Catu 31/01/2024
"A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome.[...] Respire, D'ardelo, meu amigo, respire essa insignificância que nos cerca, ela é a chave da sabedoria, ela é a chave do bom humor..." (pág. 132)
Meu primeiro contato com o Kundera. Primeiro ouvi falar do "A insustentável leveza do ser", famigerado e título tal que despertou curiosidade mas não há ponto de logo lê-lo pois só anos depois que resolvi pegar alguma coisa do Kundera para ler. E o escolhido não foi ele. Peguei o que estava ao alcance de minhas mãos na prateleira alheia.
Agora, sendo objetiva sobre "A Festa da Insignificância": é uma trama curta, de enredo e linguagem simples. Cinco amigos e vários eventos aparentemente sem importância (insignificantes, daí o título) que se desenrolam ao longo de poucos dias. No meio, evocações e situações hipotéticas do por quê do abandono materno sofrido pelo Alain que ganham voz e corpo ( bem legal como vemos a figura da mãe se materializando), junto com a explicação da nomeação do enclave russo de Kaliningrado (parte pretexto para crítica ao Stalinismo).
Tudo permeado por um humor e filosofia sutis. Divagações várias, gostei principalmente do lance de "como se criam seres desculpantes", aquilo me pegou.
E ah, o modo como ele apresenta o que está rolando em um mesmo momento com personagens em ambientes diferentes, ou situações não compartilhadas entre si, é bem legalzinho me lembra uma contação de história dos anos 90/2000: "enquanto isso, o que será que esta acontecendo lá do outro lado, hein????Vamos descobrir agora...", e corta para esse lá. Algo assim meio "lúdico", curti hahaha.
Dois pontos que podem incomodar:
1. partes um pouco confusas para se situar temporalmente na hora da história do Stálin; 2. personagens mulheres propositalmente bobas ou negativas de alguma forma (ou aparentam ser).
O final se arremata sem muitas surpresas, o que é de se esperar pela trama espacial bem demilitada no cotidiano de pessoas comuns, e arremata de maneira satisfatória o argumento principal (a insignificância de propósitos é uma constante no viver e seus atos).
Vale ressaltar, edição física é muito bonita, capa dura mais minimalista e folhas amareladinhas, fonte e espaçamento confortáveis para leitura.
No geral, por ser um livro curto, de linguagem sem rebuscamentos e rápido de ler, é uma ótima pedida para uma noite de insônia (foi o meu caso, aprovei).