Servidões

Servidões Herberto Helder




Resenhas - Servidões


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Gu Henri 08/09/2019

Interessante como há poetas desconhecidos que sejam merecedores de serem lidos, e outros tantos tão famosos e lidos que deveriam não serem nem lembrados.
Mal sabia quem era Herberto Helder, por acaso baixei este livro, o mundo europeu mais contemporâneo é um pouco desconhecido das Américas, somos colonizados pelos EUA, isto é fato, e desvinculamo-nos de Portugal e, dos outros países de língua portuguesa mais ainda.

A editora Assírio e Alvim tem em seu catálogo sempre coisas genias e que eu ao descobri-las me adentro num mundo que tinha saído, principalmente nestes malditos poetas, nestes negadoras da civilização e causadores do mal-estar entre os homens, principalmente naqueles que os admiram, Helberto Helder, com suas palavras e atos foi destes.

Os poemas contidos neste livro dialogam com o mundo contemporâneo mais atual, mas não só, dialogam com outros poetas, desde Dante até Rimbaud, e há claramente uma erudição e alto conhecimento do autor pela literatura e uma critica mordaz ao que chamamos construção da civilização, como ele bem pondera acerca da religião, desde a destruição do conhecimento por demais tipos de povos, como que houve com Alexandria, até mesmo ao que a religião impregna acerca da recompensa após a morte.


Deixo aqui um dos poemas que mais me chamou a atenção, deveras ao seu final escrachado!

"

daqui a uns tempos acho que vou arvoar
através dos temas ar e fogo,
a mim já me foram contando umas histórias que me deixaram
meio louco furioso:
um bando de bêbados entrou num velório e pôs-se à
bofetada no morto,
e riram-se todos muitíssimo,
que lavre então a loucura, disse eu, e toda a gente se ria,
até a família,
tudo tão contra a criatura ali parada em tudo,
equânime, nenhuma,
contudo, bem, talvez, quem sabe?
talvez se lhe devesse a honra de uma pergunta imóvel, uma
nova inclinação de cabeça
— à bofetada! —
fiquei passado mas,
pensando durante duas insónias seguidas,pedi:
metam-me, mal comece a arvoar,
directo, roupas e tudo, no fogo,
e quem sabe?
talvez assim as mãos violentas se não atrevam por causa
da abrasadura,
porém enquanto vim por aqui linhas abaixo:
ora, estou-me nas tintas:
pior que apanhar bofetadas depois de morto é apanhá-las
vivo ainda,
e se me entram portas adentro!
¿Eli, Eli?
um tipo de oitentas está fodido,
morto ou vivo,
e os truques: não batam mais no velhinho,
olhem que eu chamo a polícia, etc. — já não faíscam nas
abóbadas do mundo:
vou comprar uma pistola,
ou mato-os a eles ou mato-me a mim mesmo,
para resgatar uns poemas que tenho ali na gaveta,
nunca pensei viver tanto, e sempre e tanto
no meio de medos e pesadelos e poemas inacabados,e sem ter lido todos os livros que, de intuição, teria lido
e relido, e treslido num alumbramento,
e é pior que bofetadas, vivo ou morto,
pior que o mundo,
e o pior de tudo é mesmo não ter escrito o poema soberbo
acerca do fim da inocência,
da aguda urgência do mal:
em todos os sítios de todos os dias pela idade fora como
uma ferida,
arvoar para o nada de nada se faz favor, e muito, e o mais
depressa impossível,
e com menos anos, mais nu, mais lavado de biografia e de
estudos
da puta que os pariu

"
comentários(0)comente



1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR