Thaylan 21/07/2015
A geração "mertiolate que não arde".
Antes de tudo adianto que a resenha é relativamente longa, pelo fato de haver enorme conteúdo de enorme relevância. É um dos meus favoritos e fico feliz por ter feito essa resenha. Creio que fiz um trabalho excelente, mas nem tanto por mérito meu, porque só mastiguei e acrescentei impressões sobre o livro, aquilo que sábia e entendia do autor e seus pensamentos. É um livro que recomendo a todos que buscam entender os “porquês” da vida cotidiana e do mundo. Mas atenção! Não leia com a certeza de encontrar as respostas, pois muito provavelmente você terá mais perguntas.
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O subtítulo do livro é: ”uma agenda para o contemporâneo”, trata-se de uma coletânea de ensaios onde o escritor e filósofo, Luiz Felipe Pondé, descreve sobre a crise existente no mundo de hoje onde vemos uma sociedade de mimados e ofendidinhos.
Um livro pequeno com apenas 170 páginas e ainda menor (na quantidade de letras e palavras) por ser da editora Leya – característica em ter margens grandes com letras de tamanho médio – que muitas vezes não preenche mais que a metade das páginas em escrita. A editora combina perfeitamente com o estilo do autor tendo em vista que o próprio Pondé comentou certa vez, que pelo hábito de escrever sua coluna semanal na Folha não necessita mais que os 3.300 caracteres para escrever o que pensa.
Com isso, Pondé adquiriu um poder de síntese surpreendente, no livro, encontramos uma leitura rápida, porém, profunda, onde ele nos faz refletir sobre o mundo em que vivemos sem se importar se concordamos ou discordamos de sua visão, ou melhor, Pondé faz questão de “ofender”, atacar o sentimentalismo exacerbado de quem lê, procurando mexer na ferida dos ressentidos e chamando-os pelo nome.
Peculiaridade sempre presente na escrita e fala do autor é seu pensamento contra a corrente “politicamente correta”, não buscando agradar ninguém, escrevendo assim como Santo Agostinho – para não se sentir só. Confesso a quem lê minha resenha sobre o livro, que sou apaixonado pelo Pondé, pelo seu pensamento e ideias, sou fortemente influenciado pela sua visão de mundo e assim como ele, acredito na filosofia trágica como sendo a melhor forma para se adquirir o conhecimento.
Logo no prólogo, Pondé traz duas citações de dois grandes autores, o primeiro Theodore Dalrymple e o outro, Bernard Shaw. Uma degustação de entrada para o leitor se deliciar:
“A elevação dos direitos a benefícios tangíveis leva as pessoas, inevitavelmente, a uma mentalidade vil que oscila entre ingratidão, na melhor das hipóteses – pois por que razão elas deveriam se sentir gratas por receber algo que é um direito – e, na pior das hipóteses, ressentimento. O ressentimento, a única emoção humana que pode durar a vida inteira, provê infinitas justificativas para suas más ações.”
“A coragem não lhe salvará, mas mostrará que suas almas ainda vivem”.
Pondé dedica o livro “em homenagem a todos que estão fugindo”, ironizando as fugas triviais de pessoas que vivem uma ilusão dentro de sua própria ignorância e a falta de coragem de sair do meio da boiada e pensar a partir de si mesmas. Logo nesse começo ele dá o tom do livro.
O professor PhD, Luiz Felipe Pondé, faz uma previsão baseado na história onde diz que no futuro, daqui uns mil anos, não se lembrarão de nós como os criadores do Iphone, do Ipad e todas outras tecnologias e das redes sociais, mas sim como a era do ressentimento. Ele faz um deboche de uma crença infantil, uma fé romântica nas redes sociais, como meios e métodos revolucionários para transformar o mundo. Faz alusão à Primavera Árabe onde caíram vários ditadores, e, no entanto, crítica a mesma por trocar 6 por meia dúzia. Acredita que as evoluções devem ser graduais, lentas e culturais. Nunca impostas.
O narcisismo exacerbado e o hedonismo como busca de felicidade imediata, curto prazista e a todo custo, não escapam das críticas do escritor. Sendo honesto intelectualmente ele aceita (diferentemente da esquerda detentora da “verdade única”) que o capitalismo tem suas falhas, até porque é constituído por seres humanos, e, portanto, imperfeito. Sempre muito cético por sua própria natureza melancólica, Pondé não acredita que a humanidade caminha conscientemente para um caminho específico, apenas fazem o que podem, enquanto podem.
