otxjunior 25/01/2021O Último Filho, John HartApesar de um prólogo bastante intrigante e uma sequência imediata de ação em capítulos curtos, a primeira metade de O Último Filho, de John Hart, não funcionou exatamente comigo. É um thriller diferentão, e ganha pontos por isso, por resvalar no drama familiar e até introduzir uma dose bem-vinda de misticismo e religiosidade, mas o personagem do detetive está entre os mais incompetentes que já li e nenhum pré-adolescente, principalmente sob situação de forte estresse, fala daquele jeito. Porque o estilo da escrita é particularmente poético, ou pelo menos, mais poético do que geralmente é encontrado no gênero, com um excesso de figuras de linguagem que deve ter representado desafio aos tradutores. Inclusive alguns trechos são questionáveis, mesmo no quesito ortográfico.
Não conhecia o autor mas imaginei, pela maneira como descreve o cenário, que ele viveu sua infância, assim como o protagonista mirim, com quem também divide o primeiro nome, em meio a paisagens de florestas, pântanos e rios da Carolina do Norte. A qualidade de selvagem do lugar reflete em alguma medida no comportamento intenso e caótico dos personagens adolescentes, que chegam a se identificar expressamente com os meninos de O Senhor das Moscas, de William Golding. De maneira que nosso herói de 13 anos se mostra superior, em muitos sentidos e mesmo depois de levar mais de 200 pontos (!) após um episódio de grande bravura, à força policial responsável pela investigação do paradeiro de sua irmã gêmea e liderada pelo emocional, no sentido não profissional, detetive Hunt. O que não se mostra muito difícil quando o obtuso personagem, por exemplo, chuta latas de tinta por toda a cena do crime numa explosão de raiva.
Do meio pro fim, por outro lado, não consegui parar de ler e acabei relevando muitos dos problemas identificados e outros que surgiram, como a sexualização da personagem da mãe, dependente química e vítima de agressões físicas, que aparece muitas vezes definida por seu parceiro do momento; e a conveniência inexplicável de mais de uma pessoa aparecer com o nome de alguma forma gravado na roupa que estava usando quando morreu. Aliás são muitos os assassinados, em sua maioria crianças, o que pode chocar os leitores mais sensíveis.
À medida que me aproximava do fim, o autor ia desbancando teoria por teoria que criei, o que aumentava proporcionalmente o meu interesse até a conclusão satisfatória. Satisfação que extrapolou os limites do romance policial, através de uma verdadeira jornada espiritual de autoconhecimento e do outro, num emocionante processo de expiação, reparação e perdão que remonta a mais de cem anos, com direito a chuva catártica e outros milagres, sem nunca soar piegas. Entre outras boas surpresas, a minha favorita é a que trata da identidade do último filho do título, que permanece um mistério até o último capítulo, ecoando assim o mote do personagem: a vida é um círculo. Eu também acredito que seja.