Ale 14/04/2018
A intrepidez de uma mente livre
O livro traz todos os quatro romances escritos por Doyle que envolvem Sherlock Holmes, além de muitos comentários sobre alguns aspectos de sua obra. Cada um deles, talvez valha ressaltar, tiveram tradutores diferentes.
O detetive é peculiar. Parece-me arrogante, inteligente e pragmático. Arrogante, porque em diversas situações ele se apresenta com um gosto de superioridade frente aos detetives e da polícia, quando estes tomam caminhos diferentes e errôneos. Aparenta certa humildade ao declinar a fama que se lhe conferiria a solução dos casos difíceis pelos quais passa, mas só o faz por outra característica que lhe é peculiar. Ele é pragmático, porque estuda e faz tudo que contribua para o seu ofício, mas rigorosamente para isso. Diz que tudo o mais não lhe importa, inclusive, numa interessante passagem, quando lhe é perguntado sobre os movimentos da Terra e a inquietante ausência de resposta. Ora, nada mesmo importaria os movimentos da Terra para a solução de crimes. Essa energia toda colocada no trabalho tem um contrapeso: quando não há trabalho, praticamente, não há vida. O detetive consegue suportar os tempos entre um crime e outro com as drogas, com as superficialidades, com essas tentativas de estímulo que são. Lembra-me de uma entrevista realizada com Clarice Lispector, quando a mesma dizia que morria a cada livro que terminava.
O estilo de investigação me parece ser mais material, se assim posso chamá-lo. As pistas são quase sempre materiais, ou seja, vestígios compostos de matéria. É diferente se for comparado com outros detetives que, por exemplo, utilizam o poder de dedução não da poeira que forma uma pegada, da distância entre uma pegada e outra, da sujeira de uma bota etc, mas das coisas imateriais, como as palavras. Há alguns detetives neste estilo de dedução que analisam o comportamento humano e a utilização das palavras para desvendar os crimes. Sherlock, ao contrário, conversa com os rastros deixados, sendo o interrogatório a parte do romance puramente explicativa, em relação a vida pregressa do criminoso e a detalhes que o detetive não conseguiu elucidar.
Ele, apesar da descrição de frio e sem sentimentos, revela um grande afeto para com Watson, cuja companhia sempre requer e cuja confiança sempre deposita. Tem um certo senso de humor, relacionado normalmente aos erros dos outros detetives e do próprio Watson, em construções irônicas. Sinais de inteligência, se me perguntassem.
O médico que o acompanha é evidentemente o narrador das histórias, o que nos mostra a sua importância. Assim como ocorre ao acompanhante Dupin, Watson parece, às vezes, com um espelho que serve de auxílio para a construção do pensamento. Por diversas vezes Sherlock confronta Watson para saber o que ele pensa do caso, montando o seu raciocínio em cima da resposta. Bem, às vezes. Em outras, o faz apenas para se divertir, assumindo um papel de professor, talvez, de certa superioridade, conduzindo o amigo ao caminho mental que ele trilhou. Quem sabe, talvez, seja uma forma de testar a solidez de sua própria teoria. Seja como for, acontece por diversas vezes.
São histórias interessantes e, de certa forma, rápidas, mas que normalmente possuem um sistema que não me agrada muito. Do começo a metade, Sherlock desvenda e prende o assassino; da metade para o fim, conta-se a história do criminoso, sem antes ter sido revelado como o detetive descobriu a sua identidade, que, convenhamos, é o clímax da história. Bem, de qualquer forma, uma reverência ao detetive e a seu criador.