Há um pensamento comum de que vivemos numa “sociedade em rede”, como se todos fossemos um só corpo interligados através da internet, pelo mercado global onde todos se comunicam formando redes de significado integrado. Ele critica esse pensamento utópico e diz que não existe nenhum avanço nesse processo digital. Cada pessoa ou grupo se move em culturas e significados distantes e isso per se é conflitante, não há como vivermos sempre em paz em harmonia. É impossível querermos e crermos nas mesmas coisas.
O mundo para Pondé se move em três partes: a primeira é a estrutura técnico-econômica – responsável pela distribuição da produção de produtos e bens, que visa evitar a escassez natural da condição humana; a segunda parte é a política, a estrutura que geri e administra o poder e legitima a violência em uma sociedade – é a organização institucionalizada de quem manda e quem obedece de forma legal; e a terceira estrutura é a cultural que produz sentido e distribuí os significados da cultura local e, que formam a identidade em uma sociedade – as religiões. Essas três partes são distintas, desarmônicas e contraditórias em si.
O secularismo também é atacado pelo escritor, essa vida extremamente racionalizada e programada de casais “moderninhos” que fazem um planejamento da vida crendo que isso é possível. O egoísmo e o narcisismo estão presentes nessa postura secularista quando esses casais programam a quantidade de filhos, e até mesmo, a vida dos filhos, integralmente. Porque na verdade: o filho serve como uma espécie de retorno afetivo dessa vida vazia e, também uma poupança a longo prazo – para quando estiverem velhos e inúteis profissionalmente.
No livro Pondé parabeniza e enaltece a postura daqueles que sabem que a vida não tem sentido e enfrentam esse desconforto buscando a verdade, apesar de tudo, e, acima de tudo, fugindo de fugas falsas e baratas. Pessoas que assumem essa responsabilidade de carregar a verdade – que sempre dói –, ao contrário dos ressentidos que culpam sempre os outros pela miséria em suas vidas e que infelizmente são a maioria – os covardes.
Essa busca pela verdade, cética e pessimista, é o que na realidade nos mostra o belo. Porque viver é sofrer, a felicidade é a lacuna. Quando a vida ocorre relativamente bem ela geralmente é monótona e basicamente infeliz. A felicidade, nós encontramos em alguns poucos momentos na vida e isso é que dá graça, dá o brilho e mostra o belo na vida. Imagine se fossemos feliz o tempo todo? Além de sermos bobos não saberíamos o que é felicidade sem sabermos o que é tristeza. Felicidade é ignorância, a gente só é feliz quando esquecemos que existimos, crianças são felizes por não entenderem as complexidades do mundo. A ignorância é uma dádiva, dizem...
Conviver consigo mesmo, com o seu ‘eu’ (buscar refletir internamente) por muito tempo – dói. Enfrentar nossos demônios (os nossos pecados inerentes), adquirir conhecimento sobre a realidade da vida faz com que ficamos nus diante da nossa mediocridade. Carregamos nosso cadáver nas costas (pois somos o único animal que sabe que vai morrer), adoecemos, envelhecemos, nunca somos tão amados como queríamos, nem tão magros ou fortes como queríamos, nunca somos tão ricos quanto queríamos e; por outro lado, se somos muito ricos isso também é ruim em algum ponto – porque traz insegurança –, ou, se somos tão legais e temos muitos amigos – somos superficiais e rasos. É a ambivalência natural de ser.
“A beleza nasce no pântano e na lama do mundo. A beleza, quando expressa, deve ser rara, em detalhes, inesperada, senão perde a cor. E mais: não conseguimos viver com a beleza porque ela desnuda nossa falta de beleza e, aí, ficamos ressentidos porque alguém é mais belo do que nós”, citação de Pondé no livro sobre a beleza.
Segundo Pondé, matamos Cristo porque ele era belo, odiamos as mulheres bonitas porque não a temos para nós (homens) e no caso das mulheres feias: detestam as bonitas porque não são belas e desejadas quanto elas. A tragédia nisso é que o ressentimento não vê a beleza, ele é cego. E por odiar o belo, o ressentido nunca será belo. Em todos os sentidos: se você inveja e odeia a riqueza – jamais será rico; se odeia a inteligência – jamais será inteligente.
É obvio que a tendência natural é fugirmos da dor e de algo desagradável e incômodo, isso funciona como um mecanismo fisiológico de defesa. E até por isso as pessoas buscam fugas. Entretanto, não se deve entender felicidade como um direito, como se essa fuga da tristeza, devessem a você e devessem lhe prover a felicidade que busca: fazer da felicidade um direito é coisa de gente idiota e covarde, diz Pondé. Todos temos o direito ‘para’ buscar a felicidade e não o direito ‘de’ felicidade, como se aquilo nos fosse garantido.
