida e a utilidade de nós para com o mundo.
Quem quer que tenha o firme propósito de se tornar útil aos cidadãos e, em geral, a todos os mortais, ao mesmo tempo quem trabalha e produz, deve administrar, de acordo com as suas condições, tanto as coisas comuns quanto os particulares (pg.47).
A partir da citação, entendemos que primeiramente, precisamos ser úteis para conosco, ter um propósito para conosco, para em seguida permitir que esses campos se expandam em benefício de mais sujeitos, se possível.
O processo inverso resulta em frustração, e nós coloca em estado de inércia, onde passamos responder apenas a estímulos, desejos e demandas externas a nós.
CAPACIDADES E LIMITES
Sêneca defende a ideia de que para empreender alguma ação precisamos antes de tudo identificar e conhecer nossas capacidades e limites pessoais, para assim, alcançarmos a realização.
“Antes de tudo, é necessário estimar a nossa própria capacidade, pois, muitas vezes, parece que podemos suportar mais do que realmente podemos” (pg. 54).
“Talentos forçados respondem mal; se a natureza é relutante, o resultado é infrutífero” (pg. 55).
Nunca saberemos de tudo. Nunca seremos bons em tudo. Temos capacidades. Temos limites. Falando assim parece até fácil aplicar essa ideia na nossa vida de imediato e colher os resultados, no entanto, essa é uma das angústias mais presentes na humanidade.
A compulsão de ser sempre o melhor em tudo.
Se na antiguidade, época em qual o texto foi escrito os humanos já enfrentavam esse dilema, imagina hoje. Século XXI, pós-modernidade, capitalismo, indústria cultural.
Vivemos em uma sociedade compulsória pela competitividade e poder. Tal ideologia é cultivada nas mais diferentes escalas (global, nacional, local) e nos distintos campos (social, política, economia, comunicação, consumo, relacionamentos etc.).
RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Somos seres influenciáveis e influenciadores. Isso deve ao pressuposto de que somos seres sociais, que vivem em coletivo, em meio a contradições e polarizações. Tais aspectos são reconhecidos a partir dos marcadores: gênero, raça, classe, consumo, princípios, entre outros.
Deve-se ter uma cuidadosa escolha dos homens, para sabermos quais são dignos de que lhe consagremos uma parte de nossa vida ou se é proveitoso que com eles percamos tempo, pois alguns nos imputam como dever aquilo que voluntariamente lhe concedemos (pg. 56).
A partir da citação, Sêneca nos revela que toda relação interpessoal demanda energia (física, sentimental, intelectual) e demanda tempo. Sendo assim, devemos buscar e cultivar relações que ao demandarem de nós, estejam ao mesmo tempo nos servindo, nos acrescentando. Mutualismo.
Família, amigos (as), parceiros (as) ou qualquer outra relação interpessoal, devem ser sempre avaliadas, para que possamos identificar as deficiências existentes e assim lidarmos com elas, sem comprometer agressivamente a nossa subjetividade.
O SUFICIENTE X O EXCESSO
Outra reflexão importante que o texto “Da tranquilidade da alma” trouxe foi sobre a materialidade. De que como nós tornamos pessoais extremamente materialistas, tendo como pressuposto de quer viver é sinônimo de ter (posse) e não de ser (estado).
Sêneca defende um estilo de vida, onde nós possamos consumir e viver com o necessário, o suficiente. Qualidade em vez de quantidade. Utilidade em vez de superficialidade.
Convém nos afastar da pompa e medir a utilidade das coisas, e não sua beleza exterior (pg. 61).
(...) o prazer reduzido ao apenas necessário (pg. 61).
Mais uma vez me vi fazendo uma associação das ideias defendidas no texto pelo Sêneca com a sociedade atual. É de conhecimento geral que vivemos em uma sociedade que é definida pela produtividade e o consumo, ou seja, riqueza e acumulação.
Por fim, obre o texto “Da Felicidade”, Sêneca também traz inúmeras reflexões sobre as distintas expressões de felicidade; o que nos afasta e o que nos aproxima da felicidade; a individualidade é garantia de felicidade? seria a felicidade um estado ou uma condição? Existe “A Felicidade” ou “FelicidadeS”?
(...) para descobrir o que torna a vida feliz, vai-se tentando, pois não é fácil alcançar a felicidade, uma vez que quanto mais a procuramos mais dela nos afastamos (p. 91).
(...) nada é pior do que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencidos de que o melhor é aquilo a que todos se submetem, considerar bons os exemplos numerosos e não viver racionalmente, mas sim por imitação (p. 92).
Bom, esse foi eu tentando mostrar o quanto a filosofia de Sêneca é necessária e pertinente para os dias de hoje, mas principalmente para aqueles que querem construir uma vida minimamente tranquila, leve, sem se prender aos valores impostos que levam a “uma vida ideal”, para quem quer ser dono do seu próprio roteiro de vida e não seguir o roteiro que é vendido para nós. E principalmente, para quem quer que sua vida esteja mais amparada no SER e no ESTAR e não no TER.