Gustavo 02/01/2017Magnífico...Confesso que comprei este título apenas pelo preço, numa daquelas bancas com títulos por 9,99. Mal sabia eu que a obra se tornaria provavelmente a minha favorita entre as não-ficcionais. Acompanho com afinco diversos esportes, mas este não é um pré-requisito para se encantar com a leitura.
Está na contracapa, que "neste livro fascinante, Daniel James Brown refaz os passos da equipe da Universidade de Washington na década de 1930, que deixou sua marca na história do remo [...] Ao obter a tão sonhada vaga olímpica, eles se veem diante de seu maior desafio: disputar a medalha de ouro nas 'Olimpíadas Nazistas' de Berlim, em 1936, diante do olhar vigilante de Hitler".
O que também está lá, mas talvez passe despercebido é, na verdade, a grande sacada do autor: a história é focada especialmente em um personagem, Joe Rantz, o mais desfavorecido dos remadores. Em muitos momentos dá pra esquecer a veia esportiva da obra, os contextos históricos brilhantemente apresentados (como a Depressão Americana e ascensão Nazista), e focarmos apenas na mente e nos desafios de Rantz - que consegue sua tão improvável redenção, aí sim, por vias que talvez só o esporte proporcione.
É possível dizer, sem exagero, que apenas o Prólogo da obra já tem uma força que talvez não seja garimpada em muitos livros de 500 páginas. Nele o autor trata de sua conversa com o já idoso Joe Rantz, no início do processo de produção do livro:
"Foi aí, quando começou a falar do barco, que a voz começou a lhe faltar e as lágrimas brotaram em seus olhos. No início, pensei que o 'barco' fosse o Husky Clipper em que ele remara em direção à glória. Depois, achei que fosse um modo de se referir aos seus companheiros de equipe, aquele incrível grupo de jovens responsável por um dos maiores feitos da história do remo olímpico. Observando, porém, seu esforço para manter a compostura em certos momentos, percebi que 'o barco' significava, além da embarcação física e de sua tripulação, algo transcendente, uma coisa misteriosa, quase indefinível. Era uma experiência compartilhada - uma singularidade que existiu numa fenda do tempo há muito desaparecida, quando nove rapazes generosos se empenharam juntos, trabalharam como um só homem, deram uns aos outros tudo que tinha de si, unidos para sempre pelo orgulho, pelo respeito e pelo amor. Joe chorava, ao menos em parte, pela extinção daquela centelha, mas muito mais, creio eu, pela sua beleza. [...] Apertei outra vez a mão de Joe e disse-lhe que gostaria de voltar para conversar um pouco mais, quem sabe escrever um livro sobre seus dias de remador. Agarrando de novo minha mão, ele disse que gostaria também. E com a voz mais uma vez embargada, advertiu-me com gentileza: 'Mas não apenas sobre mim. Tem que ser sobre o barco'."
O enredo levanta uma inevitável comparação com "Carruagens de Fogo" (1981), filme que retrata de modo parecido a jornada de corredores britânicos rumo às Olimpíadas de 1924, e que talvez tenha ficado mais famoso por sua música-tema do que por sua mensagem. "Meninos de Ouro" talvez seja parecido, mas indubitavelmente melhor. Eu diria que grandeza semelhante à da trilha composta por Vangelis está presente na maioria das 383 páginas deste livro.