PorEssasPáginas 09/08/2014
A Cuca Recomenda: O Silêncio do Mundo - Por Essas Páginas
Gostei tanto desse conto que é até difícil procurar por onde começar a falar dele. Ele é belo e melancólico sem ser piegas; é complexo e profundo sem ser pretensioso. Acho que ele sintetiza bastante como é a escrita da autora Melissa de Sá (você pode encontrar resenhas de outros contos e livros dela aqui). Extremamente sensível, esse conto capta com perfeição o que é a beleza, a solidão e o conflito de ser adolescente, especialmente em um mundo degradado e cinza.
O Silêncio do Mundo conta, em primeira pessoa, a história de Lícia, uma garota que nasceu após todos os países do mundo fecharem suas fronteiras. Ela vive na América do Sul e, além dela, todo o restante do mundo é um amontoado cinza e desconhecido de terras que ela só pode imaginar (mas nem se importa muito). Seus pais, no entanto, viveram “o antes”, quando era possível andar com liberdade, pegar um avião e voar para outros países, ouvir música e navegar na internet; a extinta internet, que o governo da América do Sul não vigia muito bem e, por isso, Lícia vez ou outra arrisca navegar, captando faíscas proibidas de um mundo que já não existe mais.
O conto é uma distopia adolescente, mas é muito, muito mais que isso. Fala principalmente sobre sentimentos, sobre a relação de pais e filhos, sobre jovens descobrindo a si mesmos, sozinhos em um mundo dilacerado. Lícia é uma personagem que cativa imediatamente, apesar de narrar o mundo com uma visão quase fria; porém, ela gradualmente evolui para alguém que sente de maneira profunda e que descobre a beleza na complexidade das pequenas coisas. A ideia que o conto deixa é que não se precisa de muita coisa para sentir e viver. À medida que Lícia descobre fragmentos de um mundo que se foi, ela também descobre coisas que ainda pode ter, como amizade e compreensão.
“Às vezes eu tenho a impressão de que ela está sempre chorando, mesmo que nenhuma lágrima escorra.”
Foi brilhante como Melissa de Sá conseguiu criar personagens tão reais e distintos em um conto de poucas páginas. Todos tocam de alguma maneira, apesar do texto ser curto. A relação de Lícia com a mãe, revoltada por ter perdido a vida que tinha no mundo de “antes”, a amizade pura de Lícia e Yuri, o pai conciliador de Lícia e Aldara, a amiga triste que Yuri apresenta a Lícia. Todos têm uma história para contar, um universo atrás do pouco que nos é apresentado, e você sente que está tudo lá, que todos eles têm um sólido pano de fundo que contribui para que estes sejam personagens tão reais, personagens que permanecem com o leitor mesmo após a última palavra da história.
Quando você termina esse conto, resta um silêncio aqui dentro; você quer mais, mas sabe que não precisa, afinal está tudo ali. É sublime e sensível além das palavras. Apesar de gostar muito dos outros contos da Melissa de Sá, acredito que este é um ótimo ponto de partida para quem nunca leu nada dela. É uma das histórias mais bonitas e mais tristes que já li. Gostei muito da capa também; é um dos meus estilos de capa prediletos, simples, mas que vai direto ao ponto. O conto, realmente, fala bastante sobre música, música para sentir, para preencher o silêncio dentro da gente, para preencher O Silêncio do Mundo, e de fato, é isso mesmo que a música sempre fez e sempre fará: preenche vazios. O conto faz parte da coleção Contos do Dragão, da Editora Draco, um acervo incrível de contos digitais a preços super pequenininhos. Vale a pena conferir (você pode ler outras resenhas dos Contos do Dragão aqui). A Cuca Recomenda e muito!
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