spoiler visualizarThay262 27/09/2023
Se pretende ler só por causa de Atlântida, sugiro buscar uma edição que tenha só o diálogo de Crítias!!
O livro trás tanto o diálogo de Timeu quanto o de Crítias em sequência, um dando seguimento ao outro. Ainda na introdução o tradutor diz-nos que tais diálogos eram para formar uma trilogia, sendo "Timeu, Crítias e Hermócrates", porém este último nunca chegou a compor o conjunto.
***Atenção, contém prováveis spoilers e um resumo de todo o livro***
Quanto ao conteúdo:
Timeu trará o diálogo acerca do mundo e, posteriormente, dos seres que o habitam, deuses animais, plantas, e faz um destaque ao Homem (leia-se, humanidade). Essa parte ocupa a maior parte do texto, se estende até a página 211 (de um livro que tem 260).
Mas é no diálogo de Crítias que surge a Guerra entre Atenas e Atlântida (ou seja, sobre Atlântida só tem cerca de 50 páginas, menos até, umas 30 só).
Quem procura este livro para conhecer a primeira menção a ilha/continente de Atlântida pode não gostar que Timeu receba maior destaque filosófico, enquanto Crítias com o relato de Atlântida não ganhe tanto destaque. Se pretende ler só por causa de Atlântida, sugiro buscar uma edição que tenha só o diálogo de Crítias!!
— DIÁLOGO DE TIMEU:
O texto de Timeu ganha mais notoriedade porque fez referência a opinião (doxa) versus saber (epistêmê). Ou seja, razão e pensamento versos informações que são captadas por meros sentidos individuais, uma irracionalidade. Logo, quaisquer discurso sobre o mundo deve se situar no âmbito do saber.
Colocará o mundo como causa de ação divina; A divindade (demiurgo) é definida como um deus (theos), que é bom, belo e correto. Mas tal Demiurgo não é exatamente um criador, pois rearranja oque já era pre-existente em novas formas, não criou e sim moldou. É um organizador, não um criador. Isso traz um nexo do Demiurgo como oque fez imperar a ordem onde ela não existia; sendo a anarquia então seu oposto, o caos.
Mas o demiurgo é a causa da criação do mundo, como efeito ele não pode fazer parte desse mundo como consequência. (Tal demiurgo, que originou o mundo, não o governa por si, deixa-o logo após ter concluído a sua tarefa de organiza-lo e entrega parte da sua criação às divindades geradas por si [como Gaia, Urano, Oceano, Tétis, Cronos, Reia, Zeus, Atena, Hera, dentre outros muitos deuses]).
Há uma distinção também entre Myths, Khôra e Logos. Onde mito é uma narrativa poética advinda dos deuses e do inteligível, e Logos é o discurso criado no mundo material, das formas, pelos homens que tenta alcança-lo, que tenta entender o Myths. E Khôra é um ponto de 'meio termo' entre o mundo inteligível (das ideias) e o mundo sensível (das formas), sem ser exatamente nenhum.
O mundo como o conhecemos deriva do imutável, do mundo inteligível (das ideias), porém ao ser representado, é percebido como Mundo Sensível, isto é; quem habita esse mundo só vê e o entende a partir de nossos sentidos falhos. Assim cria-se uma oposição do Mundo Sensível (da opinião), com o Mundo Imutável (do saber).
Associa-se o Intelecto e saber ao Demiurgo, pois o Intelecto é aquele que guia para o melhor. Enquanto associa-se o homem a Necessidades, pois é movido por seus falhos sentidos, necessidades, paixões e opiniões. Opondo então Intelecto versus Necessidade.
O mundo e o homem dende ao irracional pois são obviamente movidos pela necessidade, logo, são falhos e mutáveis. Assume-se um modelo dualista: o Intelecto representa a divindade, inteligência e o mundo imutável; e a Necessidade corresponde à corporeidade, o mundo sensível e a irracionalidade humana e mundana.
Trazendo também a questão do Ser (que é sempre) e do Devir (que pode vir a ser). O Devir está sempre em contínua mudança, por isso é objeto de opinião, o Devir é captado mediante a percepção com os nossos 5 sentidos e faz parte do Mundo Sensível, o homem é Devir (por exemplo) e se deixar as sensações de lado ou subordiná-las à inteligência "pode vir a ser, mas não é". Pois o único que "é", é advindo do mundo inteligível, da razão, do intelecto, do conhecimento imutável, da certeza e verdade. Sendo então o corpo nosso canal com o mundo sensível, da opinião, e a alma o canal com o mundo inteligível, da razão e do intelecto.
