spoiler visualizarPeterson.Silva 28/04/2016
Bom!
O livro cumpre o que promete, e a autora escreve muito bem. Há arroubos de genialidade, assim como alguns contos meio sem graça, mas na média o livro gera insights, risos e pensamentos bem interessantes.
Um certo conservadorismo cultural transborda, atravessando o livro com frequência - mas é só quando a mão da escritora pesa nesse sentido que o mérito literário sofre (que bela poesia a do ateu que não consegue enxergar o mundo de forma "mágica"... Hmmm -n). Particularmente frustrante é a presença do estereótipo (repetido dezenas de vezes, acho) do idoso querido. Por outro lado, isso não pesou na minha consideração da nota por causa da sinceridade do escrito. A fascinação com a "vovó anjo" às vezes é um pouquinho piegas? Pode ser. Mas e daí? Às vezes ser assim doce requer coragem (por exemplo, de se expor) e quando esse é o caso, é pecado considerar isso um pecado. Todo esse açúcar levou a alguns momentos de uma prosa genuinamente poética e bacana. Me lembra bastante a lógica do Billie the Vision and the Dancers - só que eles são uma glicose mais subversiva; esse livro, nem tanto.
No fim, o que me fez dar quatro estrelas foi mais a persistência de certos contos e textos que, por estarem ali meio a esmo, atravancam o ritmo e parecem uma mancha que não sai mais da sua camisa predileta (Ou, sei lá, um velhinho andando que nem uma lesma na sua frente quando você está com pressa. Ué, que foi? Keepin' it real.). Sério; lá pelo meio do livro estava considerando favoritá-lo, mas se comete-se o erro organizacional de fazer com que o entusiasmo do leitor caia pela metade, e lá pelo fim você fica querendo que o livro acabe logo de uma vez, então não dá pra continuar com o plano original. Mesmo assim, o livro super vale a pena. Recomendo!
Alguns trechos fantásticos:
'Sonhava. E como costumava dizer ao marido, "pesadelava".'
"Outro desejo que surgia de sua vontade de subir na ponta das estrelas, era sussurrar o nome do menino que gostava. Não precisaria mais falar alto com as estrelas, tendo o cuidado em prestar atenção e ver se não tinha ninguém por perto. Achava o sussurro uma coisa gostosa e delicada de se fazer. Gostosa porque dava cosquinha na garganta, e delicada porque ouvia sua mãe dizer "eu te amo" ao seu pai, com um sussurro. Era tão bonito, que a arrepiava. Achava que tinha de ser assim mesmo, pois só gritamos quando alguém está longe de nosso coração, assim como gritamos quando alguém está longe fisicamente de nós. As pessoas deveriam sussurrar mais umas às outras."
"Nós não somos ilhas, mas morremos como elefantes."
Os contos a que dou destaque:
"O escândalo", "Sósia", "Um bom marido", "O profeta", "Quase vegetariano", "A princesa e o bruxo", "Jardim do Éden", "Vendem-se paisagens", "Mau pressentimento", "Silêncio absoluto", "Três Marias", "Bolsa mágica", "Pipa", "O homem do semáforo", "Sexta-feira 13", "Sem o doce da infância" (esse é CRUEL, cara... Mas é ótimo. Joga bem com o leitor), "Entregas especiais", "O sorvete cobiçado", "Orientações médicas" e "Surda".