Coruja 26/03/2013O livro desse mês do Clube do Livro era um que fazia tempo que eu queria ler – na verdade, queria ter lido no ano passado antes de viajar, mas agora tá valendo também, porque descobri que estarei em Paris de novo esse ano (ISSO!!!), em agosto, de forma que poderei visitar mais uma vez a livraria, dessa vez conhecendo a história por trás dela.
Jeremy, o autor, era um ferrado na vida. Sério, os capítulos iniciais em que ele conta sua fuga do Canadá são um desastre atrás do outro. Tendo começado como um jornalista policial, se meteu com drogas, escreveu um livro sobre um ladrão que lhe tinha contado suas memórias e pedido expressamente para que ele deixasse certos detalhes de fora - que ele obviamente não deixou -, o que resultou em ameaças de morte e uma desastrada decisão de recomeçar a vida sem quase dinheiro, do outro lado do mundo, o mais distante possível da confusão que ele tinha gerado.
É assim que ele vai para em Paris, e, cá entre nós, a despeito da merda em que se meteu, eu não acho que Jeremy poderia ter se saído melhor do que indo para em Paris. E, por uma série de coincidências, uma baita chuva e nenhum lugar para se abrigar... ele termina conhecendo a livraria Shakespeare and Company.
Eu estive nessa livraria, mas não num domingo... não sei se o hábito de tomar chá e oferecer sopa ainda existem na livraria (vou descobri-lo quando passar por lá de novo...). O fato é que a descrição do lugar, do clima, das pessoas, da bagunça, por mais bizarra que possa parecer, por mais que soem como uma festa do Chapeleiro Maluco (e entre o poeta, o homem de toga e o pirata, vamos concordar que não fica em nada a dever a Alice...), tem um espírito tão legal, tão fantástico - e ele soube descrever tão bem essa passagem - que você deseja desesperadamente estar lá.
Nem todo mundo gosta da Shakespeare and Company. A Carol, quando fomos, se sentiu um pouco mal lá dentro, especialmente no térreo, porque é um lugar apertado, entulhado de livros, quase claustrofóbico e bastante labiríntico. Parece ser pequeno, mas você acaba se perdendo lá dentro, porque as pilhas de livros que estão por todos os lados acabam formando corredores disfarçados e você simplesmente não sabe para que lado ir.
O primeiro andar é mais aberto e tem um espaço de livros infantis com uma caminha ao lado de uma outra sala onde fica um piano - que qualquer um que entre e saiba tocar pode chegar, se sentar e começar a fazer música (quando eu estava lá, chegou uma pessoa e começou a tocar). Pela janela, você tem uma vista linda de Notre-Dame e outro cubículo meio escondido com uma máquina de escrever, luzes de natal (tipa pisca-pisca, mas sem piscar e só uma cor) decorando a entrada. Você se senta ali e por todas as paredes, até o teto, há pedacinhos de papel pregados - uns com esparadrapo, outros com adesivo, alguns até com chiclete, todos louvando a idéia da livraria, dizendo o quanto aquele lugar é mágico.
Eu não sei se quando fui tinha algumas salas fechadas ou se o mundaréu de gente que se enfiou lá dentro quando começou a chover (sim, eu estive lá num dia de chuva, como o Jeremy...) acabou me impedindo de enxergar o que havia, mas não encontrei um segundo andar (descobri agora lendo esse livro que há três pisos contando com o térreo, então perdi alguma coisa...) nem a fonte de desejos...
Terei de procurá-los agora, não é verdade?
Aqui vai um resumo da história da livraria se você nunca ouviu falar sobre ela: antes da Segunda Guerra, Sylvia Beach abriu a Shakespeare and Company, uma livraria que servia quase como segunda casa para autores como Hemingway, Fitzgerald e Gertrude Stein e que levantou o dinheiro para que James Joyce publicasse Ulysses. Os nazistas, ao ocuparem Paris, fecharam a livraria (que ao seu ver talvez fosse um antro de possíveis revolucionários), mandando Sylvia para um campo de concentração.
Quando os Aliados entraram em Paris, o próprio Hemingway, que estava com o exército, liberou o lugar, mas Sylvia nunca mais quis saber de dar continuidade ao trabalho.
Após sua morte, na década de 60, George Whitman (que não tinha nenhum parentesco com o poeta Walt Whitman, ainda que seu pai se chamasse Walt Whitman...), que já tinha uma livraria próxima ao lugar em que aquela outra já mítica, rebatizou o lugar e assim tivemos a segunda Shakespeare and Company, que é a loja que ainda existe hoje e você pode visitar ao passar por Paris.
George Whitman era um comunista confesso e parte da razão de ter deixado os Estados Unidos pela França foi o início da perseguição às bruxas dos tempos da Guerra Fria. Sua livraria era um misto de biblioteca e hotel: se você não tivesse dinheiro, podia pegar o livro emprestado e se fosse um escritor precisando de pouso, havia camas e mais camas pelo lugar para poder se abrigar – um refúgio pelo qual Whitman não cobrava nada.
As únicas condições eram auxiliar com alguns serviços da loja vez em quando e ler um (bom) livro por dia.
Foi nesse lugar e nessa companhia que Jeremy – nosso autor – reencontrou as próprias pernas e pode se firmar na vida novamente: de um fracassado e quebrado jornalista fugitivo para um autor internacional com muitas memórias e histórias para compartilhar.
Se você pretende ir a Paris algum dia, leia esse livro e depois visite a Shakespeare and Company. Se você não é do tipo que gosta de viajar ou não está podendo planejar futuras jornadas para além do Atlântico, leia assim mesmo. É uma história fascinante, sobre um lugar fascinante, que vale muito, muito à pena conhecer.
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)