Diz-se que o homem deve buscar a razão e o Intelecto, ao invés de deixar nosso corpo guiar-nos, pois esse tende ao irracional. Em suma disso, oque somos e tudo que há no Mundo Sensível (das formas) é representação, correta ou disforme, do que um dia foi no Mundo Inteligível (das ideias), então temos que tentar ver além das formas.
É importante citar que o texto fala para deixar a Doxa (opinião) e adquirir Epistêmê (saber), e que a filosofia da antiguidade foi a base para o pensamento racional moderno que foi culminar no pensamento científico atual. Ao mesmo tempo que esse texto do Timeu não abandona teologia, e dá pra ver raízes Hinduístas, e do Zoroastrismo e religiões abrãamicas (Judaísmo, Islamismo e Cristianismo), que provavelmente inspirou o Platônismo, que por sua vez inspirou o Gnósticismo. Porque o texto supõe um deus (theos) que é um artesão (Demiurgo) que é bom e dotado de intelecto e razão (Nous), e que por tanto é a literalidade de uma teologia, porque devemos buscar deus (théos), ao mesmo passo que é uma metáfora para o conhecimento porque se deus é Nous, então devemos buscar a Nous (intelecto e razão).
OQUE ACHEI DESSA PARTE:
Esse primeiro é mais interessante para os filósofos, e talvez por isso tenha recebido maior destaque nas academias.
P.s: o conhecimento anatômico e médico já nesse momento de Platão é surreal, pra época. A forma de pensar também é insana, me senti burra. E teria aproveitado mais o texto se fosse leitura conjunta com um professor de filosofia, só assim pra entender essa primeira parte melhor. Se for encarar sozinho como eu, e não tiver muito conhecimento do assunto, essa parte será bem "chatinha e difícil de compreender". Mas é muito bom, de qualquer modo, a edição que adquiri é boa também porque tem muitas notas de rodapé que auxiliam para maior compreensão (lembre sempre de pesquisar as edições e avaliar qual é a melhor para você).
— DIÁLOGO DE CRÍTIAS:
Enquanto o segundo diálogo, de Crítias, reverberou mais nas ficções e entusiastas de civilizações antigas, tornando o mito de Atlântida muito famoso.
Embora a primeira parte tenha seu valor e seja interessante nuns pontos confesso que não entendi muita coisa da parte de Timeu, até porque oque mais me prendeu mesmo foi a parte de Crítias e Atlântida, que é essa (Na verdade, eu só me propus a ler esse livro por conta de ser a primeira menção a Atlântida).
No diálogo de Crítias se trás uma narrativa, de nove mil anos atrás (antes de Platão) quando a referida guerra entre os Atenienses e os que habitavam além das Colunas de Hércules (Atlantis) aconteceu.
Depois da partilha que ocorreu entre os deuses, eles dividiram toda a terra para cada um, onde estabeleceram templos e sacrifícios em seu próprio benefício. Deste modo, Poseidon, ficou com essa que viria a ser Atlântida. Poseidon teve muitas esposas, uma delas foi a mortal Clito, com quem teve 10 filhos (5 pares de gêmeos), o mais velho deles chamado Atlas (outro Atlas, não é aquele Titã condenado a sustentar os céus). Atlas, como o mais velho tornou-se rei, e seu nome derivou o nome da ilha, Atlântida, e o Oceano Atlântico (onde supostamente estaria a antiga Atlântida).
A ilha continental fora dividida em 10 partes para cada um dos irmãos comandar, e a dinastia foi próspera e farta por muitas gerações. A ilha produzia tudo em abundância, tinha dois veios de rio, era rica em mineração de metais precisos, tinha bom bioma, com rica flora (que a todos alimentava fartamente) e fauna (desde animais domésticos a selvagens, elefantes eram o maior animal presente na ilha). Um lugar magnífico que Crítias faz uma boa descrição nesse livro, mas em resumo, no centro tinha um templo sagrado dedicado a Clito e Poseidon, e o resto da ilha continental era formada por dois anéis de terra e três de água, cada anel cercado por grandes muralhas. Tal como é descrito era o projeto arquitetônico e também natural mais avançado da época.
Inicialmente o governo de Atlântida prosperava e suas 10 linhagens Reais eram cheias de justiça e de virtude, mas quando a natureza divina desses reis descendentes de Poseidon foi diminuída, conforme sua descendência se casava com mortais, os Atlantes ainda eram belos e felizes, mas estavam cheios de arrogância e necessidade de poder, tais que tornaram-se características dos Atlantes: Até que os deuses, em desagradado com isso, decidiram sentar e decidir oque fazer com os Atlantes. O texto termina abruptamente bem aí, sem dizer oque foi decidido. Mas como no início se fala de um sismo, que soterrou e dizimou os Atlantes e Atenienses em guerra, e simultaneamente um dilúvio que submergiu Atlântida, pensa-se que está foi a punição incumbida, serem totalmente esquecidos (até este diálogo se fazer 'lembrar').
