PorEssasPáginas 05/11/2014
Resenha: Centelha - Por Essas Páginas
Demorei um tempão entre terminar de ler Centelha e escrever essa resenha. Por quê? Porque o livro é tão bom, tão incrível, tão estupendamente sensacional, que fiquei com ressaca. Ressaca de resenha, ressaca literária. Verdade! Fiquei uma semana sem ler, essa não sou eu! É daquelas histórias que você fica pensando por dias e não quer se separar dos personagens de jeito nenhum. A exemplo de Brilho, primeiro volume da trilogia, Centelha figura como um dos favoritos na minha estante. Mas isso não quer dizer que tudo são flores nessa sequência
Atenção: essa resenha pode e terá spoilers do primeiro volume da trilogia, Brilho.
A primeira coisa que tenho a dizer (e também a minha maior crítica a esse livro) é que essa sinopse é péssima: extremamente parcial e tendenciosa, ela leva o leitor desatento a ter uma visão completamente equivocada do livro e especialmente dos personagens. A primeira vez que a li, na Bienal, fiquei com a pulga atrás da orelha e com muito, muito medo. Será que a autora iria destruir tudo o que magistralmente desenvolveu no primeiro livro? Porque se há uma coisa que aprendi com Brilho foi que, nessa história, não há vilões nem heróis, apenas pessoas, especialmente, adolescentes, tentando fazer o melhor que podem, o que acreditam ser o melhor e muitas vezes falhando miseravelmente.
Vou colocar pra vocês aqui a sinopse original, em tradução livre, que copiei lá do Goodreads:
Waverly e Kieran estão finalmente reunidos na Empyrean. Kieran conduziu os garotos com segurança até este ponto, e agora que as garotas estão de volta sua missão parece um pouco menos impossível: perseguir a New Horizon e salvar seus pais da nave inimiga. Mas nada é realmente como parece os métodos de liderança de Kieran desencadeiam a raiva de Seth e as suspeitas de Waverly. Esse é realmente o seu noivo? O menino bonito e carinhoso do qual ela foi arrancada por apenas um curto período de tempo antes? Cada vez mais, ela encontra seus pensamentos alinhados com Seth. Mas se Seth é de inimigo número 1 de Kieran, o que isso faz dela?
Em uma noite, uma explosão estranha balança a Empyrean, forçando-os a sair do curso e atrasando a sua busca da New Horizon e Seth é misteriosamente libertado da prisão. Seth é o suspeito mais óbvio para a explosão, e Waverly a suspeita mais óbvia por libertá-lo. À medida que a tensão atinge um ponto de ebulição, Seth será capaz de encontrar o verdadeiro culpado antes que Kieran prenda os dois ou pior? Waverly será capaz de seguir seu coração, mesmo que isso coloque vidas em risco? Com o equilíbrio de poder precário e o relógio correndo, cada decisão conta cada passo aproxima-os a de um novo começo ou um fim repentino.
Bem diferente da sinopse brasileira, não? Pois é. Sem querer defender o Kieran, mas já defendendo: ele não é o vilão monstruoso que a sinopse pinta. Ok, isso é o que Waverly pensa, mas ela não é a única narradora e não tem a visão completa dos fatos, não a que o leitor teve lendo anteriormente Brilho. No livro anterior, Kieran foi trancado na prisão por Seth, sem nenhum julgamento, foi deixado sem água, comida, humilhado e quase morto. É claro que ele está com raiva! Você pode dizer: mas agora ele está fazendo (quase) a mesma coisa com Seth, mas é preciso lembrar que eles são adolescentes em uma situação caótica (e algo brilhante é que a autora nunca esquece que eles ainda são adolescentes e, apesar de tudo, eles ainda se comportam de maneira coerente com sua idade), no limite de suas capacidades, e é bem dentro do personagem que Kieran queira dar o troco agora. E Seth não é burro ele sabe que não é uma vítima, que agiu como um louco no primeiro livro e agora está pagando por isso. Ele tem tempo para se conscientizar disso na prisão (apesar de que eu senti essa parte um pouco apressada, como se Seth, tão perturbado no livro anterior, agora rapidamente tomasse consciência e se tornasse melhor muito depressa) e sofrer a ponto de se tornar alguém melhor. A sinopse brasileira, como está, culpa Kieran por completo, demoniza-o, transformando Seth automaticamente em um herói e Waverly na única salvação da nave, o que também está bem longe de ser verdade; ela é apenas mais uma peça no quebra-cabeça da história, uma peça importante, mas nem de longe uma chave que soluciona todos os problemas.