De onde surge o ressentimento? Em Nietsche, acredita Pondé, foi o primeiro a detectar esse sintoma do ressentimento, que veio da indiferença do mundo para conosco, de a agente achar que deveríamos ser mais reconhecidos do que somos, ou do que deveríamos ser. Vem do universo irracional, do mundo sem sentido e a consequência desse ressentimento nos torna superficiais, com isso nós usamos uma espécie de recalque para fugir da realidade, (censurar o inconsciente) para fugir do próprio ressentimento.
Nessa vida autocensurada (recalcada) acabamos de nos tornar uma sociedade extremamente consumista pra tentar sair desse vazio existencial que é o vazio e a indiferença da vida. Já que a vida não tem sentido, você tenta dar sentido (por exemplo) ao dinheiro – pensando que este é a causa que você busca, mas na realidade é o efeito. A causa do dinheiro para se atingir a felicidade é quando você o conquista de modo honrado e merecido, se você o tem de modo fácil e imerecido (no sentido de que alguém lhe deu ou você roubou) o dinheiro nunca será o bastante para sua felicidade.
Não há cura para o ressentimento, a única maneira de lhe dar com ele é a coragem de entender que a vida é um escândalo. Que a vida é, como ela é – e temos de nos adaptar.
Num ensaio intitulado “não sou”, com seu excelente poder de síntese, Pondé escreve o quê é o ressentimento: “é inveja de quem é melhor, sentimento sufocante de que eu tenho “direito” de ser melhor do que ele é, a conclusão aterrorizadora de que não sou”. Então porque eu não sou ele não deve ser, no fundo isso não passa de inveja. Toda vez que encontramos pessoas melhores do que nós caímos no ressentimento, e a experiência de conviver com pessoas melhores que nós é muito difícil, às vezes insuportável. Por isso pessoas baixas tentam desmoralizar pessoas superiores.
A emancipação feminina onde atualmente as mulheres dão mais valor a uma carreira profissional do que em ter um filho, essas pessoas que se acham “bem resolvidas”, que já superaram essa tradição – é uma farsa. Com um viés darwinista o filósofo diz: “talvez a melhor forma de definir uma mulher independente seja defini-la como: incapaz de encontrar um homem que queira fecundá-la e, que a obedeça”. Ou seja, essa mulher faz uma espécie de marketing pessoal, segundo Pondé, onde diz que vai muito bem, mas a verdade é que ela não encontrou um homem capaz e apto de ter um vínculo sério com ela, em querer formar uma família. Por isso ela cria essa personagem enganando até a si mesma.
Todos dependemos de alguém, podemos dizer que não nos importamos com o que falam de nós mas nos importamos sim do que algumas pessoas em especial falam. Tudo o que fazemos é no fundo pensando em alguém, e quando não se precisa mais de alguém em um relacionamento esse relacionamento deixa de existir.
No fim, tudo o que fazemos é lutar contra a morte. Sempre estamos tentando dizer, mesmo que inconscientemente – as últimas palavras. Invejamos os deuses, eles são imortais e nós somos finitos. Pelo fato da vida ser finita vivemos almejando a perfeição, tentando ter menos erros possíveis por não termos possibilidades infinitas, e isso é a morte – o fracasso profissional, assim como uma traição em um relacionamento, uma doença, a incapacidade intelectual. Estamos sempre tentando fugir de tudo isso e buscando a perfeição – algo praticamente (humanamente) impossível. A morte é uma guerreira que não tem pressa nem vaidade e no fim sempre vence, assim como as “várias mortes” durante a vida.
A maturidade esta fora de moda, os pais fazem um culto a infantilidade – infantolatria – isso prejudica o desenvolvimento dos jovens e das gerações futuras, pois a mensagem que os pais passam é que a vida é uma eterna balada e que ninguém mais assume a responsabilidade. Essa juventude é uma juventude perdida, pois habitam um mundo em que são considerados gurus (sábios), mas como ser sábio sem tem tido uma vivência?
Com esse pensamento de “sabe-tudo” os jovens estão condenados a querer ser sempre jovens, isso os leva a tornarem-se adultos infantis.
