NahVarella 10/11/2022
A autonomia do pensamento crítico não são tarefas simples
O livro Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade foi escrito em 1994 por bell hooks. Foi traduzido para o português em 2013, o livro contém 14 capítulos e uma introdução, totalizando 288 páginas. Apesar de sua tradução tardia para o português, quase 20 anos após a sua publicação. bell hooks é uma das mais importantes intelectuais da atualidade. Desde a década de 1980 até os dias atuais, ela já publicou mais de 30 livros. A obra traz brilhantes ensaios que são muito comuns ainda hoje dentro de sala de aula, como os ataques a escolas públicas e a herança de Paulo Freire.
Ao longo dos 14 capítulos, hook revela estratégias, dificuldades e os principais autores que influenciaram os seus anseios ao longo de sua jornada como aluna e professora dentro de sala de aula. Apesar de terem sido escritos em momentos distintos, os capítulos dialogam entre si e se aprofundam em temáticas defendidas pela autora. Que apresenta o seu ponto de vista tanto como aluna, quanto como professora em diferentes contextos e sobre como a aplicação de uma pedagogia engajada pode influenciar os alunos e os professores negros ou brancos a transgredir. O livro traz uma nova ótica sobre a educação, onde professores conseguem ensinar alunos a transgredir barreiras raciais, sexuais, de classe e atingirem a liberdade.
No primeiro capítulo do livro, hooks inicia o ensaio sobre a pedagogia que apoia e aplica em suas aulas como professora e ativista ? a pedagogia engajada. Uma pedagogia que propõe ?um jeito de ensinar que qualquer um pode aprender?, (p.25) hooks inicia assim as suas reflexões sobre a construção engajada do processo de ensinar e aprender. Além disso, ela fala do aspecto sagrado da docência, que não tem nada haver com religiosidade, mas sim, com a missão docente de transmitir uma aprendizagem que promovesse a libertação. Esses professores deveriam ter o desejo e a vontade de olhar a singularidade de cada aluno e trazer respostas a suas questões profundas com profundo compromisso.
Ao ir contra a perspectiva da educação bancária desde sua graduação, hooks estabelece um diálogo com a pedagogia como prática de liberdade de Paulo Freire. A obra de Freire afirma que para a educação se torna libertadora quantos todos tomam posse do conhecimento, ou seja, uma construção coletiva. Essa noção de trabalho coletivo faz o diálogo Thich Nhat Hanh, que apresenta uma prática de agir, refletir e por fim modificar.
A autora nos apresenta a problemática dos professores que não querem ensinar e dos alunos que não querem aprender. Gerando uma crise na educação. Reflexões da falta de compromisso e da ausência do aspecto sagrado da prática docente, que acabam por compactuar com as estruturas de repressão e exclusão. Por isso, nos apresenta a pedagogia engajada como uma solução capaz de resolver os problemas da educação. Entretanto, a mesma é exaustiva, visto que requer o real compromisso do professor como mediador e dos alunos como participantes ativos dentro de sala de aula.
[? A academia não é o paraíso, mas o aprendizado, é um lugar onde o paraíso pode ser criado. A sala de aula com todas suas limitações continua sendo um ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades, temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, exigir de nós e de nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permite encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginemos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade?] HOOKS, 2013. pág. 273.
Bell hooks nos faz um convite a (re) pensar a essência da educação, principalmente a capacidade da educação de causar mudanças na vida e na trajetória das pessoas que a ela têm acesso. Mais do que promover mudanças na vida das pessoas, a educação mexe com as estruturas dominantes. Não é atoa que a educação, o currículo e as práticas revolucionárias tenham tanta dificuldade de serem implementadas e fake news vem sendo espalhadas sobre a educação nos últimos anos, principalmente no Brasil. A verdade é que mexer nas estruturas desagrada o sistema capitalista neoliberal, os políticos e os grandes empresários, não querem uma sociedade pensante, crítica e sem medo de transgredir. Tais fatos se tornam óbvios, ao pensar no contexto brasileiro de 2016 até o presente. Por isso, os professores negros e brancos precisam se esforçar para construírem em seus alunos a consciência critica, a educação precisa ser libertaria. E para isso, todos devem tomar posse do conhecimento como se fosse este uma plantação em que todos têm de trabalhar. ( pág. 26.)
A autora comenta sobre o racismo e o elitismo dentro de espaços acadêmicos em experiências como professora e aluna nessas instituições. Deixando bem claro que ?As vozes dos alunos nem sempre são ouvidas?, esse silenciamento contribui para um abafamento da voz dos alunos, principalmente em questões étnicas e raciais, contribuindo para a manutenção do conversador ismo, estigmas e racismo dentro das escolas e universidades. Outro instrumento de opressão apontado por bell hooks é a língua, que destaca como que a linguagem padrão eleita pela elite, exclui os alunos que apresentam marcas de linguagem periféricas.
A escola não pode continuar sendo um ambiente de opressão, por isso ao longo de todos os capítulos, hooks questiona as praticas tradicionais e propõe uma pedagogia engajada, coletiva com ênfase na pedagogia feminista. Visto que, o movimento feminista é importantíssimo na luta contra a opressão. O movimento impactou positivamente a educação, na busca de igualdade de direitos e liberdade, as feministas negras romperam com as ferramentas que as silenciavam, trazendo para dentro do sistema educacional o combate ao racismo, preconceito de raça e gênero e outras desigualdades. Por isso, é fácil identificar o porquê era tão importante para Bell incutir a pedagogia libertadora e transgressora dentro dos espaços acadêmicos e da nossa sociedade.
Esse livro me fez refletir sobre o sistema educacional como um todo, e como muitos professores ainda são omissos de suas
responsabilidades como docentes. A pedagogia crítica, promover uma educação para a liberdade e a autonomia de pensamento crítica não são tarefas simples, exigem muito esforço do professor, mas são de extrema importância no contexto social e histórico em que vivemos hoje. Ensinar a transgredir deveria ser o novo método tradicional, educar para a liberdade não pode ser um diferencial apenas de escolas construtivistas. ?Esse livro é um convite à profunda reflexão da educação como prática de humanismo, é importante refletir na nossa prática pedagógica e atentar-nos ao dito por Freire? A educação não muda o mundo. Educação muda as pessoas e as pessoas transformam o mundo.?