Colocando de lado minha revolta pela Geração Editorial ter usado outra sinopse e uma muito tendenciosa (mas, por outro lado, agradecendo à editora por terem mantido o padrão da capa de Brilho e escolhido uma capa MUITO melhor do que o restante que eu vi no Goodreads), bem, vamos à trama. As garotas retornaram à Empyrean, que agora está sob o comando de Kieran, que se autointitulou capitão. Para aumentar o ânimo e salvar a nave, Kieran começou a fazer cerimônias religiosas, e isso só deixa Waverly ainda mais assustada, afinal, ela acabou de chegar da New Horizon, uma nave comandada por uma pastora que cometia atrocidades em nome da religião. É aí que está um dos grandes questionamentos da série: a religião é boa ou má, ou será que ela é feita de pessoas e são essas, acima da religião ou da ausência desta, que transformam as ideias em coisas boas ou terríveis?
Está na hora de todos vocês crescerem. Vocês podem querer alguma espécie de confronto final, como nos livros, mas isto não é um livro de ficção. Isto é guerra. E posso dizer a vocês () que a guerra não tem um final feliz. Para ninguém. Página 296
Ao mesmo tempo, a nave é sabotada e, aos poucos e principalmente pela ação de Seth, que agora também é um dos narradores, juntando-se à narração de Kieran e Waverly nós descobrimos que há um espião na Empyrean, o que só aumenta o clima de tensão. Kieran logo pensa que Seth é o sabotador, mas as coisas não são tão simples e, à medida que o livro caminha, os dois precisam eventualmente confrontar suas diferenças. Enquanto isso, Waverly se sente cada vez mais alinhada às ideias de Seth e distante de Kieran. Mas, além disso, a personagem sofre uma transformação absurda a partir de alguns acontecimentos durante o livro e, claro, com toda a bagagem do que aconteceu em Brilho: Waverly chega a assustar e, por alguns momentos, eu realmente fiquei com raiva dela, só para lembrar, pouco tempo depois, que ela tinha sim motivos para agir daquela maneira. É como eu não canso de repetir: nessa série o mais fascinante é que ela é feita, de fato, de pessoas reais, personagens tão complexos que se confundem com a vida real. Ninguém é perfeito, ninguém é bonzinho, ninguém é totalmente horrível, ninguém é vilão; todos têm seus motivos para agirem da maneira que agem e, por isso mesmo, você acaba não conseguindo defender nem odiar ninguém. É impossível se posicionar em lados, apesar de a autora brincar de jogar o leitor de um lado para o outro, apenas para testá-lo; no entanto, quando você atinge uma maior compreensão da história, começa apenas a ler freneticamente, sabendo que tudo aquilo irá desmoronar, que só restará dor no final, mas mesmo assim você quer saber o que acontece.
A edição, novamente, está muito caprichada. A capa, a diagramação, a revisão e os detalhes de imagens dentro das páginas, tudo perfeito. A Geração Editorial está novamente de parabéns, exceto, é claro, pela sinopse que, no fundo, foi de fato a única coisa que não gostei no livro.
Centelha é, ainda, um livro que aborda política sem ser cansativo e sem perder em nenhum momento a emoção da aventura e da ação que o permeiam. Uma das melhores partes no livro é a eleição da Empyrean e, apesar de eu adorar o Kieran, ele realmente estava errado em se proclamar capitão arbitrariamente. Assim como o restante do livro, mas especialmente aqui, esse momento é repleto de questões a serem refletidas e frases muito inteligentes que aguçam ainda mais o interesse do leitor. Mas, mesmo havendo discussões políticas e religiosas no livro, não há momento para respirar e, quando você acha que há uma pausa, engana-se: esse livro é uma montanha-russa, cheia de curvas e loopings, onde a emoção não termina nem mesmo quando você fecha a última página. Você ainda vai pensar na história por dias, questionar os personagens, questionar a si mesmo e arrancar os cabelos de ansiedade pelo próximo livro, o último da trilogia: Flame, em tradução livre Chama. Eu aqui sei que mal posso esperar para ler essa sequência, apesar de não querer me despedir desses personagens e dessa história fantástica.
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