Esse medo do amadurecimento está relacionado ao medo de ser pai ou mãe. Os meninos alegam que as mulheres não merecem investimento e os filhos vão se tornando cada vez mais raros, um animal em extinção, diz Pondé. Acrescenta ainda que a situação tende a piorar quando for legalizado o aborto. Pois aí os bebes se tornam apenas parasitas.
Vivemos numa “tirania da felicidade”, um mundo em que se precisa provar a todos, a todo o momento, que se é feliz. Como se tristeza fosse doença. Se você não postar fotos de que é feliz é sinal de que você não dá certo. Então muitos fazem propaganda de si, vivem baseados em uma ilusão, vivendo para os outros. As pessoas olham as fotos nas redes sociais de outras pessoas e pensam como são mais felizes que nós, mas isso não passa de marketing.
A felicidade deve ser discreta, falar pouco de si mesma e assim sendo elegante.
Fugindo do senso-comum, Pondé diz, ao contrário do que a maioria pensa, que a vida deixou de ser curta há muito tempo. “O consumismo, por exemplo, é o ato de quem não tem o que fazer e todos nós já estivemos nesse lugar”. A vida é longa demais, ela deixou de ser curta há muito tempo, por isso sempre ficamos sem o que fazer em algum momento e isso nos dá tédio.
Em um ensaio, o filósofo menciona o termo deserto de valores, fazendo uma alusão ao sociólogo Zigmunt Bauman, onde a palavra “deserto” significa “nada”. Então ele diz que há um deserto da privacidade, lembrando-nos que antigamente a privacidade era algo importante e hoje é um tormento, porque quanto mais privacidade temos, mais é claro o vazio das horas e mais claro é a nossa mediocridade. Para fugir da privacidade e o mal-estar que ela nos trás, buscamos ser invadidos pelos outros, num delírio de celebridade e redes sociais, o vazio desse sujeito que não tem valores é o desespero por curtidas no facebook.
Essas causas do facebook são um vício pra mendigar atenção nas redes, essa hipocrisia de muitos defendendo a causa indígena através do seu MAC pró da Apple, outros que creem em andar de bike em São Paulo achando que vão salvar o planeta do efeito estufa, ou aqueles que pensam que se comerem alimentos vegetarianos com isso estarão salvando os animais e o ecossistema do mundo.
Pondé critica uma fala recorrente de muitos, e aqui eu me identifico em certo momento da minha vida como sendo um desses, onde as pessoas falam “posso ser o que eu quiser” ou, “cada um pode ser o que quiser basta querer e se esforçar”. Isso é mentira. Esse discurso revela o tédio da própria identidade, quando as pessoas usam essa fala é pra se confortar e se enganar da própria realidade. É análogo a dizer “eu sou X porque quero ser X, se eu quisesse ser Y eu seria”, é uma mentira da nossa incapacidade pra lidar com o sofrimento.
“Somos seres da falta, sempre parece que falta algo, nunca está tão bom quanto gostaríamos que estivesse. Então nunca estamos satisfeitos. Se conseguimos realizar algo, logo vem o tédio de ter conseguido aquilo e então precisamos nos reinventar, precisamos buscar outras atividades, outros sonhos e outras metas”. Com esse trecho, o professor mostra sua visão e diz que por isso o homem é um ser perdido que não tem solução, a sua própria natureza o leva ao sofrimento.
Certa vez, numa palestra o Pondé cita uma frase que me marcou muito, do filosofo alemão do século XIX, Schopenhauer. A frase era: "O desejo tem duas formas de te humilhar: uma é não deixando que você realize ele nunca, a outra é deixando que você realize". Essa frase cabe perfeitamente no que quer dizer o parágrafo anterior e é de uma inteligência ímpar/singular.
Ao contrario do que dizem muitos livros de autoajuda, que se pensarmos positivo moveremos montanhas e que o mundo conspira ao nosso favor de acordo com nossos pensamentos, Pondé diz totalmente o contrário: que o universo é indiferente aos nossos desejos, que a riqueza não cai do céu. A vida é um processo inseguro e interminável na busca do sucesso. “Basta pararmos de nos mexer para cairmos na pobreza, porque ela é como a gravidade – sempre vence quando cansamos de nadar. A riqueza é antinatural e não faz parte dos planos da criação”. Por isso, não podemos parar. Então leitor, vá trabalhar e pare de filosofar!
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OBS: Tento um Blog intitulado "Ceticismo, Conservadorismo e Capitalismo" aonde eu posto várias resenhas e muito mais: artigos informativos, textos filosóficos. Deixarei o link na descrição!
site: www.thaylangranzotto.blogspot.com.br