z..... 26/01/2020
Tradução de Artur Schwar (Editora Matos Peixoto, 1965)
Um dos romances mais esquisitos de Verne, onde a aventura atinge bizarrice tão grande que o autor, dado a tentativas de convencimento nas possibilidades cientificas, simplesmente as abandona, deixando as coisas num plano misterioso, onde a historia se desenrola de maneira confusa e com situações mal resolvidas, despertando atenção apenas pelo contexto inusitado.
Em linhas gerais, um misterioso cometa passa próximo da Terra, "de raspão", sem qualquer conhecimento de sua existência e consequente previsão científica. O suficiente para atrair uma grande extensão de terra, que se torna errante pelo espaço também, um cometa (com mar, ilhas e os desafortunados terráqueos presentes no momento do cataclisma) em trajetória que ruma primeiramente ao sol, faz curva e parte para os confins de nosso sistema solar. A elipse, após cerca de dois anos, redireciona o inusitado corpo celeste para nosso planeta, com desfecho pra lá de surreal.
Numa visão positiva e simpática sobre a tosqueira dessa aventura, creio que o livro instiga a visão da pequenez da humanidade. Basta notar que entre os trinta e pouco sobreviventes (navegadores da Espanha, Rússia, Inglaterra e França), houve acordos para ajuda mútua, afastamento de determinado grupo por partidarismo, defesa de ideais sobrepondo a sobrevivência e, num aspecto mais íntimo, oportunismo egoísta por interesses pessoais mesquinhos. Assim é a humanidade em seu passeio, em sua existência, em suas historias, em sua trajetória pelo universo?
O título referencia um capitão francês na Argélia, que se torna também governador geral de Gália (nome dado ao inverosímel cometa de origem terrestre). Outros nomes que merecem registro são Palmirano Rosette (o professor maluco da vez, que tenta explicar o inexplicável) e Isaque Hakhabut (personagem movido por interesses egoístas, retratado como um comerciante judeu). No geral, as personagens são tão insossas em sua individualidade que o importante no romance é a visão sobre o grupo, pretenso exemplo da humanidade.
Referenciando algumas bizarrices, a atividade vulcânica permite a sobrevivência momentânea no trajeto de crescente queda da temperatura (por conta do afastamento do sol); todos os animais são sacrificados para evitar sofrimento após cessar o vulcanismo (garantindo também provisão de alimento); parte do grupo refugia-se nas entranhas do vulcão em busca do remanescente de calor; e os deslocamentos em Gália são favorecidos pela baixa gravidade.
Entre os aspectos mal resolvidos, a tênue atmosfera e o desenrolar do início da história, antes do estranho cataclismo cósmico (referente a duelo entre Servadac e oficial russo, em disputa por uma mulher). Só posso crer que tudo se tornou ínfimo na suposta proposta de Verne...
E na questão de abandono científico, Verne utilizou de recurso que depois Monteiro Lobato gastaria de montão em suas aventuras no Sítio (quando fala do pó de pir-lim-pim-pim, seguido de um fiúúúúm misterioso e consequente transporte para realidade alternativa): é a fantasia do absurdo. No caso, Verne apenas descreveu o início da aventura como cataclismo cósmico em circunstâncias misteriosas, e o retorno para a Terra num desmaio misterioso e inexplicável. O "pedaço do planeta" parece voltar para o mesmo lugar e ninguém na Terra soube de nada...
Eita! Desse jeito fica fácil desenrolar qualquer coisa, no surrealismo absurdo...
Enfim, o que seria fato extraordinário, em termos práticos não é tão extraordinário assim, mas vale a conferida.