Tal narrativa é dita de memória, e trás grandes e admiráveis feitos dos tempos antigos da cidade de Atenas, que tinham sido esquecidos graças ao tempo e à destruição da humanidade por um dilúvio (há sempre uma ideia de que tais ocorrências são porque os deuses provocam dilúvios para punir um malfeito humano, e purificar a terra novamente).
Nesse relato perdido, conta-se que a cidade de Atenas expulsou o inimigo, Atlântida, praticamente sozinha na frente de batalha; e isso quando a civilização Atlante era símbolo da ganância e domínio, sendo uma força invasora arrasadora e, ao mesmo tempo, uma superpotência econômica e tecnológica.
É dito que esta história foi esquecida pelos gregos por causa do tempo e da morte daqueles que nela participaram sem que antes pudessem preservar sua história. Então é recontada a eles pelos Egípcios, cujos quais se beneficiaram com a queda de Atlântida, e por isso mantiveram a história dentre os seus, repassando-a aos gregos, pois os Egípcios acreditavam que uma de suas deusas (Neith) era a mesma deusa que os gregos chamavam de Atenas: Fazendo com que os Egípcios se familiarizarem com os gregos Atenienses (O governador Grego Sólon, que viveu na mesma época de Platão, visitou o Egito onde lhe contaram essa tal 'história' de Atlântida de 9 mil anos atrás, Sólon então voltou a Grécia e repassou-a a família de Crítias [que é como um sobrenome, já que há vários Crítias], é um 'Crítias' o narrador do "Diálogo de Crítias e a Atlântida" pois afirma ter escutado esta história de seu avô quando criança, que é então escrita por Platão para nós).
Trecho do livro:
"(...) na época anterior à maior destruição causada pela água, a cidade Atenienses era a mais brava na guerra e incomparavelmente a mais bem governada em todos os aspectos. Dizem que deu origem aos mais belos feitos e às mais belas instituições política (...). Visto que a deusa era amante simultaneamente da guerra e da sabedoria, escolheu esse lugar e povoou-o antes de outros, porque era propício criar os homens que mais lhe assemelhassem. Vivíeis, pois, regidos por aquelas leis, ainda melhores do que as nossas, e, além disso, com uma boa organização política; e éreis melhores do que todos os homens em virtude, como é de esperar de rebentos e discípulos dos deuses". (...).
"Tal extinguiu uma potência (Atlântida) que marchava insolente em parte da Europa (chegando a Etrúria [atual Itália]) e parte da África (Líbia), pelo Mediterrâneo, e tentava avançar até a Ásia (atual Turquia e outros países da região), depois de ter partido do Oceano Atlântico, quando o mar mal podia ser realmente atravessado, pois em seu lugar havia uma ilha junto ao estreito a que vós chamais Colunas de Hércules (hoje é chamado de Estreito de Gibraltar). Vós dizeis; ilha essa (Atlântida) que era maior do que a 'Líbia' e a 'Ásia Menor' juntas (...). Esta potência tentou, toda unida, escravizar com uma só ofensiva toda a vossa região, a nossa e também todos os locais aquém das Colunas de Hércules".
"O poderio da vossa cidade Atenas, pois sobrepôs-se a todos em coragem e nas artes da guerra, quando liderou o exército grego e, depois, quando foi deixada à sua própria mercê, por força da desistência dos outros povos, e correu riscos extremos. Mas veio a erigir o monumento da vitória ao dominar quem nos atacava; impediu que escravizassem, entre outros, quem nunca tinha sido escravizado, bem como todos os que habitavam aquém das Colunas de Hércules, e libertou-nos a todos sem qualquer reserva. Posteriormente, por causa de um sismo incomensurável e de um dilúvio que sobreveio num só dia e numa noite terríveis, toda a vossa classe guerreira foi de uma só vez engolida pela terra, e também a ilha de Atlântida desapareceu da mesma maneira, afundada no mar".
OQUE ACHEI DESSA PARTE:
Como eu li justamente pra entender melhor oque realmente existe de menção a Atlântida, para além do que sites diversos dizem e aumentam sem base nenhuma, eu gostei do que encontrei nesse livro. Satisfez minha curiosidade, embora a parte sobre Atlântida seja pequena. Ajudou também o fato de eu não ter criado muitas expectativas, daí oque li foi mais do que esperava.
Eaê? Alguém vai encarar esse leitura? Boa sorte!
site: entulhandoideiasdiversas.blogspot.com/