Andre.Pithon 21/09/2022
Disco Elysium não é apenas um dos melhores jogos, quiçá uma das melhores coisas, que eu li em muito tempo. Possui uma atmosfera noir e uma estrutura de detetive clássica transposta para um mundo perigosamente próxima do nosso, mas pincelado de conceitos quase incompreensíveis, e de uma metafísica que desafia estruturas básicas da realidade. Com um humor político absurdista magnífico, Disco Elysium aproxima-se da perfeição. Eu sei que eu deveria escrever sobre The City & the City, mas eu não quero. Essa é a impressão que o livro me deixa no seu final. Eu muito preferia estar discutindo o jogo ao qual serviu de inspiração.
A trama de China Miéville segue um detetive de Beszel, cidade/nação que quase se sobrepõe com sua vizinha Ul Qoma. É na construção de mundo que jaz a maior força da obra, duas cidades vizinhas, divididas não por um muro, mas por barreiras sociais, pessoas de cada cidade impedidas de ver a outra, ignorando vizinhos por serem parte da outra sociedade, todo o mundo existindo de uma forma que o povo deve aprender a desver, ignorar tudo que é estrangeiro. E como carrascos, juízes e supervisores jaz a "Breach" (O atravessar, talvez, li a versão em inglês e é difícil dizer como poderia ter sido traduzido). Qualquer interação indevida com o país vizinho leva a uma intervenção da estranha organização quase alienígena da Breach. E isso é extremamente interessante, a forma como as legislações locais se mesclam com a legislação fantástica dessa supra-organização gera um quebra cabeça fascinante.
Assim como Disco Elysium, o verdadeiro ponto não é o whodunnit, não é a resolução do mistério, mas o interagir com a sociedade, o entender da bizarra política de um bizarro mundo que por vezes se assemelha muito ao real. Mas DE trás profundidade para os personagens, recheados de demônios pessoais e tragédias românticas. DE trás humor pós-irônico, tirando sarro de múltiplas ideologias políticas. DE trás passagens inteligentes e fascinantes de prosa, e uma escrita tão magnífica que parece errado pertencer a um jogo. The City & the City não. Nos dá um mundo intrigante, um mistério genérico, e meio que para por aí.
Mas que fique claro, o mundo é EXTREMAMENTE interessante. Os personagens são funcionais, mesmo que superficiais. O mistério tem suas surpresas, mesmo que elas não sejam estarrecedoras. A constante dúvida quanto a possibilidade do sobrenatural prende o leitor, e as perguntas sobre as possibilidades trazidas por Orciny, um terceira cidade oculta nos pontos invisíveis entre as outras duas, alimentam a curiosidade.
É um bom livro. China cria ideias espetaculares, e trás uma dinâmica diferente para o que se costuma esperar de fantasia.
Mas não chega nem perto de ser suficientemente Disco.